Texto 5.
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro - UERJ
Faculdade de Formação de
Professores
Programa de Pós-Graduação em
História Social
Curso de Doutorado
Área de
Concentração em História Social do Território
Linha
de Pesquisa Território,
Identidades e Representações
Projeto
de Tese
"Conselhos
Municipais de Cultura e a construção de políticas culturais no Brasil e na
Argentina: Investigando a participação social através da cultura, entre
fronteiras”
Autora
Cleisemery
Campos da Costa
Sumário
1.
Delimitação e justificativa
2. Objetivos
3. Referenciais
teóricos
4. Hipóteses
5. Metodologia
e documentação
6. Bibliografia
“A
reta é uma curva que não sonha”
Manoel
de Barros
1. Delimitação e justificativa
A proposta desta pesquisa,
um diálogo multidisciplinar, busca entender como se formam e como interagem os
diversos grupos sociais, dentro da História (uma História total, não apenas observados
os aspectos políticos ou econômicos). Segundo a historiadora Hebe Mattos de
Castro, a análise faz conexão com a História Social, considerando:
“[...] pressupõe que tanto os sujeitos
históricos como as estruturas, agem e interagem na construção e desenrolar dos
acontecimentos, entendendo como sujeitos históricos, atores sociais em diversos
campos de atuação” (CASTRO,
1997).
Desejo colaborar para aprofundar os conhecimentos históricos
no âmbito das políticas culturais, analisando os "Conselhos
Municipais de Cultura e a construção de políticas culturais no Brasil e na
Argentina: Investigando a participação social através da cultura, entre
fronteiras”, numa tentativa de compreender mais a discussão de políticas culturais no
campo da História, na perspectiva de diminuir as fronteiras e limites ainda existentes
sobre as políticas culturais e a História. O presente estudo será uma continuidade
de um trabalho teórico-prático no campo cultural, onde trato nesta análise “das interlocuções sociais, ao tentar
desvendar o que se passa por trás das estruturas sociais, buscando identificar
os traços invisíveis que não podemos notar através de um simples olhar de senso
comum” (BOURDIEU, 1989).
Exploro
o conceito de campo ao fazer uso do percurso
vivenciado na área cultural nas recentes duas décadas (como dirigente de uma
rede cultural que reuniu vários outros gestores e agentes culturais, como
assessora legislativa, pesquisadora, professora, e gestora pública de cultura -
municipal e estadual), contribuindo desta forma, com a própria pesquisa. Nesse percurso, onde se
desenrolam lutas pela detenção do poder simbólico, o destaque a ser
considerando, a serviço da pesquisa, é o capital social apreendido ao longo
dessa trajetória: à rede de relações interpessoais construída com outros
sujeitos sociais e seus desdobramentos nesses
diferentes espaços de “arenas” do meio social. A proposta de análise dos
Conselhos Municipais de Cultura compreendendo o recorte de uma década - 2004 a
2014, das cidades de São Gonçalo e Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro - Brasil,
e Mar del Plata na Argentina.
A escolha de um Conselho Municipal de Cultura de uma cidade
Argentina, encontra justificativa em função de diálogo anterior desenvolvido
presencialmente, entre os anos de 2008 e 2010, quando do intercâmbio
acadêmico promovido pelo Instituto Itaú
Cultural, atividade que integrou o Programa
Rumos Itaú Cultural Pesquisa:
Gestão Cultural 2007-2008, onde fui uma das 10 (dez) selecionadas na premiação
nacional. Na oportunidade, iniciei estudos presencialmente nas
cidades de Buenos Aires e Mar Del Plata, com os professores Rubens Bayardo -
Coordenador da Rede Iberformat, voltada para a formação de gestores culturais e
associada à Organização dos Estados Iberoamericanos, e Luis Porta - Director do
Centro de Investigações Multidisciplinares em Educação da Universidade Nacional
de Mar del Plata. Em especial, no ano de 2010 participei do Primeiro Congresso Internacional
de Gestão Cultural “Nuevos Paradigmas en el Marco del Bicentenario”, organizado pela
Associação Argentina de Gestores Culturais Universitários da Universidade Nacional de Mar Del/República
Argentina (21, 22 e 23 de outubro de 2010), oportunidade para conhecer mais a instituição que tem tradição
na formação no campo da gestão cultural.
Após o período
presencial mantive interação, via internet, com agentes e pesquisadores do
campo da cultura daquele país, em produtiva troca ao longo dos anos seguintes.
Tal fato foi estimulou a inclusão da
cidade de Mar Del Plata, que apresenta dados, indicadores e resultados no
âmbito das políticas culturais, em ligação direta com a formação de agentes
culturais, e sua atuação nos espaços sociais de decisões políticas, no seu território.
No tocante a perspectiva sócio histórica
sobre as políticas culturais na América do Sul, a pesquisa propõe comparar o
conjunto das políticas culturais dos dois países – Brasil e Argentina, incorporando
mais informações sobre as contribuições do Brasil diante dos países da América
do Sul. Maior país do continente, com avanços consideráveis na implantação de
políticas culturais, meu interesse é fortalecer o contexto da História
Brasileira em uma dimensão multidisciplinar, envolvendo para esse expediente,
as duas Universidades – Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a
Universidade Nacional de Mar del Plata.
Como na micro história,
a proposta da análise mira no resgate de parte das experiências individuais (e
locais), para o entendimento da política cultural, analisando as relações
desses atores no seu espaço social de atuação,
ao “buscar interpretações, remetidas para
suas determinações fundamentais que são o social, o institucional e, sobretudo,
o cultural” (CHARTIER, 2007). A narrativa é uma
tentativa de dar voz as pessoas comuns, as suas histórias de vida, as suas
narrativas culturais e as estruturas e versões que se interligam diretamente na
formulação de políticas culturais. Na presente análise, cabe aprofundar
historicamente o processo que institui os Sistemas de Cultura, a
partir da implantação do Sistema Nacional de Cultura Brasileiro, iniciado em
2004, onde estão integrados os Conselhos Municipais e
Estaduais de Cultura, em estudo comparativo com o Sistema de Cultura Argentino.
Para
percorrer parte do caminho de construção dos Sistemas de Cultura, apresento
breve traçado histórico da discussão de políticas culturais
resultantes da organização do Conselho Federal de Cultura do Brasil (décadas de
1930 e 1960), e do Conselho Nacional de Política Cultural (2005), e do processo
semelhante, do país vizinho.
Peças
estruturantes para a construção de políticas democráticas e ferramentas
estratégicas para a implantação de políticas culturais no estado fluminense e
no Brasil após a redemocratização, a pesquisa aborda os limites de atuação dos
Conselhos Municipais de Cultura, considerando os aspectos de formação do próprio
setor cultural, e certa tradição que acompanha a História do Brasil,
notadamente, sob a marca do dirigismo, do autoritarismo, e da exclusão social, com cenário semelhantes em outros países da América da Sul, como na Argentina. Mesmo
com a redemocratização parcial do Brasil em 1985, a Constituição de 1988 e a
ampliação da discussão das políticas culturais pós-2003, nas duas gestões do
Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que apresentam marcas de impactante
incentivo à escuta da sociedade), ainda assim, como aponta a filósofa Marilena
Chauí “é perceptível à fragilidade da condição da
chamada participação social, e ainda, os mecanismos de controle social, fruto
da construção ideológica do Estado Brasileiro, de não aceitação de uma real
democratização do mesmo” (CHAUÍ, 2006).
