Leituras Acadêmicas



Texto 5.


Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
Faculdade de Formação de Professores
Programa de Pós-Graduação em História Social
Curso de Doutorado
Área de Concentração em História Social do Território
Linha de Pesquisa Território, Identidades e Representações


Projeto de Tese
"Conselhos Municipais de Cultura e a construção de políticas culturais no Brasil e na Argentina: Investigando a participação social através da cultura, entre fronteiras”


Autora
Cleisemery Campos da Costa


Sumário

1.      Delimitação e justificativa
2.      Objetivos
3.      Referenciais teóricos 
4.      Hipóteses
5.      Metodologia e documentação
6.      Bibliografia


“A reta é uma curva que não sonha”
Manoel de Barros


1.      Delimitação e justificativa

A proposta desta pesquisa, um diálogo multidisciplinar, busca entender como se formam e como interagem os diversos grupos sociais, dentro da História (uma História total, não apenas observados os aspectos políticos ou econômicos). Segundo a historiadora Hebe Mattos de Castro, a análise faz conexão com a História Social, considerando:

“[...] pressupõe que tanto os sujeitos históricos como as estruturas, agem e interagem na construção e desenrolar dos acontecimentos, entendendo como sujeitos históricos, atores sociais em diversos campos de atuação” (CASTRO, 1997).


Desejo colaborar para aprofundar os conhecimentos históricos no âmbito das políticas culturais, analisando os "Conselhos Municipais de Cultura e a construção de políticas culturais no Brasil e na Argentina: Investigando a participação social através da cultura, entre fronteiras”, numa tentativa de compreender mais a discussão de políticas culturais no campo da História, na perspectiva de diminuir as fronteiras e limites ainda existentes sobre as políticas culturais e a História. O presente estudo será uma continuidade de um trabalho teórico-prático no campo cultural, onde trato nesta análise “das interlocuções sociais, ao tentar desvendar o que se passa por trás das estruturas sociais, buscando identificar os traços invisíveis que não podemos notar através de um simples olhar de senso comum” (BOURDIEU, 1989).

Exploro o conceito de campo ao fazer uso do percurso vivenciado na área cultural nas recentes duas décadas (como dirigente de uma rede cultural que reuniu vários outros gestores e agentes culturais, como assessora legislativa, pesquisadora, professora, e gestora pública de cultura - municipal e estadual), contribuindo desta forma, com  a própria pesquisa. Nesse percurso, onde se desenrolam lutas pela detenção do poder simbólico, o destaque a ser considerando, a serviço da pesquisa, é o capital social apreendido ao longo dessa trajetória: à rede de relações interpessoais construída com outros sujeitos sociais e seus desdobramentos nesses diferentes espaços de “arenas” do meio social. A proposta de análise dos Conselhos Municipais de Cultura compreendendo o recorte de uma década - 2004 a 2014, das cidades de São Gonçalo e Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro - Brasil, e Mar del Plata na Argentina.

A escolha de um Conselho Municipal de Cultura de uma cidade Argentina, encontra justificativa em função de diálogo anterior desenvolvido presencialmente, entre os anos de 2008 e 2010, quando do intercâmbio acadêmico  promovido pelo Instituto Itaú Cultural, atividade que integrou o Programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cultural 2007-2008, onde fui uma das 10 (dez) selecionadas na premiação nacional. Na oportunidade, iniciei estudos presencialmente nas cidades de Buenos Aires e Mar Del Plata, com os professores Rubens Bayardo - Coordenador da Rede Iberformat, voltada para a formação de gestores culturais e associada à Organização dos Estados Iberoamericanos, e Luis Porta - Director do Centro de Investigações Multidisciplinares em Educação da Universidade Nacional de Mar del Plata. Em especial, no ano de 2010 participei do Primeiro Congresso Internacional de Gestão Cultural “Nuevos Paradigmas en el Marco del Bicentenario”, organizado pela Associação Argentina de Gestores Culturais Universitários da  Universidade Nacional de Mar Del/República Argentina (21, 22 e 23 de outubro de 2010), oportunidade para  conhecer mais a instituição que tem tradição na formação no campo da gestão cultural.

Após o período presencial mantive interação, via internet, com agentes e pesquisadores do campo da cultura daquele país, em produtiva troca ao longo dos anos seguintes. Tal fato foi estimulou a  inclusão da cidade de Mar Del Plata, que apresenta dados, indicadores e resultados no âmbito das políticas culturais, em ligação direta com a formação de agentes culturais, e sua atuação nos espaços sociais de decisões políticas, no seu território. No tocante a  perspectiva sócio histórica sobre as políticas culturais na América do Sul, a pesquisa propõe comparar o conjunto das políticas culturais dos dois países – Brasil e Argentina, incorporando mais informações sobre as contribuições do Brasil diante dos países da América do Sul. Maior país do continente, com avanços consideráveis na implantação de políticas culturais, meu interesse é fortalecer o contexto da História Brasileira em uma dimensão multidisciplinar, envolvendo para esse expediente, as duas Universidades – Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Universidade Nacional de Mar del Plata.

Como na micro história, a proposta da análise mira no resgate de parte das experiências individuais (e locais), para o entendimento da política cultural, analisando as relações desses atores no seu espaço social de atuação, ao “buscar interpretações, remetidas para suas determinações fundamentais que são o social, o institucional e, sobretudo, o cultural” (CHARTIER, 2007). A narrativa é uma tentativa de dar voz as pessoas comuns, as suas histórias de vida, as suas narrativas culturais e as estruturas e versões que se interligam diretamente na formulação de políticas culturais. Na  presente análise, cabe aprofundar historicamente o processo que institui os Sistemas de Cultura, a partir da implantação do Sistema Nacional de Cultura Brasileiro, iniciado em 2004, onde estão integrados os Conselhos Municipais e Estaduais de Cultura, em estudo comparativo com o Sistema de Cultura Argentino. Para percorrer parte do caminho de construção dos Sistemas de Cultura, apresento breve traçado histórico da discussão de políticas culturais resultantes da organização do Conselho Federal de Cultura do Brasil (décadas de 1930 e 1960), e do Conselho Nacional de Política Cultural (2005), e do processo semelhante, do país vizinho.

Peças estruturantes para a construção de políticas democráticas e ferramentas estratégicas para a implantação de políticas culturais no estado fluminense e no Brasil após a redemocratização, a pesquisa aborda os limites de atuação dos Conselhos Municipais de Cultura, considerando os aspectos de formação do próprio setor cultural, e certa tradição que acompanha a História do Brasil, notadamente, sob a marca do dirigismo, do autoritarismo, e da exclusão social,  com cenário semelhantes em outros países  da América da Sul, como na Argentina. Mesmo com a redemocratização parcial do Brasil em 1985, a Constituição de 1988 e a ampliação da discussão das políticas culturais pós-2003, nas duas gestões do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que apresentam marcas de impactante incentivo à escuta da sociedade), ainda assim, como aponta a filósofa Marilena Chauí “é perceptível à fragilidade da condição da chamada participação social, e ainda, os mecanismos de controle social, fruto da construção ideológica do Estado Brasileiro, de não aceitação de uma real democratização do mesmo” (CHAUÍ, 2006).

Para contextualizar, reflito sobre alguns registros da História do Brasil Colônia, do Brasil Império, e Brasil República, à luz do cenário das políticas culturais vigentes, a partir da investigação de algumas trajetórias no campo das políticas culturais, observando atitudes, modos de pensamento, costumes e iniciativas. A relação entre a Cultura e o Direito, tanto sob a perspectiva histórica, como das possibilidades de aprendizado dos processos possíveis de formação, do compartilhamento de subjetividades e representações, e em especial, das dinâmicas de tentativa de controle e ocupação do espaço, por parte da sociedade civil. No seu discurso de posse no Ministério da Cultura, em 2003, Gilberto Gil apresenta uma concepção antropológica de cultura, que já naquele momento era um desejo do  cantor-ministro, como linha de condução para a pasta, com deliberação de políticas públicas que valorizassem a multiplicidade dos saberes e das manifestações culturais no Brasil. O desejo expresso no discurso de posse do Ministro, foi base da prerrogativa inserida formalmente na Emenda Constitucional Nº 48, quando instituído o Plano Nacional de Cultura:

“I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II - produção, promoção e difusão de bens culturais; III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV - democratização do acesso aos bens de cultura; V - valorização da diversidade étnica e regional"       (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL – 2005).


A implementação de políticas públicas de cultura que estimulem uma constante relação entre Estado e Sociedade de forma abrangente é uma preocupação que fica evidente na orientação do Plano Nacional de Cultura: além de apresentar aos poderes públicos suas necessidades e demandas, os cidadãos, criadores, artistas, produtores, agentes, animadores e empreendedores culturais, são alertados para sua condição de corresponsáveis na implementação e na avaliação das diretrizes e metas do Plano, participando de programas, projetos e ações que efetivem o cumprimento do mesmo e dos Sistemas (municipais, estaduais e  nacional), como destacado:

“[....] como fundamentos imprescindíveis para uma democracia participativa e representativa na gestão do Ministério da Cultura, a presença da Sociedade Civil, em especial, através dos Conselhos de Cultura [....]” (MINISTÉRIO DA CULTURA, Brasil.2012).


Proponho analisar as condições e o contexto histórico cultural para essa (ou dessa) participação social, apontada pelo próprio poder público federal “como condição de fundamento imprescindível” (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2012), e os cenários e fatores, favoráveis ou não, nessa discussão de instalação dos Sistemas de Cultura. Com foco na política cultural, integrante do montante das políticas públicas que se destacaram na reivindicação de sua própria implantação, com avanços, retrocessos, conquistas e perdas no Brasil pós-1988, a análise sobre conselhos de cultura e efetivação de políticas culturais tece esse ponto crucial: o antagonismo do processo democrático, frente suas condições de formação, participação social e os limites históricos enfrentados, no papel que é atribuído a esses conselhos, de “salvaguarda” do conjunto das políticas públicas criadas no Brasil, sob o viés da presença da representação social. Toda essa prática, recente e nova, é a própria democracia brasileira em evidência, onde as conferências, os conselhos, as trocas entre os órgãos culturais, a destinação de recursos, o acesso à fruição dos bens e meios de produção culturais, consolidam as articulações possíveis para que o direito à cultura, este também um preceito constitucional de 1988, seja materializado, em realidade mais próxima do exequível:

 “O Brasil  inaugura, a partir de 2003, um amplo pensar sobre a política cultural em todo o território nacional, “reverberando para alguns países da América do Sul um estímulo novo na assimilação do conceito de cidadania cultural e dos direitos culturais” (MEIRA, 2004)

                                                                                                     

                                           2. Objetivos
Geral - Analisar o processo de participação da sociedade no âmbito do setor cultural na implementação e controle das políticas públicas de cultura.

Específicos
·         Identificar e descrever parte do percurso dos Conselhos de Cultura de duas  cidades brasileiras e uma cidade da Argentina, no tocante sua atuação na efetivação e instalação dos Sistemas de Cultura e sua representação social e  identidades;
·         Localizar as potencialidades, limites e tensões quando da atuação dos conselhos de cultura na efetivação de políticas culturais, considerando a configuração dos limites históricos identificados na História Social contemporânea;
·         Contextualizar a retomada dos direitos culturais  e a democracia representativa, participativa e deliberativa no Estado brasileiro, através da presença e atuação dos conselhos de cultura;
·          Reconhecer as diversas vozes que atuam de modo convergente ou divergente, como atores do processo de construção das políticas públicas;
·         Colaborar na atualização do levantamento bibliográfico sobre o tema das políticas culturais no Brasil;
·         Associar as iniciativas de comunicação cultural e social, no âmbito da atuação dos Conselhos de Cultura, com o local, o nacional e o internacional;
·         Refletir  acerca do contexto das políticas culturais entre Brasil e Argentina;
·         Contribuir para maior visibilidade sobre as políticas culturais e sobre a cultura no cenário acadêmico brasileiro, para maior integração dos temas Educação, História e Cultura;
·         Estimular a ampliação do repertório historiográfico sobre as políticas culturais no Brasil, no campo da História Social.


3.      Referenciais teóricos para fundamentação do presente estudo

Com a Constituição de 1988, um período difícil é encerrado no Brasil (a ditadura civil-militar de 1964-1985), ainda que seus efeitos ainda perdurassem um tempo para dissipação total. A redemocratização brasileira tem na Carta Magna um marco legal, onde o conjunto de direitos sociais foi reunido, resultado de um processo beligerante e tenso que envolveu vários atores sociais, em especial, no meu trabalho, a Cultura. Os anos marcantes das décadas de 1970 e 1980, onde a democracia e os direitos civis foram duramente afetados, são razões que embasam boa parte da Constituição Brasileira. Ampliar – e mesmo garantir - a participação social nas decisões e implementação das políticas públicas era uma necessidade, tamanho o temor do possível retorno aos anos de chumbo, soma angustiante de cenário anterior de exclusão social, como na Era Vargas, e nos séculos anteriores, a própria escravidão.

A soma desses tempos da História brasileira incide diretamente na prática da democratização do Estado, onde o exercício da participação social é cenário de estranhamento: a população custa a reconhecer seus direitos, ou alguns dos novos direitos garantidos na nova Constituição. A partir desta, a institucionalização dos conselhos é a novidade que possibilita uma fundamental forma de expressão, transpassando anos de proibição ou inibição da representação popular. Ao contrário das experiências anteriores de organização de conselhos, naquele momento eles passam a reunir  representantes das institucionais estatais e os novos ou revitalizados movimentos sociais. O discorrer  e compreender esse período é sintomático para a análise que rege essa pesquisa, no sentido de aprofundar a dimensão da importância da participação social, através dos conselhos de cultura, no processo decisório das políticas culturais no Brasil, após a Constituição Brasileira de 1988.

Como apontado na justificativa deste projeto de pesquisa, observo a necessidade de conhecer mais profundamente a forma adotada nessa/dessa participação social, buscando identificar os instrumentos que foram encontrados, adotados e estimulados para operacionalização de sua atuação, considerando os limites e tensões que problematizaram tal atuação – quer na sua própria formação cultural, quer pelos limites históricos (e quais), encontrados (ou herdados?). A Constituição Brasileira, no seu artigo 215, assegura a Cultura como direito inalienável para todos.

Mas se a Carta Magna já estabelece o que deve ser cumprido no tocante à cultura, para que os Sistemas de Cultura? O que deve ser desdobrado ou implementado ? Podemos pensar na utilidade dos sistemas justamente para que o direito à cultura se efetive, para que seja uma realidade sob a guarda e a proteção dos seus respectivos protagonistas – conhecedores de sua realidade local (nos municípios e estados), onde a União assume papel norteador, com um padrão que integre e articule todos os entes federados.

Os sistemas de cultura, no seu conjunto de instrumentos integrantes, oferecem  mecanismos reais para que o direito à cultura se materialize. Com os sistemas, temos mais chance de aprimorar o que já existe, a partir da Constituição, considerando a institucionalização da cultura, como política de Estado. Bernardo Mata Machado (MATA MACHADO, 2004), pesquisador mineiro, destaca a instituição dos Sistemas, em harmônica articulação federativa integrando municípios, estados e a união, em especial na elaboração dos Planos de Cultura e com a participação dos Conselhos de Cultura, na melhor e mais assertiva projeção do setor:      
 
                                                           “(...) é possível ter uma real radiografia do que temos, o que queremos ter, e o que é preciso fazer para  ter, para chegar lá, quem vai fazer acontecer, para onde orienta nosso desejo.” (MATA MACHADO, 2004),

Tal ação é medida indiscutível na potencial ampliação do acesso e democratização da cultura, desejo comum entre todos que atuam na área cultural – gestores públicos e conselheiros de cultura, agentes e animadores culturais, especialistas e professores.  A cada passo que a política cultural é aprimorada, aprofundamos a democracia, vivendo plenamente nossa condição cidadã do direito exercido. Para cumprir o que está determinado no citado artigo constitucional, na realização de prestação de serviços ao público no acesso às atividades culturais (na sua condição dinâmica e complexa), é que se justificam a implantação dos sistemas de cultura.

Perseguindo essa meta - a promoção do acesso e a democratização da cultura – como fruição e conquista dos meios de produção para todos, como um dos benefícios diretos a ser considerado nas cidades, quando da instalação dos seus sistemas, e a participação dos Conselhos de Cultura nessa engrenagem, transito com a indagação quanto à possibilidade de operar a transposição do discurso institucional para execução da ação, com representantes da sociedade civil nessa tarefa.  É este momento - o papel destacado para os Conselhos de Cultura - que tenciono analisar. Contextualizar políticas culturais e História Social, analisando os possíveis roteiros de dependência, onde quase sempre estaciona a política cultural.

Estabelecer diálogo e articulação entre os agentes culturais e a própria sociedade é uma prática recente, considerando a própria História da Política Brasileira, sobretudo, das políticas culturais, permeada durante séculos pelo dirigismo, sem  condição de diálogo ou participação social nas esferas de poder. Pretendo investigar quanto à presença da sociedade civil nesse processo de efetivação das políticas culturais: se foi modernizada e ampliada à prática da participação e escuta da sociedade civil, ou não; se foi operada a garantia do controle social, com a fiscalização das ações e efetivação das decisões tiradas nos conselhos, nos fóruns e conferências de cultura, em seu aspecto mais amplo, ou não, em atenta referência ao histórico que marca a sociedade brasileira, segundo o pesquisador baiano Albino Rubim quando destaca: 

“A trajetória brasileira das políticas culturais produziu tristes tradições e enormes desafios. Estas tristes tradições podem ser emblematicamente sintetizadas em três palavras: ausência, autoritarismo e instabilidade.” (RUBIM, 2007).

Enfrentando a tradição do autoritarismo, que tem como um dos traços ainda presentes nas gestões culturais a ausência de diálogo, é justamente com a participação de vários atores que o processo tende a apresentar mudanças, com adoção de uma prática mais comprometida com o diálogo. Neste aspecto, analisar o papel e atribuição dos Conselhos de Cultura, pode ou não apresentar um quadro que atenue a condição histórica da inibição – e em alguns casos de desconfiança - de boa parte dos participantes da sociedade civil nas discussões e encaminhamentos sobre políticas e ações culturais.
Faço referência às contribuições da historiadora Lia Calabre (pesquisadora  responsável pelo setor de políticas culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa – FCRB/Ministério da Cultura), que aponta em suas pesquisas do período inaugurador das políticas culturais no Brasil, as principais características da inovadora experiência de gestão pública cultural implementada na cidade de São Paulo, com a presença de Mario de Andrade no Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo, em 1935-1938.  O registro da historiadora ressalta um valioso tempo percorrido no processo de construção de políticas culturais no país:

 A cultura com base em um conceito mais amplo, antropológico, com efetividade da democratização da gestão e das políticas públicas, tem espaço recentíssimo na história republicana do Brasil, em uma sucessão de fatos mais relevantes, ao longo das últimas oito décadas” (CALABRE, 2009).