Para contextualizar, reflito sobre
alguns registros da História do Brasil Colônia, do Brasil Império, e Brasil
República, à luz do cenário das políticas culturais vigentes, a partir da
investigação de algumas trajetórias no campo das políticas culturais,
observando atitudes, modos de pensamento, costumes e iniciativas. A relação entre
a Cultura e o Direito, tanto sob a perspectiva histórica, como das
possibilidades de aprendizado dos processos possíveis de formação, do
compartilhamento de subjetividades e representações, e em especial, das
dinâmicas de tentativa de controle e ocupação do espaço, por parte da sociedade
civil. No seu discurso de posse no
Ministério da Cultura, em 2003, Gilberto Gil apresenta uma concepção
antropológica de cultura, que já naquele momento era um desejo do cantor-ministro, como linha de condução para a
pasta, com deliberação de políticas públicas que valorizassem a multiplicidade
dos saberes e das manifestações culturais no Brasil. O desejo expresso no
discurso de posse do Ministro, foi base da prerrogativa inserida formalmente na
Emenda Constitucional Nº 48, quando instituído o Plano Nacional de Cultura:
“I
- defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II - produção,
promoção e difusão de bens culturais; III - formação de pessoal qualificado para
a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV - democratização do acesso
aos bens de cultura; V - valorização da diversidade étnica e
regional" (CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL – 2005).
A implementação de políticas públicas de
cultura que estimulem uma constante relação entre Estado e Sociedade de forma
abrangente é uma preocupação que fica evidente na orientação do Plano Nacional
de Cultura: além de apresentar aos poderes públicos suas necessidades e
demandas, os cidadãos, criadores, artistas, produtores, agentes, animadores e
empreendedores culturais, são alertados para sua condição de corresponsáveis na
implementação e na avaliação das diretrizes e metas do Plano, participando de
programas, projetos e ações que efetivem o cumprimento do mesmo e dos Sistemas
(municipais, estaduais e nacional), como
destacado:
“[....]
como fundamentos imprescindíveis para uma democracia participativa e representativa
na gestão do Ministério da Cultura, a presença da Sociedade Civil, em especial,
através dos Conselhos de Cultura [....]” (MINISTÉRIO DA CULTURA, Brasil.2012).
Proponho
analisar as condições e o contexto histórico cultural para essa (ou dessa) participação
social, apontada pelo próprio poder público federal “como condição de fundamento imprescindível” (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2012), e os cenários e fatores, favoráveis
ou não, nessa discussão de instalação dos Sistemas de Cultura. Com foco na
política cultural, integrante do montante das políticas públicas que se
destacaram na reivindicação de sua própria implantação, com avanços, retrocessos,
conquistas e perdas no Brasil pós-1988, a análise sobre conselhos de cultura e
efetivação de políticas culturais tece esse ponto crucial: o antagonismo do
processo democrático, frente suas condições de formação, participação social e
os limites históricos enfrentados, no papel que é atribuído a esses conselhos,
de “salvaguarda” do conjunto das políticas públicas criadas no Brasil, sob o
viés da presença da representação social. Toda essa prática, recente e nova, é
a própria democracia brasileira em evidência, onde as conferências, os
conselhos, as trocas entre os órgãos culturais, a destinação de recursos, o
acesso à fruição dos bens e meios de produção culturais, consolidam as
articulações possíveis para que o direito à cultura, este também um preceito
constitucional de 1988, seja materializado, em realidade mais próxima do
exequível:
“O Brasil inaugura, a partir de 2003, um amplo pensar
sobre a política cultural em todo o território nacional, “reverberando para
alguns países da América do Sul um estímulo novo na assimilação do conceito de
cidadania cultural e dos direitos culturais” (MEIRA, 2004)
2. Objetivos
Geral - Analisar o processo de
participação da sociedade no âmbito do setor cultural na implementação e
controle das políticas públicas de cultura.
Específicos
·
Identificar e descrever parte do
percurso dos Conselhos de Cultura de duas cidades brasileiras e
uma cidade da Argentina, no tocante sua
atuação na efetivação e instalação dos Sistemas de Cultura e sua
representação social e identidades;
·
Localizar as potencialidades, limites e
tensões quando da atuação dos conselhos de cultura na efetivação de políticas
culturais, considerando a configuração dos limites históricos identificados na
História Social contemporânea;
·
Contextualizar a retomada dos direitos
culturais e a democracia representativa,
participativa e deliberativa no Estado brasileiro, através da presença e
atuação dos conselhos de cultura;
·
Reconhecer as diversas vozes que atuam de modo
convergente ou divergente, como atores do processo de construção das políticas
públicas;
·
Colaborar na atualização do levantamento
bibliográfico sobre o tema das políticas culturais no Brasil;
·
Associar as iniciativas de comunicação
cultural e social, no âmbito da atuação dos Conselhos de Cultura, com o local,
o nacional e o internacional;
·
Refletir acerca do contexto das políticas culturais
entre Brasil e Argentina;
·
Contribuir para maior visibilidade sobre
as políticas culturais e sobre a cultura no cenário acadêmico brasileiro, para
maior integração dos temas Educação, História e Cultura;
·
Estimular a ampliação do repertório
historiográfico sobre as políticas culturais no Brasil, no campo da História
Social.
3.
Referenciais
teóricos para fundamentação do presente
estudo
Com a Constituição de 1988, um período
difícil é encerrado no Brasil (a ditadura civil-militar de 1964-1985), ainda
que seus efeitos ainda perdurassem um tempo para dissipação total. A
redemocratização brasileira tem na Carta Magna um marco legal, onde o conjunto
de direitos sociais foi reunido, resultado de um processo beligerante e tenso
que envolveu vários atores sociais, em especial, no meu trabalho, a Cultura. Os
anos marcantes das décadas de 1970 e 1980, onde a democracia e os direitos civis
foram duramente afetados, são razões que embasam boa parte da Constituição Brasileira.
Ampliar – e mesmo garantir - a participação social nas decisões e implementação
das políticas públicas era uma necessidade, tamanho o temor do possível retorno
aos anos de chumbo, soma angustiante de cenário anterior de exclusão social,
como na Era Vargas, e nos séculos anteriores, a própria escravidão.