Outros marcos emblemáticos, além da gestão de Mário de Andrade e da promulgação da Constituição em 1988, contribuíram  com uma estrutura um pouco mais democrática, combinando com o período político de redemocratização iniciado em 1985. Dentre esses marcos, destaco importantes considerações da pesquisadora e gestora cultural Isaura Botelho (BOTELHO, 2001), que auxiliam na investigação. São eles:

·         As transformações ocorridas no final da década de 1970, no âmbito federal, em plena ditadura militar, sob a direção de Aloísio Magalhães à frente da Secretaria Nacional de Cultura do Ministério da Educação e Cultura – MEC. O gestor, um prestigiado designer, galgou espaço na estrutura do governo federal, após realizar e estimular pesquisas no Centro Nacional de Referência Cultural;
·         A criação do próprio Ministério da Cultura – MinC (1985);
·         A presença de Marilena Chauí como titular na Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (1989-1992), gerando as formulações de cidadania cultural que orientam diversos programas e políticas culturais no Brasil;
·         A chegada de Gilberto Gil, à frente do Ministério da Cultura (2003), ampliando em escala nacional a discussão da política cultural, antes restrita as áreas de Artes e do Patrimônio, e a partir de então, incorporando outras dimensões, como a simbólica, econômica e a cidadã, como vimos ao longo de sua permanência como Ministro de Estado;
·         A realização nos diversos estados brasileiros dos seminários Cultura para Todos (2003), que reuniram intelectuais, pesquisadores, agentes e trabalhadores culturais para debater a construção de uma política de Estado para a cultura, provocando debates e discussões sobre políticas e ações estruturantes para o campo da cultura;
·         A “Agenda 21 da Cultura”, em 2004, onde secretários e agentes de cultura de vários países reuniram-se em Barcelona, originando a formulação do documento que tinha o Brasil como país signatário, e orientava para uma maior participação da sociedade civil na área cultural.
O conjunto desses fatores e articulações, possibilitaram a consolidação de uma política nacional para a cultura, com amplitude em quase todo território brasileiro, quando foram convocadas as primeiras  conferências municipais, estaduais e setoriais de cultura - bases para a 1ª Conferência Nacional de Cultura (palco de discussão do Plano Nacional de Cultura – PNC), e do Conselho Nacional de Política Cultural – CNPC, em 2005.
Era o começo de uma maior integração das ações do poder público, com a sociedade civil. A partir desse conjunto de marcos, foram sendo estabelecidas outras ações significativas em uma perspectiva sistêmica e estruturante para o setor cultural.  O rico processo das demais conferências nacionais de Cultura, realizadas em 2010 e 2013, foi decisivo para o avanço da comunicação, potencializando a escuta e a fala da sociedade civil. Os delegados eleitos pela sociedade civil, participantes das conferências, foram maioria em todas as suas etapas – municipais,  estaduais e nacional, em uma conta percentual propositadamente estabelecida pelo Ministério da Cultura, numa clara medida de dar “voz” a sociedade civil. As conferências e conselhos não foram invenções da Constituição de 1988, ou ainda, dos recentes governos, entre 2004 e 2014, conforme a delimitação temporal da pesquisa que ora objetivo empreender:
“Desde a era Vargas, os conselhos e conferências foram criados para estruturar as políticas públicas na área da educação, saúde, e cultura - a Primeira Conferência Nacional de Saúde ocorreu em 1940, de lá para cá, foram realizadas no Brasil até 2012, cento e quinze conferências nacionais.” (CALABRE, 2009).

A diferença potencial entre essas duas conjunturas (do período Vargas e Governo Lula), é que, nesse período mais recente, a sociedade foi “convocada” a participar. Na Primeira Conferência Nacional de Cultura em 2005, os delegados sinalizavam sobre a necessidade de uma espécie de SUS (Sistema Único de Saúde) para a Cultura, ou seja, um Sistema Nacional de Cultura, integrando, como na Saúde, poder público e sociedade civil na estruturação e fomento do setor – fato marcante para iniciar a organicidade de toda uma engrenagem sistêmica de cultura, como realidade exequível no Brasil, contando em especial, com a liderança do Ministro Gilberto Gil. Ainda em 2005 é criado o Conselho Nacional de Política Cultural (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Brasil. 2005), inovando com a eleição de representantes da sociedade civil, mudando a antiga tradição da indicação, com nova composição paritária entre governo e sociedade, com caráter consultivo e deliberativo.

Um momento chave de rompimento com o histórico dos conselhos e fóruns de cultura anteriores, como um lugar de notáveis, sem eleição, a exemplo do próprio Conselho Nacional de Cultura-CNC, criado em 1938, a partir do Decreto-Lei nº 526, integrante do então Ministério da Educação, da Saúde e dos Negócios (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Brasil.1938), ou ainda o Conselho Federal de Cultura, criado em 1961, com o Decreto nº 50.293, de 23 (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Brasil.1961), um e outro, referência para os modelos de conselhos municipais e estaduais no Brasil, onde seus integrantes eram convidados e/ou indicados pelos respectivos chefes do executivo.

Vários estados e municípios passam a aderir esse novo formato para os Conselhos – a exemplo do Estado do Rio de Janeiro, que aprovou a sua  Lei da Cultura, em 2015, pela Assembleia Legislativa do Estado Rio de Janeiro, após um longo processo de discussões entre o poder público e a sociedade civil, quando é instituído o Sistema Estadual de Cultura do Rio de Janeiro - Lei 7035/2015.

Com a criação do novo Conselho Nacional de Política Cultural, a sequência de um conjunto legal com várias leis e decretos, inaugura a linha norteadora das políticas culturais em velocidade ímpar, como o Plano Nacional de Cultura que é instituído pela Lei no 12.343, de 02 de dezembro de em 2010, e com a nova emenda constitucional de Nº 71, 29/NOV- em 2012, é designada a organização do Sistema Nacional de Cultura. Todo esse conjunto legal, compreendendo o que propunha a emenda Constitucional Nº 48, em agosto de 2005, no seu Artigo 215:

“Art.   215 O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos           direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e  apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. 
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de   alta significação para os diferentes segmentos étnicos  nacionais.
§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de   duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do      País e à integração das ações do poder público que conduzem à:I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II - produção, promoção e difusão de bens culturais; III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV - democratização do acesso aos bens de cultura; V - valorização da diversidade étnica e regional.”  
                
                                                 
É nesse novo cenário de participação social e ampliação do debate sobre as políticas de cultura no Brasil, que tem sido construído o Sistema Nacional de Cultura - SNC, que articulou oficialmente uma agenda de planos e ações no/para o país, onde cada ente federativo, nos três níveis, estrutura o seu próprio sistema, onde os Conselhos de Cultura, tendem a ocupar um lugar protagonista capaz de fazer movimentar essa engrenagem. Cabe a análise dessas peças integradas – Ou não, constatar a existência – ou não, desse conjunto harmônico (conselho, plano, fundo), e dos variados instrumentos de ação, participação social, a partir do estudo de caso de dois Conselhos Municipais de Cultura no Brasil (São Gonçalo e Petrópolis), e um Conselho Municipal de Cultura na Argentina (Mar del Plata).

A pesquisa  desenvolverá uma análise comparativa, também, entre as duas  cidades do estado fluminense - São Gonçalo e Petrópolis, que apresentam diferenças na condução das políticas públicas, em especial, a política cultural e o funcionamento dos seus Conselhos Municipais de Cultura, nos seus respectivos contextos locais. Para este estudo comparativo, cabe um olhar atento na construção histórica das duas cidades, embora localizadas no mesmo estado, apresentam características opostas (econômicas, sociais, políticas e climáticas).

Ainda sobre a escolha de uma cidade Argentina, destaco o investimento de uma análise comparativa por conta de trajetórias históricas entre o Brasil e o país vizinho, num compasso de semelhanças que “se repetiram”, com fatos presentes nas respectivas histórias, tanto do Brasil, como na Argentina, que refletiram diretamente no cenário político-cultural dos dois países da América do Sul: a tradição religiosa, a presença da  colonização  ibérica, a marca de uma economia voltada para a exportação, o marco de uma ditadura civil-militar recente, os avanços e revezes nos governos centrais, a prática do capitalismo que produz diferenças agudas na população, em nítido retrato de desigualdades sociais. 
Mais pontualmente, me proponho a abordar pontos da história Argentina, sob um olhar comparativo com a própria história Brasileira, como por exemplo, quanto à presença do Presidente argentino Domingo Faustino Sarmiento “um escritor que desde os meados do século XIX defende o avanço do seu país, implantando a escola pública e gratuita como principal instrumento para o desenvolvimento da Argentina, que assimilou a importância de uma política de alfabetização e instituiu o ensino  público, laico, obrigatório e gratuito” (ZAMBRANO,2001), analisando  até onde tais iniciativas repercutiram na construção de uma nação argentina mais culturalmente avançada. 

No conjunto das palavras chaves norteadoras dessa escrita, destaco: História; História Social; Cultura; Direito; Cidade; Políticas Culturais; Participação social; Formação; Movimentos Sociais; Territórios, onde proponho juntar ao ofício da historiadora  e pesquisadora, a energia do sonho de uma fazedora cultural, que insiste em teimar no movimento da engrenagem da vida, pela presença mais espontânea e ampla da cultura para/na sociedade, projetando melhores tempos para o futuro. E entendendo que essa agenda estará em cheque, precisando ser novamente reafirmada no período que se avizinha em nível nacional, acredito que cabe também aos pesquisadores e as instituições de pesquisas, atento resguardar.


4. Hipóteses/ Questões de Estudo


A trajetória percorrida pelos Conselhos de Cultura na efetivação de políticas culturais, à luz da História contemporânea recente do Brasil, onde a própria importância da Cultura é questionada, tem apresentando um cenário de avanços e retrocessos, ganhos e perdas.  Entendendo que Cultura apresenta conceitos múltiplos e interdisciplinares, que transitam em frequente movimento, a presente análise estuda o contexto contemporâneo brasileiro do século XXI, constando que, apesar do amplo debate pós-redemocratização, o “tamanho” da participação social e sua circulação/atuação no campo das políticas  culturais, figura entre o tímido e o modesto.

Processo em construção, em afirmação, a pesquisa buscará analisar e posicionar esse instrumento chave dos Sistemas de Cultura, um dos responsáveis pela própria movimentação dessa engrenagem, onde as disputas sobre o direito à cultura e da própria política cultural, ainda estariam em cheque. Requerendo mais investimento na formação e na capacitação, a legitimação dos Conselhos de Cultura nas suas respectivas instâncias de atuação, seja nos espaços de representatividade da sociedade, de fóruns de organização da sociedade civil, ou nos colegiados formalmente instituídos, ainda carece de mais vozes (ou outras vozes), para maior grau de interferência nas decisões e gestão das políticas públicas. A pesquisa abraça a complexa tarefa de analisar a representatividade dos Conselhos de Cultura, suas atribuições, que envolve diretamente a efetivação de direitos. 

Qual tamanho real da “força potente” atribuída aos Conselhos de Cultura, de forma  assentada e contínua, no Brasil de hoje? Como a diversidade da Cultura Brasileira, que se apresenta como uma referência em destaque no mapa da América Latina,  dialoga com a própria História Social do país, oriunda das marcas profundas de preconceito e exclusão? Nessa perspectiva histórica, analiso a participação social como promotora de transparência de deliberações e visibilidade das ações, com vistas a democratização do sistema decisório, se permite, ou não, maior expressão e visibilidade das demandas. Se essa participação é capaz de estimular e ampliar a promoção da igualdade nas políticas públicas, por meio de inúmeros movimentos – como os Conselhos de Cultura, e constatar, ou não, se tal ação apresenta um caminho para o alargamento de direitos, capaz de executá-los no interesse público.

No relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD/UNESCO (2004), que trata dos Direitos e liberdades culturais no centro da temática sobre o desenvolvimento, o documento destaca que para o mundo atingir os objetivos de desenvolvimento do milênio, e acabar por erradicar a pobreza, precisa enfrentar primeiro, o desafio da construção de  sociedades culturalmente diversificadas e inclusivas. Essa tarefa do “mundo”,  é, sobretudo, um desafio a ser encarado nas cidades, com o exercício da democracia, na prática dos direitos culturais, de onde enxergamos, inegavelmente, a importância da Cultura. A própria UNESCO trabalha nessa tarefa, ao longo de 80 (oitenta) anos, desde a década de 1940, no século XX, com a elaboração de documentos que tratam dos direitos culturais.
Na visão do especialista em políticas culturais Teixeira Coelho, a provocação de que “todos querem a cultura, mas ninguém quer pagar pela cultura (COELHO, 2008), é um alerta na contramão do  que aponta o relatório da UNESCO, uma provocação, frente à constatação de cientistas sociais das grandes nações europeias, em 2001, que potencializa a cultura como 4ª pilar de crescimento e desenvolvimento mundial, atrás da economia e do meio ambiente. Mirando esse olhar para o mundo, a pesquisa foca na importância das cidades nesse mapa global. O gestor cultural Aloísio Magalhães (1997) sempre potencializou o tamanho dos municípios, das cidades, destacando que é na cidade o lugar primeiro de se pensar a cultura, buscando proteger, apoiar, promover e garantir o acesso e a manutenção dos bens culturais, como pontua:
“É na cidade que estão os blocos de rua, as manifestações culturais populares, os artistas, os artesãos... É na cidade que vivenciamos o despertar das artes, onde preservamos a memória, que nos apropriamos do saberes e fazeres culturais, nas suas diferentes expressões. É na cidade que a determinação de resolver os problemas deve ser o primeiro pré-requisito da ação de proteção do bem cultural, desenhando um caminho, mais do que detalhar uma trilha” (MAGALHÃES, 1997).


Nas cidades, as políticas públicas de cultura tendem a apresentar instável cenário em seus processos e etapas de implantação. Frente a tal cenário, de idas e vindas, desnudar as cenas de antagonismo do processo democrático, no âmbito das políticas culturais, pode ser assimilado nessa pesquisa como uma tarefa de contribuição na preservação do conjunto das políticas culturais que foram criadas no Brasil redemocratizado, sob o viés das múltiplas representações sociais, com a participação de muitos “fazedores culturais”. E que não sejam perdidas (ou esquecidas).


5. Fundamentação teórico-metodológica e procedimentos de produção de dados

Delineados os fundamentos teóricos, apresento as orientações metodológicas que vão nortear a cientificidade da pesquisa, trabalhando os objetivos apresentados a partir de uma pesquisa qualitativa, baseada na percepção da realidade construída por indivíduos que interagem com seu mundo social. A participação social, o ser social e histórico é meu foco de estudo. Como pesquisadora, foco a orientação metodológica do trabalho nos significados possíveis oriundos da relação com as outras pessoas, com o mundo em que vivem, com “a rede resultante da conexão dos fatos históricos, quer seja, a própria História Social” (CASTRO, 2001).

O desenvolvimento da análise será o contexto apresentado no marco das políticas culturais, sendo o principal produto da pesquisa qualitativa o argumento, fruto das combinações entre a descrição e interpretação do objeto analisado. Além do estudo dos textos (especialmente os documentos oficiais fundadores dos sistemas e conselhos de cultura etc...), a parte fundamental do trabalho que me proponho a desenvolver, como historiadora, é procurar entender as relações entre o texto e as práticas às quais ele se refere, considerando para este expediente, tanto os relatos, os depoimentos, as entrevistas (representantes dos conselhos das cidades aqui mencionadas, e ainda,  gestores públicos municipais, estaduais, e federais de cultura), a análise documental, como apreciação de fatos.

A pesquisa será desenvolvida em íntima relação com a realidade investigada, nas suas variadas etapas (cito a vivência no campo, antes e no decorrer da pesquisa; as entrevistas semiestruturadas (agentes culturais atuantes na sociedade civil, gestores públicos de cultura atuantes nas unidades administrativas de cultura, pesquisadores do campo da cultura, artistas, consumidores das atividades culturais) a análise de textos; a contextualização de fatos; e a própria escrita da narrativa).

Aprofundar a discussão através da presença dos testemunhos, do protagonismo de atores individuais e coletivos através do uso da documentação oral, da comunicação cultural, das novas formas narrativas, dos acervos audiovisuais e da memória, todos, como “construtores” da História, é meta desta pesquisa. Como diálogo multidisciplinar, a análise se propõe a cruzar uma gama de fontes consideradas históricas, convertendo a produção humana em documento, ampliando a própria produção historiográfica (além de livros publicados, fazer uso de monografias, dissertações, teses, artigos, ensaios e trabalhos apresentados em congressos, simpósios e conferencias), inserida no âmbito da História Social.

De posse destas fontes, minha motivação é facilitar o mais possível o decifrar dos dados entre o transcorrer do tempo (curto, micro e macro), que trata a própria análise, dentro da História. Como o historiador Eric Hobsbawm problematizou o período 1875-1914, começando pela própria história da sua família (HOBSBAWM, 1990), recorro a uma dimensão autobiográfica e das fontes de acervo próprio, sem a pretensão de uma narrativa auto referencial. Ao inserir parte da minha própria vivência-existência social, tão somente desejo contribuir na composição de uma parte do tempo que trata a pesquisa, sua escrita, leitura e releitura. A propositiva, na verdade, é uma tentativa de traduzir o empírico em sensibilidades, buscando resgatar a experiência do que foi vivido, sem que minha particular paixão pelo tema, seja um destaque a ser “amplificado” no decorrer da pesquisa. Segundo Hobsbawm o maior desafio do historiador que se debruça sobre uma pesquisa é o seu próprio tempo, uma vez que

“[...] ele afeta aos historiadores de todas as gerações e infelizmente está menos sujeito à rápida revisão à luz dos acontecimentos históricos, embora felizmente não esteja imune à erosão da mudança histórica” (HOBSBAWM, 1998).

Observo que ainda somos poucos os que estão dispostos a investigar problemas ou assuntos relacionados à política cultural (tanto na sociedade de modo geral, ou mesmo na comunidade intelectual). Assim, como a historiografia é feita por profissionais que se “engajam” em sua contemporaneidade, não apenas para desvelar o passado, como reitera Hobsbawm, mas em especial, para problematizar o seu próprio tempo, a partir daquilo que nos mobiliza no presente, aqui me coloco a disposição para investigação desse tema em análise.

Considerado um precursor importante deste novo campo analítico que lida com as relações entre as emoções, a participação individualizada dentro dos coletivos, a cultura, e a sociedade no Brasil, o antropólogo Gilberto Velho explora uma realidade brasileira que dialoga com a linha desta pesquisa. O antropólogo destaca em sua obra sobre as possibilidades de coexistência de espaços díspares e até antagônicos nos trajetos experimentados pelos indivíduos, numa coexistência sempre tensa, por se situar em uma pluralidade de tradições e ordenamentos simbólicos:

Uma curva de vida que nada mais é do que o conjunto de trajetórias, de negociações, de mudanças e experimentações de um indivíduo em relação com outros. Tal trajetória é uma constatação do resultado de opções, negociações e disputas no interior de um campo de possibilidades,  dentro das perspectivas abertas pelo contexto sócio histórico e cultural em que um indivíduo está inserido” (VELHO,1981).


Conhecer e descrever a História desse lugar (de expectadora, testemunha e pesquisadora), faz parte do desafio desta análise, ou seja: como se encontram, numa perspectiva histórica, as políticas culturais das cidades em observação, no estado do Rio de Janeiro – Brasil, e na América do Sul, neste tempo curto recente. Como desenvolvido na dissertação de Mestrado, me coloco nesta nova análise novamente no papel de pesquisadora e pesquisada, onde, em alguns momentos a dimensão empírica desta investigação, que se estende ao longo de uma década (2004 a 2014), trato na linha de condução, equacionar a inclusão da minha própria atuação como agente cultural e gestora cultural, no “olho do furacão”, participante das ações aqui analisadas. 

O uso de dados secundários e dados primários será uma constante na pesquisa. Enquanto os dados secundários são preexistentes à pesquisa, organizados e estruturados por meio de banco de dados, arquivos, relatórios, publicações de divulgação ou científicas, dissertações e teses, os dados primários são obtidos diretamente pela pesquisadora, a partir de informações coletadas, sintetizadas e interpretadas. Integram um conjunto documental fruto de uma pesquisa mais detalhada (administração pública, jornais e entrevistas), que exigirá uma análise do discurso. A principal fonte de dados secundários foi o acervo de documentos acumulados e ordenados ao longo de anos de participação no cenário cultural em causa, composto principalmente de: atos oficiais, documentos oficiais no âmbito das políticas públicas de cultura, relatórios, atas de reuniões, relatos de encontros e fóruns, decretos e portarias, textos de leis, relatórios de gestão, leis, atas, relatórios, programas de governo sobre cultura e educação.

Também serão analisados e  consultados matérias jornalísticas, sites da internet e anotações próprias realizadas quando da participação nos diversos eventos que compuseram o cenário da cultura fluminense no período de tempo em estudo. A coleta destes dados, para além do acervo mencionado, implicará um trabalho de sistematização das informações enquanto dados para a pesquisa. Para além  disto, fazer uso de trabalhos acadêmicos, como dissertações e teses, cujos temas abordam o objeto que trata essa pesquisa, a partir de outras perspectivas, bem como textos elaborados por autores não acadêmicos (gestores culturais, formuladores de políticas culturais, jornalistas, artistas e trabalhadores de cultura, intelectuais e escritores), cujas vivências enriqueceram e enriquecem o esforço multidisciplinar desta pesquisa. Os dados primários para além da vivência relatada, é material que será obtido a partir de entrevistas semiestruturadas, questionários, e depoimentos, me valendo dos preceitos da História Oral. 

A pesquisa  mergulha de modo especial na História Oral, a História do tempo presente, onde a análise discutirá implicações diretas  frente a percepção do passado em continuidade com o hoje, considerando que o processo histórico não está acabado. Para além da consagrada e exclusiva linha tradicional adotada pela História  tradicional (documentação escrita e oficial), os relatos tem espaço com valor histórico, onde os depoimentos gravados se transformam em documento histórico a ser considerado para sequente análise.

Nesse sentido, destaco três modalidades que constituem metodologia adotada para as entrevistas, amplamente credenciada por Bom Meihy (1996): história oral de vida, história oral temática e tradição oral. Na história oral de vida o entrevistado vai dissertar livremente sobre sua experiência pessoal. Na história oral temática será estabelecido um assunto específico. Na tradição oral, o foco é a permanência dos mitos, a visão de mundo de comunidades que têm valores filtrados por estruturas mentais asseguradas em referências do passado remoto. Dentre as três modalidades, minha pesquisa centrará nas  duas primeiras, prevendo integração com outras fontes (confrontando com as fontes escritas, sua utilização multidisciplinar). É trazer à tona o indivíduo como sujeito da História, recompor histórias de vida, em especial daqueles indivíduos comumente “sem voz”. Desejo aprofundar a discussão através dos testemunhos, dos atores individuais e coletivos através do uso de uma documentação oral, da comunicação cultural, das novas formas narrativas, dos acervos audiovisuais e da memória, todos, como “construtores” da História.

O uso de entrevistas com diferentes informantes-chaves é uma forma de consolidar e confrontar os resultados obtidos nos dados secundários, bem como possibilitar a voz de modo especial aos gestores e agentes de cultura, captando seus discursos e avaliações. Somando-se a tal coleta, meus acúmulos de trabalho de investigação vivência no campo, enquanto pesquisada e pesquisadora. Serão realizadas entrevistas nas cidades brasileiras de São Gonçalo e Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro - Brasil, e na cidade de Mar del Plata, na Argentina. As entrevistas apresentarão um roteiro orientador aberto para oferecer uma linha geral, com flexibilidade para incluir novas questões, considerando as especificidades de cada uma das três cidades nos dois países (Brasil e Argentina). Serão apresentados questionários, dos quais a maioria poderá ser respondida por escrito pelos informantes, retornados por Internet (rede social, vídeos ou aplicativo de celular), e/ou pessoalmente.

O roteiro  de visitas ao campo empírico estarão associadas pelas leituras de textos da área de História, da História Social, das políticas públicas, das políticas culturais e gestão cultural, documentos oficiais de prefeituras, do governo estadual, do governo federal brasileiro, do governo federal argentino, e organismos internacionais, e ainda, postagens nas redes sociais. Como no investimento desenvolvido no Mestrado, a opção por um olhar multidisciplinar continua, considerando as áreas que interagem com o objeto que trata a pesquisa, percorrendo especialmente, a sociologia, antropologia, filosofia, comunicação, ciência política, e educação.

Como estratégia de valorização das entrevistas, além do esforço de encontros presencias nas três cidades (São Gonçalo, Petrópolis e Mar de Plata), desejo explorar  o recurso do audiovisual com a organização de uma série “web”, transformando as entrevistas em capítulos, em roteiro a ser construído no caminhar da própria dinâmica da pesquisa. A estratégia se conecta com as formas alternativas de comunicação que ganharam o mundo na recente década, onde as redes sociais/mídias  digitais, não podem ser minimizadas em seu grau de importância, legitimando um tanto mais, o conceito de Comunicação Cultural.  Ampliar as possibilidades de acesso do material da pesquisa através de canal do youtube, redes sociais, canais de televisão alternativos, além da publicação/postagem em periódicos digitais, observatórios de educação, história e cultura, blogs e ainda, a reprodução em CDs para distribuição, em forma de documentário, será etapa cuidadosamente produzida, como tarefa acadêmica em potencial. 

Enumero as tarefas para desenvolvimento da metodologia e possível detalhamento do estudo em capítulos, por etapas, com a seguinte proposta de quadro inicial:

1. Atualização do levantamento bibliográfico sobre políticas culturais no Brasil e História;
2. Ampliação do levantamento bibliográfico acerca da história e das políticas culturais da Argentina e História;
3. Leitura pontual da bibliografia levantada (artigos, livros, periódicos, revistas, jornais, outras publicações, sites, etc...);
4. Pesquisa em acervos documentais (planos, relatórios, legislações, orçamentos, atas, leis, etc...);
5. Entrevistas com dirigentes e analistas de cultura e de políticas culturais, atores sociais do campo cultural;
6. Elaboração de uma “Série web”, resultante das entrevistas;
7. Elaboração de texto a partir do aprofundamento e composição da análise ao longo dos dois anos iniciais que precedem a qualificação, com sugestão de subtemas para desenvolvimento da pesquisa.



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ANEXO  - Carta de Intenções

Há tempos me desdobro em acompanhar a atuação dos sujeitos sociais no campo das políticas culturais, identificando nesta atuação uma inegável participação social na construção e escrita da História recente. Percebo esses sujeitos sociais com uma trajetória comum, no campo das políticas culturais. Enfatizar a participação histórica de tantos anônimos atuantes na Cultura, contribuindo para dar voz a novos/outros protagonistas,  quase “coautores” desta pesquisa, me encoraja muito nesta tentativa do Doutorado.  Como aspirante a  doutoranda me coloco como interlocutora, testemunha e participante de um processo. A possibilidade do Doutorado implica no desejo acadêmico (e político) de dar continuidade a prática da ampliação dos conceitos de História Social no cotidiano Brasil, com temas que permanecem no meu círculo de atuação e de preocupação nas últimas duas décadas. A possibilidade que o Doutorado abre na ampliação das trocas acadêmicas entre Brasil e Argentina, é estimulo. Para atesto desta possibilidade de maior intercâmbio, acrescento a esta carta de intenções  o convite do Professor Argentino Luis Porta/Universidade Nacional de Mar del Plata (anexo extra).

Na soma dos “desejos” de cursar o Doutorado, destaco alguns  fatores após a conclusão do Mestrado, em 2009, até a presente data, pela contínua atuação profissional no campo da cultura, das políticas culturais, da história social, história cultural - fonte de estímulo  para o estudo aqui apresentado, com vias de  aprofundamento no Doutorado:

a.       A ampliação das possibilidades de investigação, após o mestrado em 2009, com acesso a publicações e participação em encontros nacionais e internacionais, culminando com intercâmbios acadêmicos na Argentina e México nos anos seguintes;
b.      Os últimos anos na direção da Comissão dos Gestores de Cultura no Estado Fluminense – COMCULTURA RJ, em ação coletiva com outros gestores agentes culturais, na coordenação do Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro (com onze anos de atividades contínuas até 2012, em parceria com o Departamento de Cultura da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, e Ministério da Cultura);
c.       A assessoria no gabinete da Deputada Heloneida Studart (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ), com aprimoramento de conhecimento sobre legislação cultural e trocas com a sociedade civil, que me referendaram  como delegada eleita pela sociedade civil nas três conferências nacionais de cultura;
d.      Atuação como professora substituta no ensino superior (FFP/UERJ e no POLO Rio das Ostras/UFF), e como pesquisadora selecionada pelo PROEX/Instituto Federal do Rio de Janeiro, no Grupo de Trabalho Diálogos Técnica e Arte: Reflexões e ações para educação Profissional e Tecnológica em Cultura,  onde as atividades acadêmicas sob o tripé do ensino, da pesquisa e extensão, foram importantíssimos;
e.       Ingresso na Rede Estadual Fluminense/Ensino Médio (Professora História e Filosofia), em bom exercício no magistério, com projeção de sequencia acadêmica para atuação no ensino superior;
f.       Retorno à gestão pública em 2014, atuando como pesquisadora no Setor de Políticas Culturais da Secretaria de Estado de Cultura do RJ (função extra - quadro), com duas atribuições decisivas que me estimularam para formulação desse projeto de tese: A coordenação do Sistema Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, e o exercício na Presidência  do Conselho Estadual de Política Cultural do Rio de Janeiro (primeiro ano do Biênio 2016 – 2018).

Os fatores aqui enumerados fecham um ciclo onde vislumbro ser inadiável o investimento no doutoramento no Programa de Pós-Graduação em História Social  (Área de Concentração em História Social do Território), da  FFP/UERJ.

Quero tentar compreender mais a localização e participação dos sujeitos sociais e suas atribuições no processo histórico, buscando identificar nesse processo o tempo das “primeiras vezes” na História da Cultura Brasileira - o que cabe ao Estado e à sociedade civil, decifrando os limites e as tensões, frente às tarefas que estão postas? Me  chega importante e fundamental aprofundar o estudo das redes de pertencimentos sociais, a “reconfiguração” dos mecanismos e instâncias de participação, as reivindicações e relações de poder estabelecidas entre a sociedade civil e o poder público.

A possibilidade de desenvolvimento acadêmico no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História Social da FFP/UERJ, além da  credencial para assumir papel docente no nível superior, é oportunidade de compreender  mais os  coletivos sociais, sua finalidade e auto-organização, sua reprodução social no tempo, estudando suas experiências de instalação, apurando os espaços de conflitos e trocas, interação e negociação presentes nos Conselhos de Cultura.

Pela proposta de análise aqui apresentada, minha investigação dialoga intimamente com a “Linha de Pesquisa Território, Identidades e Representações”, onde me proponho a transitar pelo Território Social (internacional, nacional, e local), com nítida abertura para a  micro história. Ao dedicar  está análise aos  personagens e grupos, aparentemente sem importância, suas histórias de vida e re-significações, seu espaço de atuação – Conselhos de Cultura, a pesquisa se propõe a percorrer “os movediços de caracterização de identidades políticas e culturais que informam a própria constituição das territorialidades sociais”, como descrito na identificação da Linha de Pesquisa Território, Identidades e Representações.

Estudar mais as relações do Estado com os grupos organizados institucionalmente, suas formas de identidade, demandas e contradições, mais do que nunca, ao final desse mês de outubro de 2018, é estratégico.  Com o Doutorado, se alargam as possibilidades de enxergar mais profundamente essa engrenagem, me disciplinando  mais no papel de pesquisadora. A parte o breve resumo de atuação profissional que fundamenta meu desejo de submissão no processo de seleção no Doutorado da UERJ, acrescento  uma motivação  de caráter pessoal e afetivo (não menos importante): o Programa de Pós-Graduação em História Social, é oferecido pela Faculdade de Formação de Professores/Unidade São Gonçalo. Ex-aluna do Curso de Estudos Sociais (1986), a FFP é a faculdade do início da minha vida acadêmica, inesquecível e querida na minha formação docente e cidadã.


Cleise Campos

São Gonçalo-RJ, 30 de Outubro – 2018






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Texto 4.


COMCULTURA RJ: 09 anos de Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura RJ


Dentre as ações de trabalho da Comissão Estadual dos Gestores de Cultura-COMCULTURA RJ, destaca-se o Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, realizado prioritariamente em parceria com UERJ/SR3 Decult, e a Fundação Casa de Rui Barbosa-MinC, como uma das principais atividades da COMCULTURA RJ, desde sua organização, em 2001.

O Seminário, com calendário quinzenal de aulas/conferências, voltada para formação de profissionais de cultura, mantém firme continuidade nos recentes nove anos, apresentando resultados marcantes nas cidades fluminenses, no tocante a elaboração e efetivação de políticas culturais, a partir da capacitação dos gestores que atuam na área cultural-educacional. O Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro (SPPPC RJ), criado em 2002, é resultado da iniciativa de um grupo de gestores públicos de cultura, instalado em variadas funções nas estruturas municipais (secretarias, fundações subsecretarias, diretorias, coordenações e assessorias de cultura), que buscavam caminhos de melhor desempenho na atuação, identificando entre as necessidades prioritárias, a sua própria capacitação – formação.

A presença de gestores culturais nas funções municipais é identificada na virada do milênio a partir de variados contextos: Alguns  tem convite direto dos prefeitos para atuar na cultura, outros são apresentados pela classe de artistas da cidade, outros pela distribuição partidária de cargos comissionados, outros pela trajetória pessoal nas artes e cultura, ou por apresentarem destacado papel nas agendas festivas da cidade ou nos calendários escolares. Há ainda aqueles da “sobra” das divisões administrativas, fruto dos acordos e composições políticas (muito constante nas cidades), sob  indicação de padrinhos políticos.  

Logo após encontro oficial de secretários municipais de cultura, convocado pelo governo estadual no início de 2001, e seu nulo resultado no tocante a encaminhamentos concretos, frustrando vários gestores (foi priorizada agenda de passeios turísticos - gastronômicos na cidade de Paraty), despertou-se a ideia de novos encontros.

Era o início das trocas entre os municípios, criando inusitadas condições de dialogo entre os agentes culturais. No mês de agosto, na cidade de Casimiro de Abreu, vários gestores se reúnem durante a I Jornada Fluminense de Cultura, retomando o debate iniciado em Paraty, sobre as primeiras metas conjuntas de ação, com calendário de encontros e principalmente, com a decisão de buscar alternativas de um possível curso de capacitação para o setor.

Novo encontro do grupo em outubro, na cidade de Búzios, é marcado. Um amplo convite para outros secretários e/ou titulares da área de cultura das demais cidades fluminenses, foi encaminhado pela direção provisória da Comissão, entre os representantes de 27 municípios reunidos em Casimiro de Abreu. A motivação de participação nos encontros teve resposta positiva entre os gestores. Em Búzios, durante três dias, reunidos com pauta especifica, é elaborado o primeiro documento da Comissão, e ainda um comunicado oficial a Secretaria de Estado de Cultura ( ela própria sem linhas definidas ou ações que fossem encaminhadas aos municípios fluminenses). Tomava forma e nome a rede dos gestores: Comissão Estadual dos Gestores Públicos de Cultura, a COMCULTURA RJ. A Carta de Búzios (este e demais documentos, na íntegra www.comcultura.com.br), e a proposta de um curso de capacitação para os gestores foi o resultado do encontro em Búzios.

Na ocasião, a Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, não dispunha de qualquer ação ou programa que objetivasse capacitação e formação de gestores de cultura e tampouco dispunha de orçamento em apoio a tal ação, até porque isto era papel da academia, e sobre as considerações da Carta de Búzios, não houve resposta ou desdobramentos. (Paulo Lisboa, empresário, ex-Presidente da Fundação Cultural de Petrópolis).

O grupo de gestores, oriundo de diferentes regiões do estado, apresentava cenário comum, com dificuldades e indagações no tocante à execução de políticas culturais: Desde a necessidade de presença de políticas de cultura e questões de organização e estrutura (espaço físico, equipe, orçamento, participação administrativa no corpo executivo), aos intercâmbios entre as cidades, tudo era debatido. Nas prefeituras, que em sua maioria absorviam o setor cultural no conjunto de outras unidades administrativas, principalmente na pasta da educação, tudo era novidade e o interesse pelo trabalho em rede iniciado pela Comissão de Gestores, era necessário e bem-vindo. Em 2001, dos 92 municípios do mapa estadual, apenas 14 secretarias municipais de cultura estavam organizadas administrativamente, e 09 fundações municipais de cultura. A rede se amplia e dos encontros, foi organizada a Comissão Estadual dos Gestores Públicos de Cultura – COMCULTURA RJ, que apresenta metas prioritárias de atuação, dentre elas a necessidade da formação e capacitação dos gestores, e ações integradas entre as cidades.

O grupo de gestores, já identificado como COMCULTURA RJ, se mantém coeso, atuando em paralelo às atividades nas suas próprias cidades e nos encaminhamentos em rede, criando inédita ação conjunta e parceira entre os municípios integrantes (trocas de circuitos artísticos, de informações, e intercâmbios), criando novo canal de comunicação entre os municípios do interior, a baixada metropolitana e grande Rio, que viviam marcante exclusão do cenário da capital e elas mesmas, as cidades, sem definições de políticas públicas de cultura norteadoras de ação, salvo algumas exceções. A proposta do curso permanece como prioridade das ações iniciais, culminando com agenda junto à Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, no final de 2001.

Em novembro de 2001, tem início positivo debate com a UERJ, através da Subreitoria de Extensão e Cultura - SR3, que acolhe afirmativamente a proposta de um curso, sendo imediatamente elaborado pelo Departamento de Cultura e um pequeno grupo de trabalho dos gestores de cultura. Tal elaboração leva a primeira sistematização do curso, surgindo em 2002, em parceira com a Universidade e os gestores de cultura, o SPPPC RJ. É o início de um programa de qualificação para os gestores de cultura dos municípios fluminenses, e ainda trabalhadores de cultura e técnicos de educação, visando contribuir criticamente para o desenvolvimento das políticas públicas na área da cultura no Estado.  (Paulo Bahiense, prof. de geografia, ex - Coordenador de Cultura da Fundação Municipal de Casimiro de Abreu, idealizador da proposta do Seminário junto a UERJ).