A soma desses tempos da História
brasileira incide diretamente na prática da democratização do Estado, onde o
exercício da participação social é cenário de estranhamento: a população custa
a reconhecer seus direitos, ou alguns dos novos direitos garantidos na nova
Constituição. A partir desta, a institucionalização dos conselhos é a novidade
que possibilita uma fundamental forma de expressão, transpassando anos de
proibição ou inibição da representação popular. Ao contrário das experiências
anteriores de organização de conselhos, naquele momento eles passam a
reunir representantes das institucionais
estatais e os novos ou revitalizados movimentos sociais. O discorrer e compreender esse período é sintomático para a
análise que rege essa pesquisa, no sentido de aprofundar a
dimensão da importância da participação social, através dos conselhos de
cultura, no processo decisório das políticas culturais no Brasil, após a
Constituição Brasileira de 1988.
Como apontado na justificativa deste
projeto de pesquisa, observo a necessidade de conhecer mais profundamente a
forma adotada nessa/dessa participação social, buscando identificar os
instrumentos que foram encontrados, adotados e estimulados para
operacionalização de sua atuação, considerando os limites e tensões que
problematizaram tal atuação – quer na sua própria formação cultural, quer pelos
limites históricos (e quais), encontrados (ou herdados?). A Constituição Brasileira, no seu
artigo 215, assegura a Cultura como direito inalienável para todos.
Mas
se a Carta Magna já estabelece o que deve ser cumprido no tocante à cultura,
para que os Sistemas de Cultura? O que deve ser desdobrado ou implementado ? Podemos
pensar na utilidade dos sistemas justamente para que o direito à cultura se efetive, para que seja uma realidade sob a guarda
e a proteção dos seus respectivos protagonistas – conhecedores de sua realidade
local (nos municípios e estados), onde a União assume papel norteador, com um
padrão que integre e articule todos os entes federados.
Os sistemas de cultura, no seu conjunto
de instrumentos integrantes, oferecem
mecanismos reais para que o direito à cultura se materialize. Com os
sistemas, temos mais chance de aprimorar o que já existe, a partir da
Constituição, considerando a institucionalização da cultura, como política de
Estado. Bernardo Mata Machado (MATA MACHADO, 2004), pesquisador mineiro,
destaca a instituição dos Sistemas, em harmônica articulação federativa
integrando municípios, estados e a união, em especial na elaboração dos Planos
de Cultura e com a participação dos Conselhos de Cultura, na melhor e mais
assertiva projeção do setor:
“(...) é possível ter uma real radiografia do que temos, o que queremos ter, e
o que é preciso fazer para ter, para
chegar lá, quem vai fazer acontecer, para onde orienta nosso desejo.”
(MATA MACHADO, 2004),
Tal ação é medida indiscutível na
potencial ampliação do acesso e democratização da cultura, desejo comum entre
todos que atuam na área cultural – gestores públicos e conselheiros de cultura,
agentes e animadores culturais, especialistas e professores. A cada passo que a política cultural é
aprimorada, aprofundamos a democracia, vivendo plenamente nossa condição cidadã
do direito exercido. Para cumprir o que está determinado no citado artigo
constitucional, na realização de prestação de serviços ao público no acesso às
atividades culturais (na sua condição dinâmica e complexa), é que se justificam
a implantação dos sistemas de cultura.
Perseguindo essa meta - a promoção do acesso e a democratização da
cultura – como fruição e conquista dos meios de produção para todos,
como um dos benefícios diretos a ser considerado nas cidades, quando da
instalação dos seus sistemas, e a participação dos Conselhos de Cultura nessa
engrenagem, transito com a indagação quanto à possibilidade de operar a
transposição do discurso institucional para execução da ação, com
representantes da sociedade civil nessa tarefa.
É este momento - o papel destacado para os Conselhos de Cultura - que
tenciono analisar. Contextualizar políticas culturais e História Social,
analisando os possíveis roteiros de dependência, onde quase sempre estaciona a
política cultural.
Estabelecer diálogo e articulação entre
os agentes culturais e a própria sociedade é uma prática recente, considerando
a própria História da Política Brasileira, sobretudo, das políticas culturais,
permeada durante séculos pelo dirigismo, sem condição de diálogo ou participação social nas
esferas de poder. Pretendo investigar quanto à presença da sociedade civil
nesse processo de efetivação das políticas culturais: se foi modernizada e ampliada
à prática da participação e escuta da
sociedade civil, ou não; se foi operada a garantia
do controle social, com a
fiscalização das ações e efetivação das decisões tiradas nos conselhos, nos
fóruns e conferências de cultura, em seu aspecto mais amplo, ou não, em atenta
referência ao histórico que marca a sociedade brasileira, segundo o pesquisador
baiano Albino Rubim quando destaca:
“A
trajetória brasileira das políticas culturais produziu tristes tradições e
enormes desafios. Estas tristes tradições podem ser emblematicamente
sintetizadas em três palavras: ausência, autoritarismo e instabilidade.”
(RUBIM, 2007).
Enfrentando a tradição do autoritarismo,
que tem como um dos traços ainda presentes nas gestões culturais a ausência de
diálogo, é justamente com a participação de vários atores que o processo tende
a apresentar mudanças, com adoção de uma prática mais comprometida com o
diálogo. Neste aspecto, analisar o papel e atribuição dos Conselhos de Cultura,
pode ou não apresentar um quadro que atenue a condição histórica da inibição –
e em alguns casos de desconfiança - de boa parte dos participantes da sociedade
civil nas discussões e encaminhamentos sobre políticas e ações culturais.
Faço referência às contribuições da
historiadora Lia Calabre (pesquisadora
responsável pelo setor de políticas culturais da Fundação Casa de Rui
Barbosa – FCRB/Ministério da Cultura), que aponta em suas pesquisas do período
inaugurador das políticas culturais no Brasil, as principais características da
inovadora experiência de gestão pública cultural implementada na cidade de São
Paulo, com a presença de Mario de Andrade no Departamento de Cultura da
Municipalidade de São Paulo, em 1935-1938.
O registro da historiadora ressalta um valioso tempo percorrido no
processo de construção de políticas culturais no país:
“A cultura com base em um conceito
mais amplo, antropológico, com efetividade da democratização da gestão e das
políticas públicas, tem espaço recentíssimo na história republicana do Brasil,
em uma sucessão de fatos mais relevantes, ao longo das últimas oito décadas”
(CALABRE, 2009).
Outros
marcos emblemáticos, além da gestão de Mário de Andrade e da promulgação da
Constituição em 1988, contribuíram com
uma estrutura um pouco mais democrática, combinando com o período político de
redemocratização iniciado em 1985. Dentre esses marcos, destaco
importantes considerações da pesquisadora e gestora cultural Isaura Botelho (BOTELHO,
2001), que auxiliam na investigação.