A presença de um “educador cultural” a frente da Subreitoria de Extensão e Cultura, Prof. André Lázaro, foi determinante para a concretização do Seminário, onde as portas da Universidade foram abertas, para se “pensar” e realizar aquela experiência, nova para academia e para os próprios gestores. Estes últimos sabiam o que não queriam: continuar sem capacitação e formação para atuação no setor.

A universidade do Estado do Rio de Janeiro caminha pela trilha da Extensão, em direção à sociedade da qual faz parte. Compreendo a importância da transformação do dia a dia, onde a universidade cumpre o seu papel: criar condições para que todo o conhecimento nela gerado saia do círculo acadêmico propriamente dito e seja integrado em todos os níveis sociais. Entendemos que a universidade não tem fronteiras. A arte está em todos nós: criar condições para que a beleza seja via de transformação do cotidiano sofrido e difícil de nosso povo é o propósito do Departamento Cultural e da Sub-reitoria de Extensão e Cultura. Entendendo isto, estaremos entendendo que a multiplicidade de aspectos com os quais lidamos no meio acadêmico deixará de ser um fechamento para se tornar a abertura nada fluida do quere saber. O Seminário com os gestores de cultura em nosso Estado, consolida esta vocação de nossa Universidade. (André Lazaro, professor, ex- Sub reitor de Extensão e Cultura UERJ  ).

Realizado inicialmente na UERJ Maracanã, entre março e dezembro, quinzenalmente, às segundas-feiras, sessões pela manhã e à tarde, o programa inicial em três vertentes temáticas foi aplicado através das palestras, materializando a idéia do Seminário em tempo recorde: Vertente I: Cultura e Política Cultural: o conceito de cultura; relações entre estado, sociedade e cultura; as políticas culturais no Brasil e no exterior; as leis de incentivo à produção cultural. Vertente II: Cultura e Linguagens: arte e culturas indígenas, africanas e europeias; folclore e cultura popular; música e artes cênicas; artes plásticas e visuais; literatura; a mídia; patrimônio cultural. Vertente III: Cultura e Gestão Cultural: administração da área de cultura; instituições culturais; espaços de cultura; tensões culturais e especificidades regionais; ética e cultura.

Numa divisão de trabalho inicial no ano de abertura do curso, em 2002, a UERJ pensava o seminário e apresentava oficialmente a maioria dos professores, palestrantes e convidados  para as aulas, bem como o espaço sede para a maior parte dos encontros. A COMCULTURA operava a logística e a produção geral, informando e mobilizando os gestores, suprindo as necessidades de produção básica para funcionamento das aulas, como a busca de outros parceiros, e a viabilização de apoio, principalmente com verba necessária para o funcionamento do Seminário. O DECULT não dispunha de recursos. Uma ação de “consórcio” entre as cidades e ainda, pequena participação da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, foi viabilizada pela COMCULTURA, e a soma das tarefas cumpridas garantiu o êxito daquele primeiro momento.

A parceria estabelecida entre a UERJ e a COMCULTURA, teve momento solene em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Estado, ocupando numa manha e tarde de setembro, dois espaços da cidade: Faculdade de Formação de Professores – FFP UERJ e a Galeria de Artes do ICBEU, com a presença do Subreitor de Extensão e Cultura - UERJ, Prof. André Lazaro, o prefeito da cidade, vários secretários de educação e cultura, trabalhadores e técnicos de cultura, professores da UERJ e convidados.

Durante o ano de 2002, o SPPPC RJ se consolidou como um fórum de discussões políticas culturais e lugar privilegiado de exercício do apuramento do olhar sobre as manifestações culturais em sua plena diversidade. Sobre a iniciativa, seria suficiente destacar a importância da produção cultural no desenvolvimento, em termos de ciência e tecnologia, do Estado do Rio de Janeiro, campo ainda pouco explorado pelos gestores, mas com infinitas possibilidades. Por um lado, a Universidade abriu-se para o estabelecimento de um vínculo permanente com este importante setor das políticas públicas; por outro, a COMCULTURA RJ mostrou-se atenta à necessidade de qualificação e aperfeiçoamento de seus integrantes. Nesse sentido, a proposta do Seminário atendeu a ambas as demandas. (Guilherme Lemos, coordenador do Seminário, UERJ SR3 Decult ).

A parceria instituída entre a UERJ e a COMCULTURA RJ, é fator determinante para a instalação da proposta e sua efetivação, nos anos seguintes: O Seminário teve em 2002 um total de 180 participantes de 50 dos 92 municípios do Rio de Janeiro e outros 20 integrantes, entre representantes da UERJ, de outras instituições públicas, privadas e alguns profissionais autônomos, além de ouvintes esporádicos. Teve em 2003 um total de 212 participantes de 51 dos 92 municípios do Rio de Janeiro e outros 20 integrantes. O número de participantes dos primeiros anos de trabalho do Seminário, representando várias cidades do estado fluminense, atestam o interesse pela proposta, e o que gerou de mudanças na condução da gestão, em várias cidades do estado.


Acredito que a oportunidade que se criou com a existência do Seminário, foi de extrema importância para minha função na prefeitura, na medida em que me transformei numa ponte de acesso a um mundo de informações em diversas áreas culturais para cidade. Por menor que tenha sido minha atuação como secretária, sinto gratificação pela oportunidade que todos os interessados na cultura de Vassouras tiveram ao longo da minha gestão e mudei meu foco de ação na gestão justamente a partir do Seminário e as trocas que ele promoveu entre as mais diferentes pessoas e cidades do estado. (Marta Fonseca, arqueóloga, ex - Secretária Municipal de Cultura – Vassouras).


As palestras, as aulas e contribuições de textos complementares presentes no Seminário, de variados locais (professores da UERJ, técnicos e intelectuais, trabalhadores de cultura), produzem resultado diversificado, criando uma forma não muito acadêmica para o curso, abrindo as portas da Universidade para outras experiências. Tal formato favorecia ao mesmo tempo, a presença do público alvo, os gestores de cultura (muitos ainda naquele primeiro momento, não tinham escolaridade mínima obrigatória que garantisse sua presença nos cursos padrão da academia). Era uma reflexão da diversidade de abordagens possíveis ao campo da cultura, uma novidade para todos os envolvidos. O livro Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro é a primeira publicação do Seminário, com tiragem de 1.500 exemplares e lançamento oficial no dia 24 de março de 2003, na Prefeitura Municipal de Vassouras, primeira sede da COMCULTURA RJ, durante a aula inaugural do ano.

O livro Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro ultrapassa a condição de documento, com textos reunidos e as questões abordadas e discutidas ao longo das aulas de 2002, que interessam a todos aqueles que se ligam ao campo cultural. Organizado em Comissões, o Seminário conta com a assessoria de uma Comissão Executiva, composta por docentes e servidores da UERJ e membros representantes da COMCULTURA RJ e uma Comissão Acadêmica, composta por professores da UERJ e uma pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, que se tornou parceira no decorrer do ano de 2003. O trabalho das comissões é discutido e refletido em encontros periódicos.

Durante o ano de 2003, o SPPPC RJ teve um desenvolvimento semelhante ao ano anterior, sendo elaborada uma nova vertente temática para atender à necessidade da elaboração de um banco de dados centralizado na UERJ, objetivando a disponibilização de informações sobre as ações e equipamentos culturais entre os municípios. As vertentes passaram a se denominar módulos, adotando estrutura mais aberta e flexível, dando conta da abordagem de cada um deles, tanto nas conferências e comunicações, quanto debates, estudos de caso, relatos de vivências e desenvolvimento de pesquisas, atendendo às demandas de produzir conhecimento específico e trocas de experiências na área de gestão pública de cultura.


No Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura, fui ajudada em todos os aspectos na minha atuação como Secretária de Cultura.  A obtenção de mais conhecimento e a minha compreensão clara de que o setor cultural é um segmento prioritário da administração pública, constituindo-se também num setor de importância estratégica para o desenvolvimento da nação, foi um olhar que adquiri participando ali, dos debates e dos outros espaços que o Seminário abria. De posse dessa consciência fui levada a praticar ações de estruturação do setor de forma abrangente e democrática.  Mudando até meu comportamento em relação à importância dos coletivos. (Maria Amélia Curvello, artista plástica, ex - Secretária Municipal de Cultura de Friburgo – RJ).



A variedade de abordagens e a diversidade das estratégias e recursos de explanação (projeção de slides e vídeos, audição de CDs, apresentações de dança, dinâmicas de leitura de textos, entre outras), possibilitaram que o arco de demandas e expectativas dos participantes fosse atendido. As palestras resultavam em debates a partir da explicitação de dúvidas e questionamentos.

O público das primeiras turmas era diversificado: artistas das variadas linguagens de expressão, professores, animadores culturais, produtores culturais, bibliotecários, empresários e mesmo funcionários públicos, profissionais de outras áreas (como administradores ou advogados), e ainda políticos que ocupavam os cargos destinados à pasta da cultura. No decorrer dos anos seguintes e a linha adotada no Seminário, a composição da turma apresenta formação mais homogênea, com a presença predominante de perfil mais cultural, dos participantes.

Eu me interessei pelo Seminário pelo fato ser gratuito e tendo a UERJ como parceira. Era uma forma de aprender o gerenciamento da cultura, sem amadorismo. Estar lá mudou a minha articulação. Percebi que poderia me organizar melhor contando com o apoio e parceria de outras instituições, entidades, autarquias, através da aproximação com outros gestores e autoridades diversas, que até então, eram personalidades muito distantes. Eu abri portas. (Ivan Cid, músico, ex- presidente da Fundação Cultural da Prefeitura de Itaboraí/RJ).


Um momento especial para o Seminário foi a participação dos alunos e de alguns integrantes das comissões acadêmica e executiva no Seminário Cultura para Todos, promovido pelo Ministério da Cultura na UERJ, em setembro de 2003: o informe do que acontecia no estado para todo Brasil, por iniciativa dos gestores de cultura, efetivando tal parceria com a UERJ, foi amplamente divulgado, trazendo visibilidade ímpar para o trabalho desenvolvido, gerando maior e mais fácil transito entre novos convidados palestrantes, e novos caminhos de parcerias para ação.

No ano de 2004 o Seminário, além de dar continuidade à sistemática vivenciada, acrescentou à programação, mesas redondas onde os próprios participantes expunham e debatiam as políticas públicas por eles praticadas. Além de salientar a diversidade das práticas, sinalizaram as lacunas na qualificação dos gestores participantes: ausência de conhecimentos específicos nas áreas da gestão, dificuldade na elaboração de projetos, ausência de captação de recursos e técnicas de planejamento, desconhecimento da legislação cultural, entre outras. Essas lacunas passam a ser discutidas através de aulas ainda mais direcionadas, com debates tanto de experiências de políticas bem sucedidas como os casos contrários, com ênfase nas gestões municipais.                       

Na minha formação acadêmica e mesmo na atuação como gestora cultural na prefeitura da cidade, a participação no Seminário foi um  incentivo para buscar novos conhecimentos e articulações, como o investimento numa pós graduação  e novas experimentações no campo das  artes visuais, atuando nas artes plásticas. Participar do Seminário me movimentou. (Ana Sobral,  artista plástica e arte educadora, Ex-Superintendente  Municipal de Artes Plásticas - FASG,  Prefeitura de São Gonçalo-RJ)


Em 2004 (ano eleitoral nos municípios), o Seminário teve 121 participantes de 31 municípios. Em 2005, foram 149 inscritos de 35 municípios. Em 2006, foram 230 inscritos de 32 municípios fluminenses e 2 mineiros. Embora o número de municípios participantes tenha diminuído o número de secretários municipais aumentou significativamente, trazendo melhora qualitativa aos debates e conseqüentemente, no retorno às cidades, os titulares das pastas passam a adotar novas ações em suas gestões. O número de cidades presentes nestes anos, variando entre 30 a 35 cidades, faz referencia à soma de secretarias e fundações municipais de cultura distribuídas pelo estado existentes, onde se destaca o interesse dos titulares das respectivas pastas, no processo de capacitação e debate propostos pelo seminário.

A partir de 2005, o total de aulas foi dividido entre os parceiros realizadores, na distribuição de convites para os palestrantes-convidados para as mesas redondas (práticas de políticas públicas, conferências sobre as modificações nas políticas públicas de cultura, patrimônio material e imaterial, debates com membros da COMCULTURA RJ, e aulas que atinjam diretamente as necessidades de qualificação dos gestores). Também neste ano, representantes da COMCULTURA RJ, passam a compor a Comissão Acadêmica, interagindo ainda mais nas decisões conceituais do Seminário, além do papel protagonista de produção e logística desempenhado deste o primeiro ano. Neste aspecto, são sensíveis as mudanças de relação entre a academia e os gestores, uma vez que ao longo dos primeiros anos de ação conjunta, os papeis de atuação dos atores envolvidos, doutores e mestres da academia e os arte - educadores, artistas e trabalhadores de cultura da COMCULTURA RJ, tinham profunda distinção, evidenciado na separação das “tarefas” desempenhadas por um e outro, representando as lacunas existentes entre os dois lados, o distanciamento da teoria e da prática, dos saberes  convencionais e os saberes informais.

Ainda em 2005, o Seminário efetiva convênio de Cooperação Técnica com a Fundação Casa de Rui Barbosa, mais especificamente com o Setor de Políticas Culturais, com destaque da presença da pesquisadora e historiadora Lia Calabre, promovendo novo impulso ao projeto, abrindo espaço para a formulação de linhas de pesquisa e ponte para a vinda de nomes do cenário nacional das políticas de cultura, dentre outros intelectuais e pesquisadores. O Seminário passa a priorizar uma programação focada nas políticas de cultura, firmando-se como uma experiência que atrai o olhar de outros estados da federação,  atraindo gestores, trabalhadores  e agentes de cultura.                      

As mesas sobre experiências municipais são aprimoradas: o relato dos gestores, trazendo não apenas as informações e histórico das cidades é também um balizador para o próprio Seminário, detectando carências e necessidades deste ou daquele investimento no campo do saber e das trocas possíveis. A Comissão acadêmica é ampliada, com participação de representante da Chefia da Representação Regional do MinC, e reformulada, com olhar mais atento e afinado às questões das políticas culturais, contando com a participação de profissionais ligados à área da cultura, de origens diversas: política, história, literatura, geografia da cultura e educação, redefinindo ainda seus módulos em: Módulo I Cultura e Política cultural (estado e cultura: panorama contemporâneo; política cultural: conceito e histórico; as políticas culturais no Brasil e no exterior; legislação cultural), Módulo II Gestão cultural (planejamento e ação, administração de instituições culturais, gerência de atividades culturais, gestão de patrimônio, elaboração e avaliação de projetos culturais, tensões culturais e especificidades regionais, economia da cultura), Módulo III Produção, comunicação e marketing (marketing cultural, pesquisa de mercado, turismo cultural, consumo cultural), Módulo IV Experiências Municipais (especificidades municipais e práticas administrativas culturais).

Dois fatos em 2005 ampliam os trabalhos desenvolvidos no Seminário: a assinatura de convênio entre o Ministério da Educação, através da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD e a COMCULTURA RJ, obtendo financiamento para suas ações, com verba para palestras e publicações. Essas publicações colocam em dia os resultados de 2003 a 2006, em dois volumes com o selo Editorial Casa de Rui Barbosa, numa organização conjunta de pesquisadores que representam a Casa de Rui Barbosa, a UERJ SR3 e a COMCULTURA RJ. Por ocasião do convênio com o Ministério Educação, a COMCULTURA RJ, formaliza-se enquanto entidade, registrando Estatutos e demais documentos pertinentes à condição de pessoa jurídica, estabelecendo-se como uma associação cultural, sem fins lucrativos, com direção coletiva e linha de atuação pautada em suas metas de organização original: uma experiência de gestão compartilhada, envolvendo vários diretores, distribuídos pelas cidades do Estado.

O outro fato é a presença do Seminário, já legitimado como um fórum permanente de debate e espaço de pensamento da cultura no estado, no processo de efetivação das conferencias municipais, intermunicipal e estadual de cultura, como palco de aglutinação entre os parceiros da ação, UERJ, a Fundação Casa de Rui Barbosa e a Representação Regional RJ e ES do Ministério da Cultura, resultando na organização da delegação do estado do RJ, para I Conferência Nacional de Cultura, em dezembro de 2005, envolvendo representantes de municípios, do estado, da UERJ e sociedade civil organizada.
Participei de quase todos os Seminários, desde seu início, e depois fiz outros cursos na área. O desenvolvimento da malha institucional da cultura no município de Casimiro de Abreu se deve muito ao fato de ter ido buscar capacitação e ter podido proporcionar a outras pessoas do quadro funcional a mesma oportunidade. Mudou meu olhar, mudou a percepção sobre a cultura local, mudou a forma de gerir. A riqueza dos intercâmbios entre os gestores e os municípios, o conhecimento das realidades de cada localidade, das expressões culturais próprias de cada município ou região, era muito importante e uma novidade. E ainda, a auto estima de muitos de nós, gestores, que aprendemos a olhar para a academia e nos sentirmos donos e participantes dela, passamos a conversar com o Estado e o Ministério da Cultura de igual para igual, e não como pedintes. Isto foi muito bacana para o crescimento social e cidadão de muitas pessoas. (Sônia Cardoso, pedagoga, ex - Presidente da Fundação Municipal de Cultura de Casimiro de Abreu – RJ).


Durante os anos seguintes, de 2006, 2007 e 2008, a cultura se estabelece como nova prática no mapa fluminense,  especialmente para o interior e área metropolitana, no tocante à construção de políticas públicas de cultura, onde a continuidade do SPPPC RJ, se firma como espaço de reflexão e debate das políticas culturais, sendo possível localizar as alterações positivas nas estruturas municipais, na elaboração e formulação das políticas culturais locais, através da organização de secretarias ou gerências mais específicas para a cultura, investimento em equipes técnicas, melhoria nos aparelhos de cultura, organização de concursos públicos (inéditos para o setor), na implantação de planos e conselhos municipais de cultura, bem como leis de incentivo e legislação mais detalhadas para cultura. Assim, considerando o tempo de existência do SPPPC RJ e o quadro anterior dos municípios, antes de sua realização, identificam-se marcantes alterações no cenário cultural, em função da capacitação e formação dos gestores de cultura e ainda, agentes culturais de variadas instituições culturais.

 Na ligação estabelecida entre gestores e trabalhadores de cultura e a academia / UERJ,  através do SPPPC RJ,  uma nova relação começou a se construída ao longo dos anos, considerando as mudanças sentidas, percebidas. No primeiro ano, quando da implantação de Seminário, um fato pode ser destacado: Um Secretário Municipal de Cultura (famoso animador cultural de sua região, ligado as culturas populares ), responsável pelo setor cultural com exímia e criativa destreza, durantes anos e anos em cidade do interior fluminense, não possuía o curso primário completo ( uma das etapas do atual  ensino fundamental), no seu currículo escolar.

Apresentando seu nome como participante do curso, teve sua inscrição negada por um dos doutores integrantes da Comissão Acadêmica, em função da “ baixa escolaridade” registrada em sua ficha. Depois de inúmeras conversas e reflexões sobre o “espaço e a localização” da cultura na academia, sobre  as exigências possíveis para estabelecer esta ou aquela condição de acesso ao curso, e ainda, quais arranjos deveriam ser propostos e efetivados para que o SPPPC RJ atendesse  seu público alvo (inicialmente gestores e agentes culturais em funções municipais, com ou sem qualquer diplomação acadêmica, desde o ensino fundamental, à títulos de pós-graduação), a inscrição do Secretário Municipal de Cultura, sem ter cursado a antiga quarta série primária, foi aceita.

Nos anos seguintes, a presença de  gestores culturais na Comissão Acadêmica, e mesmo a presença de tais gestores nas definições do curso (além da logística de produção e divulgação), registra as novas relações que foram sendo construídas, com diálogos e aberturas inéditas na e da academia, nos seus ritos e normas internos. Tal cenário abre reflexão pertinente: Qual lugar da cultura, dentro da academia? Quais os ajustes oficiais e nas nomenclaturas dos cursos, para situar, nominar e ou mesmo classificar os cursos/especializações/seminários e outras iniciativas que tratam da formação de gestores culturais, numa seqüência dos recentes anos onde a função de gestor cultural, é uma realidade?

Reconhecendo a necessidade da capacitação e ainda o aprimoramento pessoal para melhor desempenho profissional no campo da cultura, vários trabalhadores culturais estabelecem novas metas individuais de aprendizado e formação continuada, a partir de sua presença no SPPPC RJ. Constatando sensíveis  mudanças no quadro geral de várias cidades,  onde cultura & educação & formação, se interligam e se completam, o processo que originou o seminário e seus desdobramentos, continua ao longo destes quase dez anos, com resultados positivos.

Em 2009, o SPPPC RJ, é inserido como meta de trabalho e ação do Pontão Rede Fluminense de Cultura, com foco na capacitação e gestão, priorizando o fortalecimento do Seminário, a atualização das publicações (registros das palestras do calendário anual do Seminário), além das outras ações (encontros regionais de cultura, produção de documentário da cultura fluminense, oficinas temáticas e estímulo a integração dos Pontos de Culturas, em rede), selando mais uma parceria fundamental para a continuidade dos trabalhos desenvolvidos pela rede de gestores. O Ministério da Cultura, ainda que parceiro constante e vigoroso desde os primeiros anos de atividades, principalmente através da Representação Regional RJ e ES e a Fundação Casa de Rui Barbosa, formaliza apoio através de convênio firmado entre a Secretaria de Cultura e Cidadania-SCC, a COMCULTURA, possibilitando aporte financeiro fundamental para manutenção e viabilidade das ações, uma vez que boa parte dos gestores fundadores das ações, ainda atuantes na pauta cultural, não dispõem das estruturas municipais como apoio base, ajustando as tarefas voluntárias na comissão dos gestores, com seus próprios cotidianos de trabalho, movimentações e atividades culturais.

A ampliação da presença do Ministério da Cultura em 2009, é de suma importância, não apenas pela promoção de financiamento através do convênio firmado, mas pela integração que se estabelece entre a COMCULTURA e o Programa Cultura Viva, onde a ação do trabalho em rede e gestão compartilhada, que alimenta e fomenta o trabalho em seu conjunto como um todo, gera uma “consolidação e concretude de ideias” que  perpassam as etapas-conceito de sustentabilidade e materialidade.

Identificar as realidades locais, e descobrir mecanismos viáveis de adoção de práticas e atitudes que resultem em ações concretas nos processos determinantes para o desenvolvimento, tem sido elo singular entre a COMCULTURA, o Ministério da Cultura, a UERJ, municípios fluminenses, e os demais parceiros onde a cultura se apresenta como  fundamental função-estratégica no mapa das cidades: O primeiro local da cultura. Com mecanismos informais, cheios de “experimentos” viabilizando o que antes era utópico, a proposta do SPPPC RJ se efetivou como realidade, com envergadura e formato de programa, mantendo cruzamentos e pontos de uma cultura em movimento, pulsante, promissora, onde as palavras chaves: Parcerias, trocas, somas, tentativas, processos, intercâmbios, protagonismo, e desenvolvimento, se fundem.

Nos últimos três, dois anos, as tantas mudanças  no contexto das políticas culturais no Brasil e estados, a partir da nova pauta de ação do Ministério da Cultura, atendendo uma a uma, as considerações e metas de trabalho da então rede de gestores criada em 2001, demarca um divisor de águas: A realidade que motivou e estimulou o trabalho proposto pela COMCULTURA, no início da década,  em especial o debate em torno das políticas culturais, foi superada em sua totalidade, trazendo com isto uma reavaliação dos trabalhos a serem impulsionados, daqui para frente. 

Após as conferencias municipais, intermunicipais e estaduais de cultura em 2009, e ainda, a recentíssima segunda conferencia nacional de cultura (março do corrente), que apontam de modo unânime  a organização e adaptação das cidades ao Sistema Nacional de Cultura, o investimento na formação dos gestores e trabalhadores de cultura, e ainda o olhar mais focado e dirigido para o local ( do micro para o macro), a continuação do SPPPC se apresenta como uma das únicas tarefas da COMCULTURA no estado fluminense, com maior e mais estreita ligação com as propostas similares em andamento pelo Ministério da Cultura, no tocante a capacitação de gestores culturais: A capacitação para atuar na gestão cultural, mais do que nunca, é uma necessidade  em função da ampliação da  pauta cultural em todo pais, num circuito que exige condição técnica cada vez melhor e mais preparada, associando cultura e desenvolvimento, começando especial e prioritariamente, pelas cidades.


Cleise Campos

Outubro de 2010-Mar Del Plata/Argentina



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Texto 3.

História, cultura e gestão: do MEC ao MinC



A cultura é ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se apresentam de forma cifrada, portanto, já com um significado e uma apreciação valorativa. Um relato de viagem, por exemplo, explora tais vetores: relatos culturais e históricos. Os contextos social, cultural e político de viagens fazem de cada narrativa uma memória diferenciada, um olhar diferente da e na história, do mesmo lugar.

A aceitabilidade do “sentido da história” (a construção de um edifício racional- mente sustentável no qual realidade e imagem, dados e representação, origem e destino, objetivo e meta, base empírica e narrativa façam sentido) é uma questão cultural, que considera um dos tempos da história, o passado, de onde a memória se estabelece e se constitui. A história como totalidade do mundo dos homens e das mulheres, abrangendo o passado, o presente e o futuro, surge então como síntese entre experiências e expectativas, aprendizados. Mudou o foco: não é mais a “providência divina” que estabelece o caminhar da história e sua construção futura, não são apenas os “mandantes reis e governantes” que fazem e escrevem a história. O termo “sentido” nem sempre foi utilizado, mas sim a referência a seus atributos essenciais.

 “Cultura”, com todo o seu arsenal simbólico e imaginário, passou a ser relaciona- da a uma totalidade histórica antes desprezada: como se formaram os mecanismos de dominação e de exploração entre os homens? Como esses mecanismos (ao nível do cultural) se confrontam, se difundem e se perpetuam? Assim, os símbolos, as imagens, as mentalidades, as práticas culturais foram considera- das como lugares de exercícios de poder, de dominação e de conflitos sociais. Ainda que esse retorno ao histórico cultural traga um sintoma de cansaço por uma história saturada de estruturas, hierarquias, modos de produção, sistemas, subsistemas, modelos – enfim, da “história como um processo sem sujeito” (Eric Hobsbawm), como o operário da fábrica, a mulher pobre, os vadios, as prostitutas, as feiticeiras, o escravo urbano, os marginais sociais, os perseguidos religiosos e sexuais, a venda da alma, camponeses encalacrados em processos, escritores e artistas obscuros, os massacres étnicos, personagens e fatos de uma história em que a cultura das sociedades, das pessoas, era excluída, por isso mesmo não se deve perder tal memória, refletindo sobre o sentido da história e, ainda, associá- la à razão.

Eis, então, o casamento fundamental da história com a cultura se alimentando, se constituindo: a memória como substancial instrumento de senti- do, que assume a forma fascinante das construções culturais, da própria história, das identidades; é a história cultural.

Estará a memória histórica com seu potencial de sentido em contradição com uma expectativa de futuro carregada de sentido que fosse além do factual presente. A história como totalidade do mundo das pessoas, abrangendo o passado, o presente e o futuro, surge então como síntese entre experiência e expectativa. O futuro se perfila nos impulsos normativos da práxis atual da vida concreta, que se nutre da experiência da vida passada e de sua força transformadora. (MARTINS, 2002)

Se memória é matéria-elemento crucial do que se chama comumente de identidade, cuja busca é uma das atividades fundamentais das pessoas, e daí vive- se a “história cultural”, se a cultura, segundo Marta Fonseca (ex-secretária municipal de Cultura de Vassouras/RJ, fundadora e diretora da Comcultura RJ), está presente desde quando o homem lascou a primeira pedra para caçar, ou rolou o primeiro graveto para fazer fogo, onde não haviam [sic] nem gestores, nem observadores, há um processo natural de evolução e sobrevivência que independe da consciência e/ou das intervenções de resgate de passado. Precisamos muito é que os grupos sociais (aparentemente virgens culturalmente) comecem a ter sentido de autoestima, de identidade, que sejam protagonistas e inventem a cultura.
Como se pode ensaiar saltos qualificados para o futuro mesmo com o presente sendo construído no passo a passo do inédito, pensando a cultura e sua funcionalidade, organicidade, sem muitos acúmulos de passado sequencial, na linha prevista de presente e futuro? Salvo algumas experiências no século XX, como na cidade de São Paulo na dé- cada de 1930, quando da organização do Departamento de Cultura com Mário de Andrade à frente, que trouxe os primeiros conceitos de gestão cultural para contribuir no panorama nacional para além das fronteiras paulistanas com práticas e ideários inovadores, na citação de Albino Rubin:

Mário de Andrade apresentou metas para estabelecer uma intervenção estatal sistemática abrangendo diferentes áreas da cultura, pensando a cultura como algo “tão vital como o pão”, propôs uma definição ampla de cultura, extrapolando as belas artes, considerando por  exemplo as culturas populares, assumiu o patrimônio não só como material, possuído pelas elites, mas também como algo imaterial e pertinente aos diferentes estratos da sociedade, dentre outras metas à frente da pasta de cultura na prefeitura de São Paulo.

E também no Ministério da Educação e da Saúde, gestão Gustavo Capanema (1934-1945), que contou com a colaboração de artistas e intelectuais, como Carlos Drummond de Andrade, Candido Portinari e Oscar Niemeyer, na formulação da política cultural em meio à ditadura Vargas.É dessa época a criação e organização de várias estruturas nacionais: Superintendência Nacional de Cinema Educativo, Serviço de Radiodifusão Educativa, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Serviço Nacional do Teatro, Instituto Nacional do Livro, Campanha Nacional do Folclore e Conselho Nacional de Cultura. Tal período é marcado pelo paradoxo de pensar e elaborar políticas culturais em pleno regime autoritário, situação que deixa traços substantivos ao longo da história das políticas culturais, abrindo lacunas e vácuos  durantes décadas em que a inexistência de políticas culturais definidoras para estados e municípios excluiu o restante do país de qualquer debate, marcando ainda de modo antagônico as práticas autoritárias vigentes do Estado com políticas culturais. As cidades, células primeiras de qualquer ação administrativa na elaboração de políticas, foram as que mais sofreram com esse distanciamento ao longo da história cultural brasileira, pois, ainda que vários organismos e estruturas tenham sido originados nesse período, sua abrangência e execução geográfica social foram limitadas a pequeno eixo do mapa do país.

Logo após a era Vargas, o período democrático que data de 1945 a 1964, anterior à ditadura militar, traz poucos ou mesmo negativos resultados das intervenções do Estado brasileiro (exceto o Sphan e mesmo a criação do Ministério da Educação e da Cultura, em 1953) no tocante às políticas culturais, mantendo ainda pontual distanciamento das cidades e estados da federação. Na ditadura, a cultura e suas variadas linguagens artísticas sofreram direta  censura e ainda, de modo pragmático, do dirigismo para que a cultura fosse instrumento aliado do regime imposto. Nesse aspecto, figura o papel do Conselho Federal de Cultura, criado em 1966, pelo qual o regime militar estimula ainda a criação de conselhos e secretarias estaduais de Cultura, numa correspondência direta com o regime e seus programas, formato e composição (a existência de tais conselhos com modelo desse período ainda é realidade em vários estados).

No fim da década seguinte, de 1976 a 1979, com o início da diminuição da violência do regime e suas derrotas nas eleições legislativas, algumas iniciativas e mesmo ações começam a ser identificadas na pauta cultural, ainda que embasadas na linha dos interesses da ditadura: pela primeira vez o país tem um Plano Nacional de Cultura, e importantes instituições são criadas: Funarte, Conselho Nacional de Cinema, Radiobras e Fundação Pró-Memória. Destaque-se a criativa e operosa presença de Aloísio Magalhães e sua rápida passagem pelo setor cultural do MEC: a curta gestão, abreviada pela morte prematura do gestor, foi facilitada por seu dinamismo e relações com alguns militares, dando conta de renovar e criar organismos na estrutura administrativa e preparando a casa para a instalação do futuro Ministério da Cultura, com a criação do Centro de Referência Cultural, do Iphan e da Secretaria Nacional de Cultura do MEC, em 1981.É de Aloísio a seguinte fala sobre política cultural comparada com a figura-símbolo do estilingue/bodoque:

Devemos pensar no cotidiano de nosso desenvolvimento humano e cultural, histórico e social, visualizando o movimento do bodoque, fazendo deste movimento uma atitude constante: é preciso recuar no passado, pressionando as tiras de borracha para trás, dando-lhe pressão e força suficiente para o arremesso em direção ao futuro, mirando um alvo no futuro. Quanto mais nos afastamos do presente em nossa valorização cultural, mais longe chegaremos no futuro, ou seja, o conhecimento crítico do passado como elemento fundamental para qualquer projeto ou programa durável no futuro.

Essa atitude envolve os três tempos da história, de nossa própria vida: o passado, o presente e o futuro. É tratar passado e presente com peso similar e de fundamental importância para a construção da história e da memória, proporcionando alimento e energia para a efetivação de identidades e raízes. O que foi acumulado de passado na história das políticas culturais do país deve ser alvo de estudo, aprendizado, absorção do que é positivo e importante, não dispensando memória e identidade.
Permanecendo nesse breve tempo da história cultural brasileira, volto os olhos para décadas mais recentes que datam do fim do século XX, em pleno pro- cesso de redemocratização do país (1985 a 1994), quando é criado o Ministério da Cultura, com o fim do regime militar. O pós-ditadura não garante tempos dos mais auspiciosos para as políticas culturais: são dez ministros no espaço de dez anos, ausência de política estatal em benefício dos interesses do mercado, quando se instala no Brasil a chamada Lei de Incentivo à Cultura (Lei Sarney), deixando nas mãos da iniciativa privada (e mesmo de algumas estatais) a de- cisão final do que deve ser incentivado e financiado, afunilando de modo drás- tico as agendas da verba pública sob renúncia fiscal nas produções de cultura no eixo Rio-São Paulo, quase sempre nas mãos dos mesmos beneficiados. As poucas boas notícias passam despercebidas durante esse processo, como a criação de alguns organismos, como, por exemplo, a Fundação Palmares. Ampliando o poder de fogo da lei de incentivo, os dois governos seguintes acentuam a prática: duas reformas e mudança de nome para Lei Rouanet (segundo secretário da gestão Collor, responsável pelo desmonte das estruturas do órgão e do próprio ministério, rebaixado à condição de secretaria), mantendo os interesses do mercado acima de qualquer política possível, em que o Estado se mantinha propositadamente ausente.

É nesse período que surge a presença do produtor cultural, atuando nas frentes de captação de recursos, do realizador e promotor de eventos, do festeiro de mega-agendas e produções e, ainda, do agenciador de cultura. Como se a instabilidade de titulares na pasta não bastasse para o insucesso do ministério, a mudança na gestão Fernando Henrique não simboliza avanço ou mudança na linha política adotada: Francisco Weffort permanece durante oito anos e o “marco” dessa quase uma década à frente da cultura nacional é a publicação de luxuoso livro pelo ministério, intitulado Cultura É um Bom Negócio, celebrando as leis de incentivos fiscais e endossando a prática iniciada no fim da ditadura: o mercado dita as regras, o governo libera o dinheiro sob renúncia fiscal, e os amigos do rei são beneficiados. O recorte – cópia de tal linha em algumas capitais e estados – é o que se pode destacar de “modelo de políticas culturais“ nos anos finais do século XX. Considerando a passagem do autoritarismo para a democracia, fica evidente que não basta estabelecer como parâmetro a condição republicana de governo, mas sim a linha administrativa cultural adotada. Na gestão de Luiza Erundina em São Paulo (1989-1992), sob a batuta da secretária municipal Marilena Chauí, registram-se medidas para a pasta intituladas “Cidadania Cultural, o Direito à Cultura“, em que a cultura é base fundamental de desenvolvimento e democracia. No pacote em questão, a secretária aponta as políticas culturais para a maior cidade do país:

com uma definição de cultura alargada de elaboração coletiva pelo prisma democrático com direitos iguais para todos os cidadãos, sem privilégios ou exclusões; com definição dos sujeitos sociais  como sujeitos históricos, articulando o trabalho cultural e o trabalho da memória social, combatendo em particular a memória social una, in- divisa, linear, e como afirmação das contradições, das lutas e dos conflitos que constituem a história de uma sociedade; garantindo com esta linha de ação proposta o direito de produzir cultura, seja pela apropriação dos meios culturais existentes, seja pela invenção de no- vos significados culturais; direito de participar das decisões quanto ao fazer cultural; direito de usufruir dos bens da cultura com condições de acesso e uso; direito à informação sobre os serviços culturais; direito à formação artística e cultural gratuita; direito a espaços para reflexão, debate e críticas, direito à informação e à comunicação.

Ou seja: linha oposta àquela traçada pela cultura nacional vigente.

A pequena síntese pontuando ações de governo (ainda que participações so- ciais e de movimentos estudantis, populares, artísticos e intelectuais tenham deixado registros importantes) das décadas que antecedem o século XXI explicita o cenário das políticas culturais no Brasil, deixando em grande parte evidente a ausência de políticas nos estados e cidades, trazendo um gosto de “novo” experimentado pela maioria desses estados e cidades atualmente vivendo seu tempo de inaugurações. Nesse aspecto, o governo federal inaugura na gestãoLula um marco divisor na história brasileira, com a presença do ministro Gilberto Gil trazendo para os estados e cidades demanda inédita de trabalho: os encontros nacionais, os editais, os vários programas de cultura viabilizando frentes de trabalho nas linguagens artísticas, os debates regionais e seminários, a Conferência Nacional de Cultura, a implantação do Plano Nacional de Cultura e, por fim, as múltiplas ações do MinC, entre parcerias e medidas transversais com traços de participação e cooperação singular de vários atores sociais, sociedade civil e demais membros da União, estados e municípios, numa gestão democrática da cultura, que impõe novo comportamento ao país.