São eles:
·
As
transformações ocorridas no final da década de 1970, no âmbito federal, em
plena ditadura militar, sob a direção de Aloísio Magalhães à frente da
Secretaria Nacional de Cultura do Ministério da Educação e Cultura – MEC. O
gestor, um prestigiado designer, galgou espaço na estrutura do governo federal,
após realizar e estimular pesquisas no Centro Nacional de Referência Cultural;
·
A
criação do próprio Ministério da Cultura – MinC (1985);
·
A
presença de Marilena Chauí como titular na Secretaria Municipal de Cultura de
São Paulo (1989-1992), gerando as formulações de cidadania cultural que
orientam diversos programas e políticas culturais no Brasil;
·
A
chegada de Gilberto Gil, à frente do Ministério da Cultura (2003), ampliando em
escala nacional a discussão da política cultural, antes restrita as áreas de
Artes e do Patrimônio, e a partir de então, incorporando outras dimensões, como
a simbólica, econômica e a cidadã, como vimos ao longo
de sua permanência como Ministro de Estado;
·
A
realização nos diversos estados brasileiros dos seminários Cultura para Todos
(2003), que
reuniram intelectuais, pesquisadores, agentes e trabalhadores culturais para
debater a construção de uma política de Estado para a cultura, provocando debates e discussões
sobre políticas e ações estruturantes para o campo da cultura;
·
A “Agenda 21 da Cultura”, em 2004, onde
secretários e agentes de cultura de vários países reuniram-se em Barcelona,
originando a formulação do documento que tinha o Brasil como país signatário, e
orientava para uma maior participação da sociedade civil na área cultural.
O conjunto desses fatores e articulações, possibilitaram a
consolidação de uma política nacional para a cultura, com amplitude em quase todo
território brasileiro, quando foram convocadas as primeiras conferências municipais, estaduais e
setoriais de cultura - bases para a 1ª Conferência Nacional de Cultura (palco
de discussão do Plano Nacional de Cultura – PNC), e do Conselho Nacional de
Política Cultural – CNPC, em 2005.
Era o começo de uma maior integração das ações do poder público,
com a sociedade civil. A partir desse conjunto de marcos,
foram sendo estabelecidas outras ações significativas em uma perspectiva
sistêmica e estruturante para o setor cultural. O rico processo das demais conferências
nacionais de Cultura, realizadas em 2010 e 2013, foi decisivo para o avanço da
comunicação, potencializando a escuta e a fala da sociedade civil. Os delegados
eleitos pela sociedade civil, participantes das conferências, foram maioria em
todas as suas etapas – municipais, estaduais
e nacional, em uma conta percentual propositadamente estabelecida pelo
Ministério da Cultura, numa clara medida de dar “voz” a sociedade civil. As
conferências e conselhos não foram invenções da Constituição de 1988, ou ainda,
dos recentes governos, entre 2004 e 2014, conforme a delimitação temporal da
pesquisa que ora objetivo empreender:
“Desde
a era Vargas, os conselhos e conferências foram criados para estruturar as
políticas públicas na área da educação, saúde, e cultura - a Primeira
Conferência Nacional de Saúde ocorreu em 1940, de lá para cá, foram realizadas
no Brasil até 2012, cento e quinze conferências nacionais.” (CALABRE, 2009).
A diferença potencial entre essas duas
conjunturas (do período Vargas e Governo Lula), é que, nesse período mais
recente, a sociedade foi “convocada” a participar. Na Primeira Conferência
Nacional de Cultura em 2005, os delegados sinalizavam sobre a necessidade de
uma espécie de SUS (Sistema Único de Saúde) para a Cultura, ou seja, um Sistema
Nacional de Cultura, integrando, como na Saúde, poder público e sociedade civil
na estruturação e fomento do setor – fato marcante para iniciar a organicidade
de toda uma engrenagem sistêmica de cultura, como realidade exequível no
Brasil, contando em especial, com a liderança do Ministro Gilberto Gil. Ainda
em 2005 é criado o Conselho Nacional de
Política Cultural (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Brasil. 2005), inovando com a eleição de
representantes da sociedade civil, mudando a antiga tradição da indicação, com
nova composição paritária entre governo e sociedade, com caráter consultivo e
deliberativo.
Um momento chave de rompimento com o
histórico dos conselhos e fóruns de cultura anteriores, como um lugar de
notáveis, sem eleição, a exemplo do próprio Conselho
Nacional de Cultura-CNC, criado em 1938, a partir do Decreto-Lei nº
526, integrante do então Ministério da Educação, da Saúde e dos Negócios
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Brasil.1938), ou
ainda o Conselho
Federal de Cultura, criado em 1961, com o Decreto nº 50.293, de 23 (PRESIDÊNCIA
DA REPÚBLICA, Brasil.1961), um e outro, referência para os
modelos de conselhos municipais e estaduais no Brasil, onde seus integrantes
eram convidados e/ou indicados pelos respectivos chefes do executivo.
Vários estados e
municípios passam a aderir esse novo formato para os Conselhos – a exemplo do
Estado do Rio de Janeiro, que aprovou a sua Lei da Cultura, em 2015, pela Assembleia
Legislativa do Estado Rio de Janeiro, após um longo processo de discussões
entre o poder público e a sociedade civil, quando é instituído o Sistema
Estadual de Cultura do Rio de Janeiro - Lei 7035/2015.
Com a criação do novo
Conselho Nacional de Política Cultural, a sequência de um conjunto legal com
várias leis e decretos, inaugura a linha norteadora das políticas culturais em
velocidade ímpar, como o Plano Nacional de Cultura que é instituído pela Lei no
12.343, de 02 de dezembro de em 2010, e com a nova emenda constitucional de Nº
71, 29/NOV- em 2012, é designada a organização do Sistema Nacional de Cultura.
Todo esse conjunto legal, compreendendo o que propunha a emenda Constitucional Nº 48, em
agosto de 2005, no seu Artigo 215:
“Art.
215 O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes
da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das
culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos
participantes do processo civilizatório nacional.
§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas
comemorativas de alta significação para
os diferentes segmentos étnicos
nacionais.
§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de
Cultura, de duração plurianual, visando
ao desenvolvimento cultural do País
e à integração das ações do poder público que conduzem à:I - defesa e
valorização do patrimônio cultural brasileiro; II - produção, promoção e
difusão de bens culturais;
III
- formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas
múltiplas dimensões; IV - democratização do acesso aos bens de cultura; V -
valorização da diversidade étnica e regional.”
É
nesse novo cenário de participação social e ampliação do debate sobre as
políticas de cultura no Brasil, que tem sido construído o Sistema Nacional de
Cultura - SNC, que articulou oficialmente uma agenda de planos e ações no/para
o país, onde cada ente federativo, nos três níveis, estrutura o seu próprio
sistema, onde os Conselhos de Cultura, tendem a ocupar um lugar protagonista
capaz de fazer movimentar essa engrenagem. Cabe a análise dessas peças
integradas – Ou não, constatar a existência – ou não, desse conjunto harmônico
(conselho, plano, fundo), e dos variados instrumentos de ação, participação
social, a partir do estudo de caso de dois Conselhos Municipais de Cultura no
Brasil (São Gonçalo e Petrópolis), e um Conselho Municipal de Cultura na
Argentina (Mar del Plata).