Aqui destaco um dos passos cruciais para que tal cenário seja acompanhado afirmativamente na proposição de políticas culturais nos estados e cidades e para que saltos de projeção futura sejam possíveis: a qualificação de gestores para a área (numa condição também inédita e virgem), que se apresenta como urgente necessidade para a garantia de tal processo. Sem gente apta para atuar na gestão, a própria política cultural fica comprometida. Pode-se pensar neste tempo presente, envolvendo o mapa do país numa abrangência nacional, como um tempo de inaugurações da cultura: formas e metas definidas, estruturas e diretrizes, orçamentos garantidos, gente qualificada para seu exercício, amplia- ção das políticas para além dos eventos ou pontuais e esporádicas produções. E onde se qualificam e capacitam os gestores de cultura?

Boas experiências no Brasil já são reconhecidas em anos recentes, como, por exemplo, o Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia, com o Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult); o Programa de Pós-graduação em Comunicação da PUC Minas (MG); o curso de Especialização em Gestão Cultural na Universidade Federal de Cuiabá (MT); o Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro (MinC/Uerj/SEC RJ/ Comcultura RJ), o curso de Pós-graduação em História Cultural da UFGRS, e ainda interessantes fontes de pesquisa nos observatórios: Itaú Cultural (São Paulo/SP),  Diversidade  Cultural  (Belo  Horizonte/MG)  e  Políticas  Culturais em Revista (Salvador/BH).

Olhando para o século anterior, que traz registros da história cultural brasileira, enxerga-se quase um desconhecido de tão distante, como uma visita ao estrangeiro, tamanha ausência de memória em nossos estados e cidades. A figura do gestor cultural segue sendo inventada em meio a solidões: falta a ele material-base para estudos, pesquisas, aprofundamento, referências, sustentabilidade funcional, econômica e política; falta melhorar e aprimorar as negociações em torno das políticas culturais junto aos chefes do Executivo, que mantêm a rubrica da cultura na lanterninha das prioridades orçamentárias, e ainda a difícil relação juntos às casas legislativas, onde a cultura não tem valor como moeda de troca nos encaminhamentos das “ordens do dia”; falta a própria sociedade e categorias específicas de arte e cultura se apodera- rem desse tempo de inaugurações, participando dos organismos de classe e das representações coletivas. Eis algumas urgências que se apresentam para a capacitação em gestão na área.

As considerações de Lygia Segalla registram o tom que aflige, ainda, o quadro presente:

Como pensar uma política de cultura escapando dos termos que muitas vezes balizam esse debate: a valorização nostálgica de um tempo perdido ou a sua promoção entusiasmada como bem de consumo, celebração do mercado, arte turística? O que, de forma compartilhada, aprendemos a lembrar ou a esquecer sobre nossa história? O que revelam os silêncios do conhecimento? Como a ideia de história cultural vem sendo formulada e apropriada na construção de políticas culturais pelos gestores de cultura? Calça- dos em que campos de saber e pesquisa podemos avançar na efetivação de políticas culturais? Como esses debates se institucionalizam no Brasil, definindo conceitos de referência, metodologias particulares de gestão e de intervenção? Como essas diretrizes se vinculam ao debate internacional?

Completando os questionamentos, cabe acrescentar: onde devem ser aplica- dos os recursos ou, ainda, o que deve ser financiado? Qual o papel dos Conselhos de Cultura? Como garantir independência e autonomia para as estruturas administrativas da cultura, atreladas em grande parte à educação, nas cidades? Comentamos frequentemente como aprendemos a não conhecer o cenário cultural brasileiro, que o Brasil é muito grande etc. Há referências fragmenta- das, linhas de tempo embaralhadas, um ouvir dizer com poucos encaixes que se ligam, por vezes, a personagens e a enredos de telenovela, a presença mar- cante desta ou daquela manifestação artística regional (atrelada à construção histórica de determinado lugar, ou mesmo resistindo na linha das tradições populares que forjam vários retratos culturais do país, com os calendários de festas e feriados). Os movimentos, respostas para conhecer mais de “cultura” e de cultura brasileira, atenuando parte das indagações, aflições e lacunas neste tempo de inaugurações das políticas culturais no Brasil, estão sendo apresentados em grande parte pela recente atuação do Ministério da Cultura e de algumas secretarias estaduais de Cultura que se estruturam de modo positivo nesse contexto. O tempo presente coloca-se como ideal para o exercício do pensar e do fazer cultural, ainda que seja preciso aprender a trocar o pneu com o carro em movimento: os atores protagonistas desse processo estão na ordem do dia.




Cleise Campos

Abril de 2010 - Porto Alegre-RS



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YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Tradução Marie-Anne Kremer. Belo Horizonte: UFMG, 2004.





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Texto 2.

Teatro de Bonecos  e os espaços formais e não formais da educação: Experimentos em arte-educação


“Animar é produzir ânima, simular vida”, na citação de  Balardim (2004), ao discutir a capacidade humana de dialogar com a própria existência através da representação teatral. Nesta linha de vida-manipulada, constata-se que o Teatro de Animação trata-se do Teatro de Bonecos, considerando todo objeto que convive com o homem e que sem a intervenção deste, não gera nenhum tipo de energia ou expressão. Assim, a animação acontece quando o ator-manipulador se relaciona com esse objeto de tal forma a atribuir-lhe vida. “o Boneco/objeto animado não é senão energia refletida do ator-manipulador” (AMARAL). O objeto projeta para o exterior do corpo do manipulador a vontade, o pensamento, os sentimentos e lógicas que este gostaria de compartilhar por si mesmo.

Nas sociedades primitivas os homens projetavam sentimentos, medos e ideias, em objetos, máscaras ou imagens, que passavam a ter poderes mágicos, como se fossem elos entre eles e seus deuses, entre uma realidade física e um mundo sobrenatural O teatro de bonecos que hoje conhecemos no Ocidente, sofreu forte influencia da Europa e Oriente, de cunho religioso e sobrenatural, do qual se originou, mantendo até hoje,  ligação com o sobrenatural e com o melhor da tradição cultural, como o Japão, palco das mais tradicionais artes milenares do teatro de bonecos, o Bunraku.

No Egito, antes do palco, a cena acontecia no altar, onde imagens articuladas, contracenavam com os sacerdotes. E esta herança foi recebida pela Grécia Antiga, com as atalanas, considerada o berço do teatro de bonecos, com apresentações de conotação religiosa e cultural. O Império Romano assimilou dos gregos  esta faceta da cultura cênica. A Europa registra a origem dos bonecos clássicos, recheados de conteúdo cotidiano, linguagem forte e apta para todo público, reflexo das culturas européias. Na Idade Média, os bonecos eram apresentados em feiras populares, com o fim de doutrinar nos princípios católicos. Mais adiante, focado ao imaginário infantil e popular, se amplia pelos continentes. Destacando algumas das principais referencias ao redor do mundo, o boneco mais conhecido na Itália foi o Maceus, que antecedeu o Polichinelo. Na Alemanha destacou-se o Kasper, assim como o Petruska na Rússia, o Wayanag em Java, o Cristovam na Espanha, o Punch na Inglaterra, Guinol na França. No Brasil Colonial, teve forte destaque em terras nordestinas, especialmente em Pernambuco, o cômico e satírico Mamulengo, permanecendo até hoje, como o boneco “representante” do pais, pelo mundo.

Estes bonecos marcam a tradição bonequeira de vários países, mantendo entre eles o elo da irreverência, a espontaneidade, a não-submissão as regras e a comicidade.  No Brasil, a prática titiriteira se mantém nos dias atuais  nos folguedos populares e tradicionais, nas montagens e produções artísticas profissionais, para variado público, e ainda, presença freqüente nos programas de televisão, com função de entretenimento, lazer e ainda, educativos.

Montagens com espetáculos de grupos organizados, principalmente no Sudeste e Sul do Brasil, agregados a ABTB – Associação Brasileira de Teatro de Bonecos, fazem registros do movimento bonequeiro brasileiro. Em meados do século XX, o teatro de bonecos se consolidou fortemente em nosso país, como expressão  nas atividades educacionais, ou ainda, pelos “ titiriteiros livres”, os populares mamulengueiros do nordeste. Reunindo várias linguagens artísticas (teatro, dança, musica, artes plásticas, literatura), o TB permanece como genuína preciosidade  da cultura popular,  fazendo  da arte titiriteira, uma das expressões mais atraentes de nossa cultura.

Quando o professor pensa em bonecos, geralmente limita seu pensamento no “teatrinho” (nomenclatura detestável para uma arte milenar que merece maior respeito), ou no clássico “teatro de fantoches”, denegrindo-o a uma mera distração ou passa tempo, restrita a uma das classificações do teatro de bonecos, como é visto pela comunidade escolar na maioria das vezes, desprezando a ampla gama de possibilidades e recursos que o teatro de formas animadas disponibiliza para a educação de todas as idades. Desenvolvendo aspectos educacionais, principalmente aqueles relacionados à comunicação, a expressão sensoriol-motora, a leitura e a literatura, o TB contribui na formação do educando no tocante a  percepção visual, auditiva e tátil; a percepção da sequência de fatos (noção espaço-temporal); coordenação de movimentos; expressão gestual, oral e plástica; criatividade; imaginação ; memória; socialização e o vocabulário. É uma atração especial, unindo o lúdico, a arte, à aprendizagem.

Através de atividades em sala de aula com o teatro de bonecos, aspectos do desenvolvimento do alun@, que não são observados durante os trabalhos escolares tradicionais, podem ser revelados. Há uma comunicação extra, entre bonecos & alun@s que é estabelecida, onde as atividades educativas e recreativas, podem ser trabalhadas, de acordo com a capacidade dos alun@s.   O TB demonstra ter um alto valor pedagógico, ao possibilitar desenvolver aprendizagens de atitudes transformadoras, ser altamente participativo e questionador, proporcionar recreação e servir como espaço para a expressão de emoções, impulsos, fobias e conflitos, através das ações impressas espontaneamente nos bonecos e/ou objetos, ao fazê-los falar, cantar ou brigar.
                                    “Jogos,  dramatização e teatro, ajudam o aluno  a construir a sua identidade, poi, ela poderá desempenhar diversos papéis sociais (mãe/filha, pai/filho, professor, médico, policial, rei, escravo, senhor de engenho, delegado, amigos,  etc.) e experimentar diferentes sensações e emoções. O boneco deixa de ser um objeto e torna-se “alguém”, cria vida, tem um papel e uma identidade, os quais  o aluno e professor, podem aprender  através do objeto-boneco (AMARAL, 2008)”

Bonecos na sala de aula, permitem melhor conhecimento do alun@, sendo possível ajuda-lo no processo de socialização, fazendo-o sentir-se à vontade, sem inibições, propiciando um ambiente de conforto e liberdade onde possa expressar suas ideias e opiniões sem constrangimentos, ao mesmo tempo que  brinca.

Entre os principais objetivos do teatro de bonecos na educação, Ladeiras (1998) enfatiza os bons resultados da utilização deste instrumento como atividade lúdica na sala de aula, “ entendendo que para o professor, a atividade é uma técnica educativa; para o alun@, é  um jogo ,  que  educa e ajuda no convívio social”. Através do esforço da compreensão e do conflito da participação nas atividades lúdicas, o alun@ cresce, cruza metas e atinge  objetivos, aprende brincando
Citando a escrita poética de Graciliano Ramos, “a palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”,  chego ao recorte do meu trabalho, como educadora/ arte educadora, potencializando transformar a palavra em vida, como uma tarefa  constante, usando para isto, o teatro de bonecos. Com a arte, esta condição  se amplia, dando as palavras poder ainda maior, buscando novos tipos  de transformação da própria vida. A figura do boneco, é um canal especial para esta exploração. Esta intervenção humana através dos bonecos, complementando as palavras, provocando “explosões” que a dimensionam, tem sido a base para minha atuação como arte educadora nos recentes vinte anos, trabalhando o TB como um instrumento de investimento/experimento na educação. Tal intervenção e atuação, se espelha, se molda, nos estudos e leituras de Gramsci, gestando e amadurecendo idéias e comportamento  na assimilação do papel da cultura na educação, no sentido de promover e estimular mudanças, ampliando o “tamanho” da palavra, como sugere Graciliano. 
Gramsci entendeu que a educação torna-se dimensão estratégica na transformação social, onde usar a palavra, como “arma”  da arte,da cultura, são  pontos fundamentais, a favor da educação: “ As palavras não podem ser  canhões  que explodem em silêncio”. Tratando de cultura & educação,  operando para contrapor aquilo que “ é “, ao que “dever ser”, buscando e investindo a partir daí, propostas de mudanças, o pensamento Gramsciano  sugere  trabalhar com o “pessimismo da inteligência, e o  otimismo da vontade”, onde a arte é instrumento-arma das mais fundamentais.
Gramsci enxergou que a educação era/é uma dimensão estratégica para transformação da sociedade, apresentando consistentes propostas para organizar a cultura num mundo de desigualdades. Por que a educação, a escola assumiram para ele, importância tão decisiva, e neste contexto, confere a cultura tamanho espaço? Segundo Gramsci, o trabalho para convencer as classes mais pobres a aceitar o status quo, não se restringe ao mundo das idéias. Percebendo essa “trama”, Gramsci descobre a importância de um movimento intelectual e cultural, para difundir novas concepções de mundo, que elevem a consciência cidadã das massas populares e produzam novos comportamentos, intelectual e cultural.
É no âmbito da reflexão do Estado ampliado que Gramsci questiona as liberdades civis e políticas do Estado democrático, indicando como um dos caminhos mais importantes para se trilhar este  Estado ampliado, a cultura e a educação, ou ainda,“ uma educação cultural”. De nada valiam os direitos conquistados com a ampliação da democracia, como o direito político do cidadão de escolher seus dirigentes e poder ser dirigente, se as massas tinham dificuldades para se organizar politicamente, para se expressar com coerência e de forma unitária, e ainda lhes faltavam elementos conceituais para criticar seus governantes.   
         
Esse questionamento mostra sua preocupação em identificar meios para elevar cultural e politicamente as massas. Trata-se de uma perspectiva que vai muito além da formação para a cidadania. Gramsci pensa um programa educacional-cultural, procurando identificar métodos e práticas culturais que propiciem aos trabalhadores sair da condição de subalternidade. Defende a organização de um “centro unitário de cultura”, cujo objetivo é a “elaboração unitária de uma consciência coletiva”, envolvendo a discussão das instituições que atuam na formação de intelectuais, como a imprensa e, principalmente, a escola.

Nesta linha Gramsciana, com as somas do conceito de cidadania cultural apresentados pela filósofa Marilena Chauí, sob o prisma democrático do direito à cultura, através da apropriação dos meios culturais existentes, pautados na invenção de novos significados culturais, onde tod@s são sujeitos sociais, culturais e históricos, através do trabalho da memória social coletiva, a atuação como professora e atriz bonequeira na companhia Trio de Três (organizado na década de oitenta, no século XX),  trilha na prática deste casamento possível, da Cultura & Educação. 

Os temas das aulas-espetáculos e/ou espetáculos, fogem da linha do entretenimento, puro e simplesmente: as montagens e adaptações pautam linha arte-educadora, com assuntos da prática cotidiana da sala de aula, da grade escolar e conceitos da prática da cidadania, associados aos espetáculos. A intervenção do boneco na prática pedagógica, sempre exigiu a busca do equilíbrio entre o esforço e a disciplina, com o prazer e a satisfação. Tentar conduzir sutilmente o alun@ para a aquisição de conhecimentos mais abstratos, misturando  tarefas escolares com  dose de brincadeira, facilita no mergulho da arte do aprendizado e da vida, e ainda, oportuniza a reflexão e o debate  que permeiam a história, ao longo dos séculos, nas  lutas estabelecida entre poderosos e dominados, entre reis e servos, dentro das salas de aulas,  explorando também,  outros espaços do aprender.

O projeto “O Trio conta da História”, especialmente pensado para abordar temas curriculares da disciplina de História com treze temas de aulas-espetáculos, de 1993 - 2003, percorreu escolas, faculdades, instituições diversas nas diferentes esferas do poder público, instituições culturais e educacionais, emissoras de televisão, organizações alternativas e movimentos livres, na apresentação de espetáculos, performances e oficinas nos mais variados encontros (congressos,  conferencias, encontros, simpósios, fóruns, seminários, festivais).

A  vivência-memória que esta experiência proporciona/proporcionou, supera a tradicional dicotomia entre trabalho científico e prática profissional, onde a proposta das aulas-espetáculos de história, focando  temas do currículo escolar e da vida, são instrumentos reais de aprendizado e investigação, com prazer e satisfação, alimentando de modo harmônico,  com forma e conteúdo, os pilares da prática docente, na  sala de aula, na extensão e na pesquisa. Como Professora da área, sempre me fascinou a busca-tentativa de aproximar o passado, mais perto possível do presente, sendo este mesmo, o maior de todos os tempos no tempo que temos, da História, nas divisões da construção do tempo histórico, de passado, presente e futuro, que concebemos mundialmente. Só é possível projetar ou vislumbrar  um futuro, em função de ações e atitudes presentes. 

Atitudes presentes  não tem outro local-espaço de acúmulos e construções, a não ser nas constituições e visitas do passado. É do passado que extraímos o que existe de melhor, sendo o tempo presente fugidio e breve, e o futuro, uma incógnita. As aulas – espetáculos de História, objetivam isto: trazer para mais perto do presente, o passado, reinventando e pensando com olhar ampliado, futuros possíveis.

 Atualmente, o grupo Trio de Três apresenta cinco temas de aulas-espetáculos: Atenas e Esparta: o que ficou de herança; Feudalismo: senhores feudais e servos; Renascimento: um viva a arte e a cultura; Escravidão: um passado de vergonha; e Brasil sem Homofobia, uma questão de cidadania, além de três montagens livres e duas adaptações com autores nacionais e estrangeiros, nos espetáculos: Baião de dois; Reciclagem em Cena; Momento de Natal; Os amores de Dom Perlimplim e Belisa em seu jardim (Garcia Lorca); e Contos e Escritos (Clarice Lispector e Marina Colasanti ); com bonecos de vara, marote, luva, marionetes de manipulação direta, bonecos-brinquedos, e sombra. Nestes  anos de atuação, interessante observar o quanto  crianças, adolescentes, jovens e adultos ficam fascinados,  vendo que é possível emprestar  voz e  corpo, para dar vida a um personagem-brinquedo, e através deste brinquedo, aprender.

No que tange ao Teatro de bonecos, a própria historia que o acompanha milenarmente o define como uma das mais ricas formas de prática lúdica. Tendo sido utilizado por crianças e adultos, em Oriente e Ocidente, para trabalhar literatura, música, expressão corporal, artes plásticas, valores morais e muito mais” (AMARAL, 1996).
                           