A
pesquisa desenvolverá uma análise
comparativa, também, entre as duas
cidades do estado fluminense - São Gonçalo e Petrópolis, que apresentam diferenças na condução das
políticas públicas, em especial, a política cultural e o funcionamento dos seus
Conselhos Municipais de Cultura, nos seus respectivos contextos locais. Para este estudo
comparativo, cabe um olhar atento na construção histórica das duas cidades,
embora localizadas no mesmo estado, apresentam características opostas
(econômicas, sociais, políticas e climáticas).
Ainda sobre a escolha de
uma cidade Argentina, destaco o investimento de uma análise comparativa por
conta de trajetórias históricas entre o Brasil e o país vizinho, num compasso
de semelhanças que “se repetiram”, com fatos presentes nas respectivas
histórias, tanto do Brasil, como na Argentina, que refletiram diretamente no
cenário político-cultural dos dois países da América do Sul: a tradição
religiosa, a presença da colonização ibérica, a marca de uma economia voltada para
a exportação, o marco de uma ditadura civil-militar recente, os avanços e
revezes nos governos centrais, a prática do capitalismo que produz diferenças
agudas na população, em nítido retrato de desigualdades sociais.
Mais pontualmente, me proponho a abordar pontos da história Argentina, sob um olhar comparativo com a própria história Brasileira, como por exemplo, quanto à presença do Presidente argentino Domingo Faustino Sarmiento “um escritor que desde os meados do século XIX defende o avanço do seu país, implantando a escola pública e gratuita como principal instrumento para o desenvolvimento da Argentina, que assimilou a importância de uma política de alfabetização e instituiu o ensino público, laico, obrigatório e gratuito” (ZAMBRANO,2001), analisando até onde tais iniciativas repercutiram na construção de uma nação argentina mais culturalmente avançada.
Mais pontualmente, me proponho a abordar pontos da história Argentina, sob um olhar comparativo com a própria história Brasileira, como por exemplo, quanto à presença do Presidente argentino Domingo Faustino Sarmiento “um escritor que desde os meados do século XIX defende o avanço do seu país, implantando a escola pública e gratuita como principal instrumento para o desenvolvimento da Argentina, que assimilou a importância de uma política de alfabetização e instituiu o ensino público, laico, obrigatório e gratuito” (ZAMBRANO,2001), analisando até onde tais iniciativas repercutiram na construção de uma nação argentina mais culturalmente avançada.
No conjunto das palavras chaves
norteadoras dessa escrita, destaco: História;
História Social; Cultura; Direito; Cidade; Políticas Culturais; Participação
social; Formação; Movimentos Sociais;
Territórios, onde proponho juntar ao ofício da historiadora e pesquisadora, a energia do sonho de uma
fazedora cultural, que insiste em teimar no movimento da engrenagem da vida,
pela presença mais espontânea e ampla da cultura para/na sociedade, projetando
melhores tempos para o futuro. E entendendo que essa agenda estará em cheque,
precisando ser novamente reafirmada no período que se avizinha em nível nacional,
acredito que cabe também aos pesquisadores e as instituições de pesquisas, atento
resguardar.
4. Hipóteses/ Questões
de Estudo
A
trajetória percorrida pelos Conselhos de Cultura na efetivação de políticas
culturais, à luz da História contemporânea recente do Brasil, onde a própria
importância da Cultura é questionada, tem apresentando um cenário de avanços e
retrocessos, ganhos e perdas. Entendendo
que Cultura apresenta conceitos múltiplos e interdisciplinares, que transitam
em frequente movimento, a presente análise estuda o contexto contemporâneo
brasileiro do século XXI, constando que, apesar do amplo debate pós-redemocratização,
o “tamanho” da participação social e sua circulação/atuação no campo das
políticas culturais, figura entre o
tímido e o modesto.
Processo
em construção, em afirmação, a pesquisa buscará analisar e posicionar esse
instrumento chave dos Sistemas de Cultura, um dos responsáveis pela própria
movimentação dessa engrenagem, onde as disputas sobre o direito à cultura e da própria
política cultural, ainda estariam em cheque. Requerendo mais investimento na
formação e na capacitação, a legitimação dos Conselhos de Cultura nas suas
respectivas instâncias de atuação, seja nos espaços de representatividade da
sociedade, de fóruns de organização da sociedade civil, ou nos colegiados
formalmente instituídos, ainda carece de mais vozes (ou outras vozes), para
maior grau de interferência nas decisões e gestão das políticas públicas. A
pesquisa abraça a complexa tarefa de analisar a representatividade dos
Conselhos de Cultura, suas atribuições, que envolve diretamente a efetivação de
direitos.
Qual
tamanho real da “força potente” atribuída aos Conselhos de Cultura, de
forma assentada e contínua, no Brasil de
hoje? Como a diversidade da Cultura Brasileira, que se apresenta como uma
referência em destaque no mapa da América Latina, dialoga com a própria História Social do
país, oriunda das marcas profundas de preconceito e exclusão? Nessa perspectiva
histórica, analiso a participação social como promotora de transparência de
deliberações e visibilidade das ações, com vistas a democratização do sistema
decisório, se permite, ou não, maior expressão e visibilidade das demandas. Se
essa participação é capaz de estimular e ampliar a promoção da igualdade nas
políticas públicas, por meio de inúmeros movimentos – como os Conselhos de
Cultura, e constatar, ou não, se tal ação apresenta um caminho para o
alargamento de direitos, capaz de executá-los no interesse público.
No relatório do Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento – PNUD/UNESCO (2004), que trata dos Direitos e liberdades culturais no centro da
temática sobre o desenvolvimento, o documento destaca que para o mundo atingir
os objetivos de desenvolvimento do milênio, e acabar por erradicar a pobreza,
precisa enfrentar primeiro, o desafio da construção de sociedades culturalmente diversificadas e
inclusivas. Essa tarefa do “mundo”, é,
sobretudo, um desafio a ser encarado nas cidades, com o exercício da
democracia, na prática dos direitos culturais, de onde enxergamos,
inegavelmente, a importância da Cultura. A própria UNESCO trabalha nessa
tarefa, ao longo de 80 (oitenta) anos, desde a década de 1940, no século XX,
com a elaboração de documentos que tratam dos direitos culturais.
Na visão do especialista em políticas culturais Teixeira
Coelho, a provocação de que “todos
querem a cultura, mas ninguém quer pagar pela cultura”
(COELHO, 2008), é um alerta
na contramão do que aponta o relatório
da UNESCO, uma provocação, frente à constatação de cientistas sociais das
grandes nações europeias, em 2001, que potencializa a cultura como 4ª pilar de
crescimento e desenvolvimento mundial, atrás da economia e do meio ambiente.
Mirando esse olhar para o mundo, a pesquisa foca na importância das cidades
nesse mapa global. O gestor cultural Aloísio Magalhães (1997) sempre
potencializou o tamanho dos municípios, das cidades, destacando que é na cidade
o lugar primeiro de se pensar a cultura, buscando proteger, apoiar, promover e
garantir o acesso e a manutenção dos bens culturais, como pontua:
“É
na cidade que estão os blocos de rua, as manifestações culturais populares, os artistas,
os artesãos... É na cidade que vivenciamos o despertar das artes, onde
preservamos a memória, que nos apropriamos do saberes e fazeres culturais, nas
suas diferentes expressões. É na cidade que a determinação de resolver os
problemas deve ser o primeiro pré-requisito da ação de proteção do bem cultural,
desenhando um caminho, mais do que detalhar uma trilha” (MAGALHÃES, 1997).
Nas cidades, as políticas públicas de
cultura tendem a apresentar instável cenário em seus processos e etapas de
implantação. Frente a tal cenário, de idas e vindas, desnudar as cenas de
antagonismo do processo democrático, no âmbito das políticas culturais, pode
ser assimilado nessa pesquisa como uma tarefa de contribuição na preservação do
conjunto das políticas culturais que foram criadas no Brasil redemocratizado,
sob o viés das múltiplas representações sociais, com a participação de muitos
“fazedores culturais”. E que não sejam perdidas (ou esquecidas).
5.
Fundamentação teórico-metodológica e procedimentos de produção de dados
Delineados os fundamentos teóricos, apresento
as orientações metodológicas que vão nortear a cientificidade da pesquisa,
trabalhando os objetivos apresentados a partir de uma pesquisa qualitativa,
baseada na percepção da realidade construída por indivíduos que interagem com
seu mundo social. A participação social, o ser social e histórico é meu foco de
estudo. Como pesquisadora, foco a orientação metodológica do trabalho nos
significados possíveis oriundos da relação com as outras pessoas, com o mundo
em que vivem, com “a rede resultante da conexão
dos fatos históricos, quer seja, a própria História Social” (CASTRO, 2001).
O desenvolvimento da análise será o
contexto apresentado no marco das políticas culturais, sendo o principal
produto da pesquisa qualitativa o argumento, fruto das combinações entre a
descrição e interpretação do objeto analisado. Além do estudo dos textos
(especialmente os documentos oficiais fundadores dos sistemas e conselhos de
cultura etc...), a parte fundamental do trabalho que me proponho a desenvolver,
como historiadora, é procurar entender as relações entre o texto e as práticas
às quais ele se refere, considerando para este expediente, tanto os relatos, os
depoimentos, as entrevistas (representantes dos conselhos das cidades aqui
mencionadas, e ainda, gestores públicos
municipais, estaduais, e federais de cultura), a análise documental, como
apreciação de fatos.
A pesquisa será desenvolvida em íntima
relação com a realidade investigada, nas suas variadas etapas (cito a vivência
no campo, antes e no decorrer da pesquisa; as entrevistas semiestruturadas (agentes
culturais atuantes na sociedade civil, gestores públicos de cultura atuantes
nas unidades administrativas de cultura, pesquisadores do campo da cultura,
artistas, consumidores das atividades culturais) a análise
de textos; a contextualização de fatos; e a própria escrita da narrativa).
Aprofundar a discussão através da
presença dos testemunhos, do protagonismo de atores individuais e coletivos
através do uso da documentação oral, da comunicação cultural, das novas formas
narrativas, dos acervos audiovisuais e da memória, todos, como “construtores”
da História, é meta desta pesquisa. Como diálogo multidisciplinar, a análise se propõe a cruzar uma gama de fontes consideradas históricas,
convertendo a produção humana em documento, ampliando a própria produção
historiográfica (além de livros publicados, fazer uso de monografias,
dissertações, teses, artigos, ensaios e trabalhos apresentados em congressos,
simpósios e conferencias), inserida no âmbito da História Social.
De posse destas fontes, minha motivação
é facilitar o mais possível o decifrar dos dados entre o transcorrer do tempo
(curto, micro e macro), que trata a própria análise, dentro da História. Como o historiador Eric Hobsbawm
problematizou o período 1875-1914, começando pela própria história da sua
família (HOBSBAWM, 1990), recorro a uma dimensão autobiográfica e das fontes de
acervo próprio, sem a pretensão de uma narrativa auto referencial. Ao inserir parte da minha própria
vivência-existência social, tão somente desejo contribuir na composição de uma
parte do tempo que trata a pesquisa, sua escrita, leitura e
releitura. A propositiva, na verdade, é uma tentativa de traduzir o empírico em
sensibilidades, buscando resgatar a experiência do que foi vivido, sem que
minha particular paixão pelo tema, seja um destaque a ser “amplificado” no
decorrer da pesquisa. Segundo Hobsbawm o maior desafio do historiador que se
debruça sobre uma pesquisa é o seu próprio tempo, uma vez que
“[...]
ele afeta aos historiadores de todas as gerações e infelizmente está menos
sujeito à rápida revisão à luz dos acontecimentos históricos, embora felizmente
não esteja imune à erosão da mudança histórica” (HOBSBAWM,
1998).
Observo que ainda somos poucos os que
estão dispostos a investigar problemas ou assuntos relacionados à política
cultural (tanto na sociedade de modo geral, ou mesmo na comunidade
intelectual). Assim, como a historiografia é feita por profissionais que se
“engajam” em sua contemporaneidade, não apenas para desvelar o passado, como
reitera Hobsbawm, mas em especial, para problematizar o seu próprio tempo, a
partir daquilo que nos mobiliza no presente, aqui me coloco a disposição para
investigação desse tema em análise.
Considerado um precursor importante
deste novo campo analítico que lida com as relações entre as emoções, a
participação individualizada dentro dos coletivos, a cultura, e a sociedade no
Brasil, o antropólogo Gilberto Velho explora uma realidade brasileira que
dialoga com a linha desta pesquisa. O antropólogo destaca em sua obra sobre as
possibilidades de coexistência de espaços díspares e até antagônicos nos
trajetos experimentados pelos indivíduos, numa coexistência sempre tensa, por se
situar em uma pluralidade de tradições e ordenamentos simbólicos:
“Uma curva de vida que nada mais é do
que o conjunto de trajetórias, de negociações, de mudanças e experimentações de
um indivíduo em relação com outros. Tal trajetória é uma constatação do
resultado de opções, negociações e disputas no interior de um campo de
possibilidades, dentro das perspectivas
abertas pelo contexto sócio histórico e cultural em que um indivíduo está
inserido” (VELHO,1981).
Conhecer e descrever a História desse lugar
(de expectadora, testemunha e pesquisadora), faz parte do desafio desta
análise, ou seja: como se encontram, numa perspectiva histórica, as políticas
culturais das cidades em observação, no estado do Rio de Janeiro – Brasil, e na
América do Sul, neste tempo curto recente. Como desenvolvido na dissertação de
Mestrado, me coloco nesta nova análise novamente no papel de pesquisadora e
pesquisada, onde, em alguns momentos a dimensão empírica desta investigação,
que se estende ao longo de uma década (2004 a 2014), trato na linha de
condução, equacionar a inclusão da minha própria atuação como agente cultural e
gestora cultural, no “olho do furacão”, participante das ações aqui
analisadas.