Brincar para aprender, é preciso. O otimismo da arte é necessário, suavizando o “peso” dos ritos acadêmicos, da grade curricular e da rigidez dos intelectuais. A formação de profissionais capacitados para o pleno exercício das praticas lúdicas na sala de aula (e fora dela), é hoje um dos maiores desafios dentro da educação. Não pode se pensar em orientação educacional de crianças, adolescentes e  jovens, sem antes haver orientação e preparo do adulto, agente da regência. Sabe-se que os alun@s estão cada vez mais exigentes, ou ainda, desinteressados ao extremo. Parte deste cenário deve-se as circunstancias do mundo atual, com novos e atraentes convites, afastando a escola do educando, e vice-versa. Os alun@s de hoje só conseguem acreditar nos professores que participam, que se envolvem, “que sabem transformar suas aulas em trabalho-jogo, seriedade e prazer ” (ALMEIDA, 2003).

Ensinar abrindo espaço para debates, aproveitando cada situação como fonte de aprendizagem, através da arte. Será possível ampliar esta consciência, será possível dimensionar a relação educador-educando, crescendo em variadas direções, fortalecendo a árvore do conhecimento? Pontos cruciais à efetivação da arte no cotidiano da sala de aula, são  condições fundamentais para efetivar e socializar este caminho para o conhecimento, bem como a predisposição para levar isso adiante, considerando  a falta de incentivo e/ou apoio por parte das próprias escolas, das gestões escolares, dentro das políticas de educação vigentes, explicitadas  justamente pelo “ tamanho” irrelevante que  a cultura e arte ocupam, nos espaços da educação.

A palavra chave para o educador é “ousadia”. Ser ousado implica desafios constantes, busca e divisão de conhecimentos. Um  sem fim de áreas abstratas e temas polêmicos podem ser abordados através do Teatro de/com Bonecos, como também, outras formas e linguagens artísticas, na educação. Arte e prazer: Um presente atraente, para tempos tão “tensos e desanimados”, na educação formal.



Cleise Campos


Julho de 2012 - Rio das Ostras/RJ



REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação Lúdica. Técnicas e Jogos pedagógicos.SP. Edições Loyola, 2003.
AMARAL, Ana Maria. Teatro de Animação. Governo Est. SP . FAPESP.Ed. Ateliê. Brasil. 1993.
AMARAL,Ana Maria. Teatro de formas animadas: Máscaras, Bonecos, Objetos. São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1996.
BALARDIM, Paulo. Relações de vida e morte no Tetro de Animação. Porto Alegre. Edição do Autor, 2004.
CHAUÍ, Marilena.. Cultura e democracia. O discurso competente e outras falas. Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Editora Cortez, 2006.
________________ Cidadania Cultural – 1 Ed. – São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,2006.
DEL ROIO, M. Os prismas de Gramsci(1919-1926). São Paulo: Xamã; IAP, 2005.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura.. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1989.
REVERBEL,Olga. Jogos Teatrais na Escola: atividades globais de expressão. São Paulo: Ed. Scipione, 1996.
RIOS, Rosana. Brincando com Teatro de Bonecos. 4º Edição.São Paulo: Ed.Global, 2003.

RAMOS, Graciliano. Fonte: www.graciliano.com.br


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Texto 1.


Referências de um processo em construção: Programa de Formação Cultural para o Estado do Rio de Janeiro




A regulamentação do Programa de Formação e Qualificação Cultural do Estado do Rio de Janeiro - PFQC,  materializa-se no desafio de somar as iniciativas já existentes, e a consolidação das pesquisas, com as trocas de informações correntes no campo da formação cultural, inter-relacionando abordagens de compreensão e análise que contribuam para atualizar a aplicação e ampliação das políticas culturais no estado fluminense, no tocante as áreas de arte, técnica e gestão, entendendo a urgência e o contexto estratégico do panorama cultural do Brasil e do Estado do Rio de Janeiro, nos próximos 10 anos, a partir da efetivação dos Sistemas Nacional, Estadual, e Municipais de Cultura.

Plano Estadual de Cultura do Rio de Janeiro

Na apresentação da Secretaria de Estado de Cultura - SEC RJ, o texto que faz referência à elaboração do Plano Estadual de Cultura do Rio de Janeiro - PEC RJ, no sitio oficial, até dezembro de 2013, aborda o contexto das políticas culturais no estado, reconhecendo que a riqueza cultural do Rio de Janeiro é indiscutível em todo o mundo, e vai muito além da capital.  Num passeio cultural pelos 92 municípios que formam o mapa fluminense, a SEC RJ destaca suas diferentes regiões, fazendo citação das culturas africana, caiçara, indígena e de outros povos que migraram para o Estado, contribuindo para a mistura que predomina na sua radiografia cultural:
                              

São muitas as manifestações populares, como as Pastorinhas de Pádua, a Cavalhada de Campos dos Goytacazes, o Mineiro Pau de Miracema, o Boi Pintadinho de Italva, o Caxambu de Porciúncula, o Calango de Vassouras, a Mana-Chica de São Francisco de Itabapoana, a Ciranda de Paraty, o Maracatu de Resende, além da capoeira, das folias de reis, do jongo e das quadrilhas.  Bandas centenárias como a Sociedade Musical Beneficente Euterpe Friburguense, a Lyra dos Conspiradores, de Macaé, e a Fraternidade Cordeirense ainda dão o tom das nossas festas, junto com corais, grupos de samba e choro, rock, hip-hop e funk. Surgem novos cineclubes, como o Mate com Angu, de Duque de Caxias, além de vários coletivos de artes cênicas, visuais e literários. O artesanato mantém muitas famílias e comunidades que se expressam através da cerâmica, renda, madeira, couro, cestas e trançados. Nossas festas, religiosas e pagãs, são variadas: a celebração do 13 de Maio no Quilombo São José, em Valença, a Festa do Divino, em Paraty, e a Noite do Jongo, em Vassouras. Festivais como a FITA (Festa Internacional do Teatro de Angra dos Reis), o Rio das Ostras Jazz & Blues, o Festival do Vale do Café, no Vale do Paraíba, e a FLIP, em Paraty.” (Adriana Rattes, 2010 ) 


Buscando propiciar melhores condições para que o processo social de criação e fruição da cultura fluminense seja o mais rico e diverso possível, a SEC RJ, confirma um quadro visível: na maioria dos municípios do estado constatam-se carências na gestão pública da cultura, com pouquíssimos recursos humanos, financeiros e materiais, baixa institucionalidade (poucos municípios têm secretaria exclusiva de cultura), planejamento inexistente, servidores em quantidade insuficiente e sem a formação necessária, como também, falta de equipamentos culturais, e a pouca participação de agentes culturais e artistas locais na gestão da cultura.

Boa parte dos estados brasileiros começa a estabelecer desde 2002, uma nova pauta de ação em direta relação com o Ministério da Cultura, na gestão do Ministro Gilberto Gil, nos dois mandatos do Presidente Lula. O Estado do Rio de Janeiro inicia esta relação, mais direta e amiúde, a partir de 2007. Potencialmente estimulada pelo MinC,  a SEC RJ adota várias medidas inovadoras, dentre elas o  começo de um diálogo com as cidades, buscando inicialmente junto aos prefeitos, o compromisso conjunto de  fortalecimento da cultura nos seus municípios.  Até chegar ao contexto de elaboração do Plano Estadual de Cultura, o cenário das políticas culturais no estado fluminense é resultado, especialmente, dos recentes trinta anos, da relação estado/municípios que acompanhou o lento processo de construção democrática do Brasil, e mais lento ainda, o processo de construção das políticas públicas de cultura.

Tanto no Brasil como nos estados, o conceito de cultura começa a ser efetivado como veículo condutor de assimilação e de apropriação das políticas públicas, mudando lentamente, para além das agendas conhecidas e festivas da “cultura do evento”, das festas e folguedos, calendários religiosos e ritos folclóricos, neste tempo recente que compreende pouco mais de uma década. A apropriação recentíssima deste conceito começa a provocar os municípios e os diversos atores do cenário cultural no estado, nesta sequencia de apropriação e mudanças, onde a unanimidade da necessidade de formação para melhor atuação no setor é ponto comum entre todos, tanto no poder público, quanto na esfera privada, nas organizações não governamentais, e ainda, no movimento livre.

Nas declarações dos delegados das conferências estaduais e nacional de cultura, no decorrer de 2013, a fala comum apontou para  necessidade de formação no setor, como atesta o pesquisador do Laboratório de Ações Culturais da UFF, Prof.Dr. Luiz Augusto Rodrigues:

“Cada vez mais, a implementação das políticas em cultura vem ganhando força e tentativas de sistematicidade e desen­volvimento qualificado. A que se conside­rar, no entanto, que para se ter políticas é necessário que se posicione e se con­ceitue a partir de que preceitos as políti­cas serão norteadas, a formação é, então, um requisito básico. Tanto do quadro técnico envolvido quanto dos propo­sitores e gestores responsáveis pela im­plantação e acompanhamento das políti­cas traçadas.” (RODRIGUES, 2010)

Das propostas oriundas dos municípios, sistematizadas para debate na 3ª CEC RJ, destacamos as propostas estaduais aprovadas, dentro do segmento de formação, nos quatro eixos norteadores da conferência:

Eixo 1 – Implementação do Sistema nacional de Cultura/ 1.1 Capacitar gestores de cultura, conselheiros e agentes culturais, mestres e griôs de cultura popular e tradicional e professores através de programas de formação na área cultural e cursos promovidos e certificados pela Secretaria de Estado de Cultura, de Educação e instituições de ensino; 1.2. Aumentar o número de funcionários da cultura, abrindo concursos públicos criando-se uma gerência de cultura com tempo de carreira que independa do governo, com perfil de formação e títulos pertinentes às demandas locais, comtemplando profissionais graduados em Produção Cultural, dentre outras graduações;

Eixo 2 – Produção Simbólica e Diversidade Cultural /2.20. Organizar oficinas de capacitação para gestores públicos municipais de cultura e agentes da sociedade civil; 2.21. Organizar oficinas nas diferentes regiões do estado que discutam e capacitem gestores e fazedores de cultura acerca da economia criativa, democratizando o acesso aos saberes e conceitos sobre este campo; 2.23. Realizar concurso público para a Secretaria Estadual de Cultura nos âmbitos administrativo, técnico e superior de forma a garantir a perenidade nas políticas públicas de salvaguarda, circulação, fomento, intercâmbio, desenvolvimento, cidadania e direitos culturais – como apontado no SNC; 2.24. Ampliar a carga horária de permanência de alunos da educação básica, da rede estadual de ensino, em atividades artísticas e culturais; oficinas e fóruns de discussão; 2.25. Ampliar, nas diferentes regiões do estado, dos cursos técnicos, tecnológicos, de graduação e pós-graduação no campo da cultura na rede estadual de ensino médio, técnico, profissionalizante e nas universidades públicas estaduais; 2.29. Desenvolver oficinas de capacitação de profissionais da educação – parceria Secretaria de Estado de Educação, SEC-RJ e órgãos gestores municipais - para o curso de História da África e História Indígena, em cumprimento às Leis 10.639/2011 e 11.648/2008, para tratar de temas como tolerância religiosa, diversidade cultural e culturas populares e tradicionais; 2.32. Manter, valorizar e expandir as escolas de formação em linguagens artísticas e culturais existentes no estado com quadros próprios concursados e infraestrutura adequada ao seu bom funcionamento; 2.33. Organizar oficinas nas diferentes regiões do estado discutindo e capacitando gestores e fazedores de cultura acerca da economia criativa, democratizando o acesso aos saberes e conceitos sobre este campo;

Eixo 3 – Cidadania e Direitos Culturais/ 3.1 Capacitação e qualificação dos profissionais da área artística, cultural para trabalhar com a pessoa com deficiência;

Eixo 4 -  Cultura e Desenvolvimento/ 4.1. Garantir a formação dos agentes de cultura desde o ensino básico, inclusive com oficinas de arte extracurriculares, até sua qualificação e especialização artística; 4.2. Capacitar os gestores públicos de cultura para a inclusão dos seus municípios nos programas estaduais e nacionais de fomento à cultura, com a formação devida para lidar com as especificidades das políticas de preservação e acesso ao patrimônio material e imaterial.

O Programa Estadual de Formação e Qualificação Cultural do RJ, é  uma  das  peças  integrantes  do Sistema Estadual de Cultura do Rio de Janeiro - Projeto de Lei da Cultura (em tramitação   para aprovação na ALERJ),  à saber:
                                                               CAPÍTULO II-DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO DO SISTEMA ESTADUAL DE CULTURA
    Art. 11 - São instrumentos de gestão do Sistema Estadual de Cultura:
                                                                        (.....) SEÇÃO III - Programa de Formação e Qualificação Cultural – PFQ
Art. 44 - Fica autorizada a criação do Programa de Formação e Qualificação Cultural, com o objetivo de estimular e fomentar a qualificação de agentes públicos e privados nas áreas consideradas vitais para o funcionamento do Sistema Estadual de Cultura.
Parágrafo Único - Este programa será regulamentado em instrumento próprio.”

Do texto base das Diretrizes e Estratégias  do Plano Estadual de Cultura do RJ, inserido como anexo na Lei de Estado de Cultura, cabe atentar para os registros específicos para o tema da formação cultural:

EIXO TEMÁTICO 1 – CULTURA E CIDADANIA

1.1 (Diretriz) PROMOVER A CULTURA COMO UM DIREITO DE TODOS OS CIDADÃOS E AMPLIAR O ACESSO AOS BENS CULTURAIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Estratégias:

1.1.1 Implementar e estimular ações de ampliação do acesso à formação artística em níveis de iniciação, profissionalização e excelência, em todas as regiões do estado.

1.1.4 Implementar ações de incentivo à formação de público para a cultura, visando a democratização do acesso às mais variadas linguagens artísticas e expressões culturais.

1.1.6 Garantir às pessoas portadoras de deficiências o acesso às artes e expressões culturais, contemplando a possibilidade de formação, produção e fruição.


EIXO TEMÁTICO 2 – CULTURA, DIVERSIDADE, PATRIMÔNIO E MEMORIA

2.1 (Diretriz) VALORIZAR A DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES ARTÍSTICAS E CULTURAIS
Estratégias:

2.1.1 Fomentar ações de valorização da diversidade cultural do estado do Rio de Janeiro em todas as regiões, estimulando a formação, produção, difusão, documentação e memória das linguagens artísticas e expressões culturais.

2.2 (Diretriz) FORMULAR E IMPLEMENTAR POLÍTICAS CULTURAIS SETORIAIS
Estratégias:

2.3.3 Difundir técnicas e saberes tradicionais, tendo por objetivo garantir a transmissão deste conhecimento para as gerações futuras.

2.3.4 Promover ações de educação patrimonial voltadas para a valorização da memória, das identidades, da diversidade cultural e do meio ambiente.

EIXO TEMÁTICO 3 – CULTURA, EDUCAÇÃO E JUVENTUDE

3.1 (Diretriz) PROMOVER O APROFUNDAMENTO DO DIÁLOGO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO
Estratégias:

3.1.1 Integrar políticas de cultura e de educação, através de planejamento e ações em conjunto, visando contribuir para a melhoria do processo educacional e a formação do indivíduo.

3.1.2 Incentivar a utilização de linguagens artísticas e expressões culturais no ambiente escolar e nas bibliotecas e museus, estimulando a criatividade, a capacidade de expressão e a sociabilidade da população infanto-juvenil fluminense.

3.1.3 Estimular ações de formação artística e cultural voltadas para educadores, gestores de educação, bibliotecários e museólogos.

3.1.4 Estimular ações culturais que otimizem o uso de equipamentos pelo público infanto-juvenil, bem como os espaços das escolas para atividades culturais extracurriculares.

3.1.5 Desenvolver programas, em parceria com a educação, voltados para a valorização do ensino de história, arte e cultura regionais e locais, em especial das minorias.

EIXO TEMÁTICO 5 – GESTÃO DA CULTURA

5.2 (Diretriz) INTENSIFICAR OS ESFORÇOS PARA A MELHORIA DA GESTÃO DA CULTURA
Estratégias:

5.2.3 Investir na formação de gestores públicos da área da cultura.

6.2 (Diretriz) AMPLIAR O ACESSO DOS AGENTES CULTURAIS DO ESTADO AOS RECURSOS FINANCEIROS DA CULTURA
Estratégias:

6.2.4 Investir na qualificação de agentes culturais habilitando-os a melhorar o planejamento, a captação e a gestão dos recursos de seus projetos.

A exigência de formação para atuação no campo cultural é tão recente quanto o processo de efetivação das politicas culturais no Brasil. Poucos anos antes, por não ser obrigatória para o exercício da função, por parte da esfera pública, ou do mercado, a necessidade de formação específica para desempenhar funções na área da arte e cultura, era inexistente. Este quadro muda em função das dimensões que a própria cultura passa a estabelecer, nos variados setores da sociedade (público, privado, alternativos), pelo volume de recursos e investimentos que começam a ser operados  nos novos orçamentos destinados a cultura. 

Os próprios gestores, agentes culturais, artistas, arte-educadores, interessados na sua formação e capacitação, começam a buscar elementos potenciais de formação e capacitação, estimulando uma dinâmica dentro deste processo em construção. Em boa parte dos casos, a iniciativa pela capacitação surgia da atitude dos próprios gestores, dentre outras experiências, cito  o Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, promovido pela Comissão dos Gestores de Cultura/Comcultura RJ, em parceria com o Decult-SR3 UERJ, ao longo de dez anos; uma vez que a ausência de uma política de formação de pessoal qualificado para atuar na organização da cultura, durante este percurso de tempo recente, permaneceu sem solução, ou mesmo sem iniciativas específicas dos respectivos governos.

Já reconhecido o papel fundamental da cultura para o exercício da cidadania, para a consolidação da democracia, identificando realidades locais, buscando descobrir mecanismos viáveis de adoção de práticas e atitudes que resultem em ações concretas nos processos determinantes para o desenvolvimento, e compreendendo que a própria cultura vivencia um processo de construção, a partir da efetivação dos seus Planos de Cultura, a formação cultural, com sequente profissionalização de pessoal para atuação no setor, está em patamar crescente de exigência, nos diferentes setores da sociedade. Neste aspecto, formar novos profissionais e capacitar os que já desempenham funções, viabiliza potencialmente a garantia da valorização das políticas públicas de cultura no estado, nas cidades que compõem o seu mapa, contribuindo para o fortalecimento de nossa identidade e pluralidade como vetor fundamental de desenvolvimento, na riqueza que é a cultura, como bem natural da vida, e de ser feliz.

Tais considerações balizam a Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro a proceder na regulamentação do seu Programa de Formação e Qualificação Cultural, com linha de ação pautada no tripé técnica, arte, e gestão. A partir de um diagnóstico com levantamento das ações formativas da área cultural no estado, identificando as iniciativas existentes como os cursos e/ou afins, promovidos e/ou apoiados pela SEC, cursos formais oferecidos na área cultural, e afins nas faculdades e institutos, identificação de parceiros no poder público (municipal, estadual e federal), para aplicação de  programas/editais de formação, bem como a avaliação de formatos, em função do público diversificado (cursos livres; seminários; oficinas, e os cursos com certificação - carga horária específica por modalidade EAD-Semi presencial, e/ou), o estado fluminense potencializa o processo de formação e capacitação do setor.