O uso de dados secundários e dados
primários será uma constante na pesquisa. Enquanto os dados secundários são
preexistentes à pesquisa, organizados e estruturados por meio de banco de
dados, arquivos, relatórios, publicações de divulgação ou científicas,
dissertações e teses, os dados primários são obtidos diretamente pela
pesquisadora, a partir de informações coletadas, sintetizadas e interpretadas.
Integram um conjunto documental
fruto de uma pesquisa mais detalhada (administração pública, jornais e
entrevistas), que exigirá uma análise do discurso. A
principal fonte de dados secundários foi o acervo de documentos acumulados e
ordenados ao longo de anos de participação no cenário cultural em causa,
composto principalmente de: atos oficiais, documentos oficiais no âmbito das políticas
públicas de cultura, relatórios, atas de reuniões, relatos de encontros e
fóruns, decretos e portarias, textos de leis, relatórios de gestão, leis, atas, relatórios, programas
de governo sobre cultura e educação.
Também serão analisados e consultados matérias jornalísticas, sites da internet e anotações próprias
realizadas quando da participação nos diversos eventos que compuseram o cenário
da cultura fluminense no período de tempo em estudo. A coleta destes dados,
para além do acervo mencionado, implicará um trabalho de sistematização das
informações enquanto dados para a pesquisa. Para além disto, fazer uso de trabalhos acadêmicos, como
dissertações e teses, cujos temas abordam o objeto que trata essa pesquisa, a
partir de outras perspectivas, bem como textos elaborados por autores não
acadêmicos (gestores culturais, formuladores de políticas culturais,
jornalistas, artistas e trabalhadores de cultura, intelectuais e escritores),
cujas vivências enriqueceram e enriquecem o esforço multidisciplinar desta
pesquisa. Os dados primários para além da vivência relatada, é material que
será obtido a partir de entrevistas semiestruturadas, questionários, e
depoimentos, me valendo dos preceitos da História Oral.
A pesquisa mergulha de modo especial na História Oral, a História
do tempo presente, onde a análise discutirá implicações diretas frente a percepção do passado em continuidade
com o hoje, considerando que o processo histórico não está acabado. Para além
da consagrada e exclusiva linha tradicional adotada pela História tradicional (documentação escrita e oficial),
os relatos tem espaço com valor histórico, onde os depoimentos gravados se
transformam em documento histórico a ser considerado para sequente análise.
Nesse sentido, destaco três modalidades
que constituem metodologia adotada para as entrevistas, amplamente credenciada
por Bom Meihy (1996): história oral de vida, história oral temática e tradição
oral. Na história oral de vida o entrevistado vai dissertar livremente sobre
sua experiência pessoal. Na história oral temática será estabelecido um assunto
específico. Na tradição oral, o foco é a permanência dos mitos, a visão de
mundo de comunidades que têm valores filtrados por estruturas mentais
asseguradas em referências do passado remoto. Dentre as três modalidades, minha
pesquisa centrará nas duas primeiras,
prevendo integração com outras fontes (confrontando com as fontes escritas, sua
utilização multidisciplinar). É trazer à tona o indivíduo como sujeito da
História, recompor histórias de vida, em especial daqueles indivíduos comumente
“sem voz”. Desejo aprofundar a discussão através dos testemunhos, dos atores
individuais e coletivos através do uso de uma documentação oral, da comunicação
cultural, das novas formas narrativas, dos acervos audiovisuais e da memória,
todos, como “construtores” da História.
O uso de entrevistas com diferentes
informantes-chaves é uma forma de consolidar e confrontar os resultados obtidos
nos dados secundários, bem como possibilitar a voz de modo especial aos
gestores e agentes de cultura, captando seus discursos e avaliações. Somando-se
a tal coleta, meus acúmulos de trabalho de investigação vivência no campo,
enquanto pesquisada e pesquisadora. Serão realizadas entrevistas nas cidades
brasileiras de São Gonçalo e Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro - Brasil,
e na cidade de Mar del Plata, na Argentina. As entrevistas apresentarão um
roteiro orientador aberto para oferecer uma linha geral, com flexibilidade para
incluir novas questões, considerando as especificidades de cada uma das três
cidades nos dois países (Brasil e Argentina). Serão apresentados questionários,
dos quais a maioria poderá ser respondida por escrito pelos informantes,
retornados por Internet (rede social, vídeos ou aplicativo de celular), e/ou
pessoalmente.
O roteiro de visitas ao campo empírico estarão
associadas pelas leituras de textos da área de História, da História Social,
das políticas públicas, das políticas culturais e gestão cultural, documentos
oficiais de prefeituras, do governo estadual, do governo federal brasileiro, do
governo federal argentino, e organismos internacionais, e ainda, postagens nas
redes sociais. Como no investimento desenvolvido no Mestrado, a opção por um olhar
multidisciplinar continua, considerando as áreas que interagem com o objeto que
trata a pesquisa, percorrendo especialmente, a sociologia, antropologia,
filosofia, comunicação, ciência política, e educação.
Como estratégia de valorização das entrevistas,
além do esforço de encontros presencias nas três cidades (São Gonçalo,
Petrópolis e Mar de Plata), desejo explorar
o recurso do audiovisual com a organização de uma série “web”, transformando as entrevistas em
capítulos, em roteiro a ser construído no caminhar da própria dinâmica da
pesquisa. A estratégia se conecta com as formas alternativas de comunicação que
ganharam o mundo na recente década, onde as redes sociais/mídias digitais, não podem ser minimizadas em seu
grau de importância, legitimando um tanto mais, o conceito de Comunicação
Cultural. Ampliar as possibilidades de
acesso do material da pesquisa através de canal do youtube, redes sociais, canais de televisão alternativos, além da
publicação/postagem em periódicos digitais, observatórios de educação, história
e cultura, blogs e ainda, a reprodução em CDs para distribuição, em forma de
documentário, será etapa cuidadosamente produzida, como tarefa acadêmica em
potencial.
Enumero as tarefas para desenvolvimento
da metodologia e possível detalhamento do estudo em capítulos, por etapas, com
a seguinte proposta de quadro inicial:
1. Atualização do levantamento bibliográfico sobre políticas
culturais no Brasil e História;
2. Ampliação do levantamento bibliográfico acerca da história
e das políticas culturais da Argentina e História;
3. Leitura pontual da bibliografia levantada (artigos,
livros, periódicos, revistas, jornais, outras publicações, sites, etc...);
4. Pesquisa em acervos documentais (planos, relatórios,
legislações, orçamentos, atas, leis, etc...);
5. Entrevistas com dirigentes e analistas de cultura e de
políticas culturais, atores sociais do campo cultural;
6. Elaboração de uma “Série web”, resultante das entrevistas;
7. Elaboração de texto a partir do aprofundamento e
composição da análise ao longo dos dois anos iniciais que precedem a
qualificação, com sugestão de subtemas para desenvolvimento da pesquisa.