Sobre o Curso de Formação para Gestores Públicos e Agentes Culturais do ERJ: A formação e capacitação dos profissionais atuantes nos mais diversos setores culturais é a forma mais rápida e eficaz de promover bons resultados para a política de cultura. O Curso de Formação de Gestores Públicos e Agentes Culturais foi uma das ações iniciais na implantação do Programa de Formação e Qualificação Cultural do Estado do Rio de Janeiro, orientando o processo de formação cultural no estado para gestores públicos culturais, conselheiros municipais de cultura, e agentes culturais, aliando as noções básicas às tendências mais contemporâneas nesta área, se valendo de especialistas renomados em seus variados segmentos de atuação, para atender as demandas mais práticas de aperfeiçoamento.  

Curso, em parceria com o Instituto Multidisciplinar de Formação Humana com Tecnologias, da UERJ, e Ministério da Cultura,  iniciado em  outubro de 2013 a  de julho de 2014, com carga horária de 151 horas/Modalidade EAD (135 à distância e 16 horas presenciais), ofereceu 800 vagas, distribuídas em 23 turmas para todo estado do Rio de Janeiro, com um grupo de renomados especialistas, e tutores para orientação e acompanhamento dos alunos. Aliando as noções básicas às tendências mais contemporâneas  nesta área, se valendo de especialistas renomados em seus segmentos de atuação, o percurso de formação foi organizado para atender as demandas mais práticas de aperfeiçoamento na elaboração e monitoramento de projetos culturais, mas também para dar solidez ao processo de organização do trabalho em cultura que obedece a prerrogativas diversas, como a apropriação de noção dos conteúdos da área, dos debates mais atuais sobre políticas e gestão cultural no Brasil e em especial, no Estado do Rio de Janeiro.

Ao longo do curso, foram realizadas aulas com encontros presenciais em diferentes regiões do estado, com tutores e especialistas para orientação e  desenvolvimento dos trabalhos desenvolvidos (os chamados Trabalho de Conclusão de Curso), agregado as tarefas executadas que atestaram 75% de frequência, para certificação. Um dos alunos concluintes, da Baixada Fluminense, enfatiza a importância do aprendizado na relação direta da sua atuação profissional:

 “Posso assegurar que minha atuação na área de cultura tem agora um divisor de águas -  antes e depois do Curso de Formação Cultural dos Gestores Públicos e Agentes Culturais, que me abriu uma dimensão totalmente nova. Termino o curso satisfeito e feliz pelo investimento destes meses.”(JOELSON SANTIAGO, 2014).

Com agenda de encontros para apresentação e discussão do PFQC, a SEC propõe discussões com representantes de Universidades e Institutos, Municípios, Sistema S, Fóruns de representação regional e/ou setorial, e a Sociedade Civil do estado fluminense, e ainda, troca de informações sobre  iniciativas de  organização de Programas de Formação  Cultural  em outros estados  brasileiros e na União.

Como sugestão para o futuro Conselho Estadual de Cultura (com regulamentação prevista após aprovação da Lei de Estado de Cultura), as seguintes propostas estão em discussão, podendo ser, ou não, matéria de regulamentação no Programa de Formação e Qualificação Cultural: A instalação de cursos nas regionais do estado priorizando formação e qualificação nas áreas artística, técnica e de gestão (em especial para gestores públicos, conselheiros de cultura, artistas, arte-educadores, e animadores culturais); Instalação de Centros Estaduais de Educação em Artes (parceria com outras unidades administrativas do estado, e/ou autarquias, em locais e/ou ações já existentes); Ações extracurriculares de artes nas escolas estaduais (parceria com SEE); Continuidade na aplicação de oficinas e cursos livres (linguagens artísticas e técnica), em parceria com prefeituras, Sistema S, e terceiro setor; Convênios, parcerias, e/ou acordos técnicos específicos com Universidades Públicas, Institutos Federais, e Ministério da Cultura, para aplicação de cursos de extensão, graduação, especialização e pós-graduação em gestão/produção/políticas culturais, tendo como base a formação na área de gestão cultural; Publicação de títulos e periódicos específicos.


O Sistema Nacional de Cultura e a necessidade de Formação Cultural no Brasil

Este contexto vem sendo desenhado, especialmente, a partir das agendas que mobilizaram municípios, estados, e país nas etapas das conferências de cultura, onde a “radiografia da cultura Brasileira” ficou evidente. A reflexão so­bre a 1ª Conferência Nacional de Cultura, realizada em 2005,  apresentada pela  pesquisadora Lia Calabre, do Setor de Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa,  destaca que:  

“A questão da formação dos profissionais, sejam eles das áreas de gestão ou das linguagens e práticas artísticas, está presente em praticamente todos os cinco ei­xos temáticos na discussão na I Conferência”(CALABRE, 2006).

Na 2ª Conferência Nacional de Cul­tura, realizada em 2010, o então Presidente do Conselho de Estado de Cultura da Bahia, hoje Secretário de Estado de Cultura daquele estado, Prof. Antônio Albino Rubim, enfatiza:

 “A formação apareceu em várias das diretrizes prioritárias aprova­das pelos estados, sendo a segunda proposta mais votada por todos os Delegados, na plenária fina”. Formação em vários níveis, e com diferentes objetivos: gestores, produtores, técnicos operacionais, artistas.”  (RUBIM,2007)


Na 3ª Conferência Nacional de Cultura-3ª CNC, realizada em  novembro de 2013, a instalação e desenvolvimento do Programa Nacional de Formação em Cultura, com garantias de recursos específicos da União, dos estados e municípios, foi um dos principais destaques, onde novamente a questão da formação no setor ficou entre as propostas mais votadas por todo Brasil. Do resultado final das 614 propostas, foram elencadas 20 prioritárias, deste conjunto, quatro propostas centradas na formação se destacam nos diferente eixos norteadores, a saber:

Eixo 1 - Implementação do Sistema Nacional de Cultura/Proposta 1.14. Criar, desenvolver, fortalecer e ampliar as estratégias para a formação e capacitação em gestão cultural de forma permanente e continuada, envolvendo gestores e servidores públicos (nos níveis federativos: união, estados, distrito e municípios) e privados, conselheiros de cultura, artistas, produtores, agentes culturais, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e demais integrantes da sociedade civil dos diversos segmentos por meio: a) da diversificação dos formatos e modelos de formação, contemplando a educação a distancia EAD, presencial, semi-presencial, continuada,  Programa Nacional de Formação de Gestores Culturais Públicos e Sociedade Civil, cursos de curto, médio e longo prazo, de nível técnico e superior, extensão, graduação, pós-graduação strictu sensu e lato sensu, palestras, seminários, fóruns e treinamento, além da produção e disponibilização de material didático; b) da criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e de qualificação profissional para os campos da política e da gestão cultural  e da garantia de atendimento e adequação das linhas formativas segundo, as especificidades regionais, a demanda de cada segmento cultural frente à diversidade, pluralidade e singularidades do universo da cultura;   c) da garantia à acessibilidade (artigo 9ª. do decreto no. 6949, de 25 de agosto de 2009) através da utilização de metodologias e materiais didáticos específicos, tais como: publicações em Braille, formatos abertos para leitores de tela, presença de interpretes para as diversas linguagens e códigos, tecnologias e adequações de infraestrutura.

Eixo 2 - Produção Simbólica e Diversidade Cultural/Proposta 2.11. Investir na educação continuada formal, no âmbito do ensino técnico e superior (tecnológico, bacharelado e licenciatura), públicos, incluindo a criação de cursos nas Instituições de Ensino Superior e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em linguagens artísticas, criativas e saberes culturais, e educação não formal, contemplando as áreas artísticas, criativas e culturais em amplos aspectos, abrangendo as manifestações locais, contemporâneas e de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais (Conforme decreto presidencial nº. 6.040, 07/02/2007), de forma descentralizada e com acessibilidade comunicacional, intelectual e de mobilidade, com intuito de garantir: a) formação continuada de arte educadores nas diversas áreas do conhecimento artístico/cultural, para mediar, desenvolver e conduzir conteúdos e disciplinas artísticas, trabalhando a arte como uma área de conhecimento; b) investimento em instituições comunitárias, estaduais e federais de ensino superior tecnológico para o aumento de oferta e interiorização de cursos de graduação, extensão e pós-graduação nas áreas da arte/cultura, bem como criar e fomentar escolas livres e pesquisas, através das agências estaduais de fomento, de pesquisa e extensão, do CNPq e das pesquisas cujo o objeto seja a cultura; c) incentivo a criação de cursos livres em gestão cultural para gestores, produtores, artistas e sociedade em geral; d) criar via Ministério da Cultura de uma plataforma online de recursos educacionais abertos, bem como produzir materiais didáticos editados com conteúdos referentes às culturas dos povos e comunidades tradicionais contemplando também as distintas linguagens artísticas contemporâneas; e) reconhecer as práticas culturais como formadoras de subjetividades e coletividades, valorizando os conhecimentos dos povos tradicionais, bem como das manifestações artísticas/culturais contemporâneas, favorecendo o intercâmbio entre o ensino formal e não formal;   f) Fomentar a formação de agentes culturais via bolsas de estudo, pesquisas e residências culturais, bem como ampliar, equiparar com as outras áreas do conhecimento e garantir a participação do campo da cultura no âmbito do programa “Ciências sem Fronteiras” e a criação do Programa Artes sem fronteiras;.

Eixo 3 – Cidadania e Direitos Culturais/ Proposta 3.39. Intensificar e fomentar o reconhecimento de mestres e mestras das culturas populares e tradicionais (mestres de capoeira, hip hop, quilombolas, indígenas, sábios, afoxés, jongo e griôs), por meio de certificação da Rede Certific do Ministério da Educação (de acordo com a Meta 17 do Plano Nacional de Cultura) ou órgãos afins, com ações atinentes ao IPHAN e ao IBRAM, garantindo recursos financeiros para a manutenção de suas expressões artísticas e culturais, através dos editais de premiação da SCDC; intensificando e aprimorando as ações de proteção do patrimônio material e imaterial, versando sobre estudos, pesquisas e formação, apoiando estrategicamente esses processos com a aprovação da Lei de Mestres (Projeto de Lei nº 1.176/2011) e a transformação do Decreto nº 6.040/2007, que institui a Política Nacional do Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais em lei.

Eixo 4 – Cultura e Desenvolvimento/Proposta 4.21. Fortalecer e fomentar as cadeias dos setores criativos, promovendo o intercâmbio regional, nacional e internacional, valorizando os setores da Economia Criativa local, garantindo o investimento e a infraestrutura de apoio para criação, produção, publicação, difusão/distribuição de Bens e Serviços Culturais (adaptadas às especificidades das diferentes Cadeias Produtivas), capacitando os agentes culturais, gerando condições de trabalho e renda, tendo como base as dimensões da sustentabilidade (econômica, social, ambiental e cultural), reforçadas por programas de conscientização e mudança de hábito e consumo/fruição, como também criar programas de incentivo ao empreendedorismo e à sustentabilidade das cadeias produtivas do setor cultural, garantindo a acessibilidade, a inclusão.


Como apontado na 3ª CNC, a necessidade de formação permanece como preocupação dos participantes da agenda nacional de cultura, representantes de variados setores (público, privado, terceiro setor, movimento livre, além de pesquisadores, professores), ressaltando que a política de formação atualmente, é ação estratégica para a efetivação dos próprios Sistemas de Cultura. As próprias ações do Ministério da Cultura, principalmente a partir da institucionalização do Plano Nacional de Cultura-PNC, e do estabelecimento das 53 metas, abre para todo Brasil um desafio, onde o cumprimento das metas até 2020 implica em pessoal apto, capacitado, com formação específica na área. 

Observando as etapas, projeções, e metas do PNC, o Ministério da Cultura (organizado em 1985, com estrutura base oriunda do Ministério da Educação), estabelece uma intensa pauta de trabalho, com um complicador que se repete ainda nas demais instâncias do poder público (estadual e municipal), que é sua própria condição estrutural (física, orçamentária e principalmente, de limitado quantitativo de pessoal), frente às demandas que são criadas na esfera federal, como nos estados e municípios. Neste aspecto, cabe ressaltar a importância de uma equipe condizente, com perfil específico para atuação, em quantidade apropriada para acompanhar o desenvolvimento das ações, com cargos efetivos para função.

Atualmente, a falta de pessoal capacitado é um dos fatores de maior impedimento para elaboração e efetivação de políticas públicas de cultura, e por outro lado, maior engajamento dos agentes, artistas e produtores culturais, no novo cenário das políticas culturais, tanto na esfera pública, como na iniciativa privada, e no terceiro setor.Considerando o contexto geral do setor cultural, com intensas mudanças na última década (política de editais, aumento de recursos, programas de difusão e fomento), e a falta de apropriação de conhecimentos para acompanhar o desenvolvimento e debate do tema, ampliar as condições de formação e capacitação no setor, tendem a diminuir o distanciamento entre os principais atores do universo da cultura, com a sua própria condução nos espaços do governo e da sociedade em geral.

No tocante a capacitação, o Ministério da Cultura tem proposto uma linha que aborda desde a elaboração de projetos, à gestão de equipamentos culturais, a ampla discussão das políticas culturais, como também a inserção nas linguagens artísticas, patrimônio cultural, e demais áreas afins, trabalhando com técnicas e aplicações de temas específicos, de modo a consolidar o tripé da formação: técnica, arte e gestão. Das 53 Metas do PNC, cabe o destaque para 10:

Meta 11) Aumento em 95% no emprego formal do setor cultural - Esta meta enfatiza o especial cenário de investimento no setor cultural, considerando as exigências de praxe dos setores/mercado ( 1º, 2º e 3º setor), no tocante a formação oficial;

Meta 12) 100% das escolas públicas de Educação básica com a disciplina de Arte no currículo escolar regular com ênfase em cultura brasileira, linguagens artísticas e patrimônio cultural – Desde 1996, a Arte é reconhecida, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), como disciplina integrante do currículo das escolas e não apenas como uma atividade educativa. No entanto, nem todas as escolas oferecem esse ensino aos seus alunos. A disciplina de Arte deve atender às orientações do documento Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte, elaborado pelo Ministério da Educação (MEC). Deve também dar ênfase aos conteúdos de cultura brasileira, linguagens artísticas e patrimônio cultural, incluindo, entre outros temas, a história indígena, afro-brasileira e africana. Esta meta atende e exigência legal, destacando a necessidade de mão-de-obra específica;

Meta 13) 20 mil professores de Arte de escolas públicas com formação continuada, com a criação de mais de 1,3 milhão de empregos formais no setor culturalA maioria dos trabalhadores da cultura não tem emprego formal, com registro em carteira ou mesmo outro tipo de contratação. Os trabalhadores da cultura podem ser artistas, técnicos, produtores e muitos outros. As atividades reconhecidas do setor cultural estão na lista da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) criada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Para atender este patamar, especialmente proposto para rede pública de ensino (municipal e estadual), uma mão-de-obra especializada e devidamente certificada-diplomada, é fato sequente.  

Meta 15) Aumento em 150% de cursos técnicos, habilitados pelo Ministério da Educação (MEC), no campo da Arte e Cultura com proporcional aumento de vagas. Mesmo que a oferta de cursos na área cultural tenha sido ampliado nos últimos anos, essa oferta ainda não é suficiente para a diversidade das áreas do setor  cultural com suas especificidades e necessidades atuais.

Meta 16) Aumento em 200% de vagas de graduação e pós-graduação nas áreas do  conhecimento relacionadas às linguagens artísticas, patrimônio cultural e demais áreas da cultura, com aumento proporcional do número de bolsas - Triplicar as vagas de graduação e pós-graduação nas áreas de arte e cultura. O mercado de trabalho brasileiro tem aberto cada vez mais espaço para especialistas em linguagens artísticas, patrimônio cultural e cultura. Para responder a essa demanda, é preciso que esses profissionais se qualifiquem e que sejam abertas vagas para formação de profissionais de nível de graduação (bacharelado e licenciatura) e de pós-graduação, em todas as regiões do Brasil. O país precisa, também, aumentar a quantidade de pesquisas na área da cultura e, para isso, é preciso ter um número expressivo de pesquisadores e de bolsas. Além dos cursos classificados pelo Ministério da Educação (MEC) nas áreas de arte e cultura, será necessário criar outros que atendam melhor a essa demanda.

Meta 17) 20 mil trabalhadores da cultura com saberes reconhecidos e certificados pelo Ministério da Educação (MEC) Reconhecer os saberes de 20 mil trabalhadores de todas as áreas da cultura e dar a eles certificação profissional. O programa Rede Certific, do Ministério da Educação (MEC), é uma das iniciativas do Governo Federal para a certificação profissional dos trabalhadores brasileiros. Por meio desse programa, podem ser certificadas pessoas que têm conhecimentos muito específicos. Esses conhecimentos podem ser habilidades, atitudes e competências dos trabalhadores da cultura e independem da forma como foram adquiridos. Ao reconhecer a competência do conhecimento adquirido fora das escolas, a certificação profissional promove a produtividade e atua na inclusão social e profissional. Por exemplo, mestres da cultura popular e tradicional, como artesãos, rendeiras e tocadores de tambor, depois de certificados, poderão ser chamados a ensinar seus conhecimentos nas escolas.

Meta 18) Aumento em 100% no total de pessoas qualificadas anualmente em cursos,  oficinas, fóruns e seminários com conteúdo de gestão cultural, linguagens artísticas,  patrimônio cultural e demais áreas da cultura - Dobrar o número de pessoas qualificadas em cursos, oficinas, fóruns e seminários na área cultural. Esta meta tem como objetivo qualificar artistas, profissionais da cultura e gestores para a área cultural;

Meta 35) Gestores capacitados em 100% das instituições e equipamentos culturais apoiados pelo Ministério da Cultura;
Meta 36) Gestores de cultura e conselheiros capacitados em cursos promovidos ou certificados pelo Ministério da Cultura em 100% das Unidades da Federação (UF) e 30% dos municípios, dentre os quais, 100% dos que possuem mais de 100 mil habitantes;

Meta 44) Participação da produção audiovisual independente brasileira na programação dos canais de televisão, na seguinte proporção: 25% nos canais da TV aberta; 20% nos canais da TV por assinatura – A diversidade cultural brasileira pode e deve estar mais presente na programação televisiva. Para isso, é importante estimular tanto a produção como a circulação de obras independentes, estabelecendo uma participação mínima da produção independente brasileira na TV, tanto na TV aberta como na TV por assinatura.


Com este quadro, a partir da aprovação do PNC e o cumprimento das metas prioritárias, bem como todo processo que institucionaliza nas cidades, estados e União as peças integrantes dos Sistemas de Cultura, vivenciamos na cultura brasileira um cenário de passagem marcado pelo desafio da formação e profissionalização do setor, com um processo em construção que envolve toda sociedade, em especial os participantes do mundo da cultura.


Cleise Campos


Outubro de 2014- São Gonçalo/RJ



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Sugestões de leituras: 



Reflexões sobre a dramaturgia no Teatro de Animação para crianças / Valmor Beltrame



Associação Brasileira de Teatro de Bonecos



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