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ANEXO - Carta de Intenções
Há tempos me desdobro em acompanhar a
atuação dos sujeitos sociais no campo das políticas culturais, identificando
nesta atuação uma inegável participação social na construção e escrita da
História recente. Percebo esses sujeitos sociais com uma trajetória comum, no
campo das políticas culturais. Enfatizar a participação histórica de tantos
anônimos atuantes na Cultura, contribuindo para dar voz a
novos/outros protagonistas,
quase “coautores” desta pesquisa, me encoraja muito nesta tentativa do
Doutorado. Como aspirante a doutoranda me coloco como interlocutora,
testemunha e participante de um processo. A possibilidade do Doutorado implica
no desejo acadêmico (e político) de dar continuidade a
prática da ampliação dos conceitos de História Social no cotidiano Brasil, com
temas que permanecem no meu círculo de atuação e de preocupação nas últimas duas
décadas. A possibilidade que o Doutorado abre na ampliação das trocas
acadêmicas entre Brasil e Argentina, é estimulo. Para atesto desta
possibilidade de maior intercâmbio, acrescento a esta carta de intenções o convite do Professor Argentino Luis Porta/Universidade
Nacional de Mar del Plata (anexo extra).
Na soma dos “desejos” de cursar o
Doutorado, destaco alguns fatores após a
conclusão do Mestrado, em 2009, até a presente data, pela contínua atuação
profissional no campo da cultura, das políticas culturais, da história social,
história cultural - fonte de estímulo
para o estudo aqui apresentado, com vias de aprofundamento no Doutorado:
a.
A ampliação das possibilidades de
investigação, após o mestrado em 2009, com acesso a publicações e participação
em encontros nacionais e internacionais, culminando com intercâmbios acadêmicos
na Argentina e México nos anos seguintes;
b.
Os últimos anos na direção da Comissão
dos Gestores de Cultura no Estado Fluminense – COMCULTURA RJ, em ação coletiva
com outros gestores agentes culturais, na coordenação do Seminário Permanente
de Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro (com onze anos de
atividades contínuas até 2012, em parceria com o Departamento de Cultura da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, e Ministério da Cultura);
c.
A assessoria no gabinete da Deputada
Heloneida Studart (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ),
com aprimoramento de conhecimento sobre legislação cultural e trocas com a
sociedade civil, que me referendaram
como delegada eleita pela sociedade civil nas três conferências
nacionais de cultura;
d.
Atuação como professora substituta no
ensino superior (FFP/UERJ e no POLO Rio das Ostras/UFF), e como pesquisadora
selecionada pelo PROEX/Instituto
Federal do Rio de Janeiro, no Grupo de Trabalho Diálogos Técnica e Arte:
Reflexões e ações para educação Profissional e Tecnológica em Cultura, onde as atividades acadêmicas
sob o tripé do ensino, da pesquisa e extensão, foram importantíssimos;
e.
Ingresso na Rede Estadual
Fluminense/Ensino Médio (Professora História e Filosofia), em bom exercício no
magistério, com projeção de sequencia acadêmica para atuação no ensino
superior;
f.
Retorno à gestão pública em 2014,
atuando como pesquisadora no Setor de Políticas Culturais da Secretaria de
Estado de Cultura do RJ (função extra - quadro), com duas atribuições decisivas
que me estimularam para formulação desse projeto de tese: A coordenação do
Sistema Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, e o exercício na
Presidência do Conselho Estadual de
Política Cultural do Rio de Janeiro (primeiro ano do Biênio 2016 – 2018).
Os fatores aqui enumerados fecham um
ciclo onde vislumbro ser inadiável o investimento no doutoramento no Programa de Pós-Graduação em História Social (Área de Concentração em História Social do Território), da FFP/UERJ.
Quero tentar compreender mais a
localização e participação dos sujeitos sociais e suas atribuições no processo
histórico, buscando identificar nesse processo o tempo das “primeiras vezes” na
História da Cultura Brasileira - o que cabe ao Estado e à sociedade civil,
decifrando os limites e as tensões, frente às tarefas que estão postas? Me chega importante e fundamental aprofundar o
estudo das redes de pertencimentos sociais, a “reconfiguração” dos mecanismos e
instâncias de participação, as reivindicações e relações de poder estabelecidas
entre a sociedade civil e o poder público.
A possibilidade de
desenvolvimento acadêmico no
âmbito do Programa de Pós-Graduação em História Social
da FFP/UERJ, além da credencial para assumir papel docente no nível
superior, é oportunidade de compreender mais os
coletivos sociais, sua finalidade e auto-organização, sua reprodução
social no tempo, estudando suas experiências de instalação, apurando os espaços
de conflitos e trocas, interação e negociação presentes nos Conselhos de
Cultura.
Pela proposta de análise aqui
apresentada, minha investigação dialoga intimamente com a “Linha de Pesquisa Território, Identidades e Representações”, onde
me proponho a transitar pelo Território Social (internacional, nacional, e
local), com nítida abertura para a micro
história. Ao dedicar está análise aos personagens e grupos, aparentemente sem
importância, suas histórias de vida e re-significações, seu espaço de atuação –
Conselhos de Cultura, a pesquisa se propõe a percorrer “os movediços de caracterização
de identidades políticas e culturais que informam a própria constituição das
territorialidades sociais”, como descrito na identificação da Linha de Pesquisa
Território, Identidades e Representações.
Estudar mais as relações
do Estado com os grupos organizados institucionalmente, suas formas de identidade,
demandas e contradições, mais do que nunca, ao final desse mês de outubro de
2018, é estratégico. Com o Doutorado, se alargam as possibilidades de
enxergar mais profundamente essa engrenagem, me disciplinando mais no papel de pesquisadora. A parte o
breve resumo de atuação profissional que fundamenta meu desejo de submissão no
processo de seleção no Doutorado da UERJ, acrescento uma motivação de caráter pessoal e afetivo (não menos importante):
o Programa de Pós-Graduação em História Social, é oferecido
pela Faculdade de Formação de Professores/Unidade São Gonçalo. Ex-aluna do
Curso de Estudos Sociais (1986), a FFP é a faculdade do início da minha vida
acadêmica, inesquecível e querida na minha formação docente e cidadã.
Cleise Campos
São
Gonçalo-RJ, 30 de Outubro – 2018
________________________________
Texto 4.
COMCULTURA
RJ: 09 anos de Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura RJ
Dentre
as ações de trabalho da Comissão Estadual dos Gestores de Cultura-COMCULTURA
RJ, destaca-se o Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura do
Estado do Rio de Janeiro, realizado prioritariamente em parceria com
UERJ/SR3 Decult, e a Fundação Casa de Rui Barbosa-MinC, como uma das principais
atividades da COMCULTURA RJ, desde sua organização, em 2001.
O
Seminário, com calendário quinzenal de aulas/conferências, voltada para
formação de profissionais de cultura, mantém firme continuidade nos recentes
nove anos, apresentando resultados marcantes nas cidades fluminenses, no tocante
a elaboração e efetivação de políticas culturais, a partir da capacitação dos
gestores que atuam na área cultural-educacional. O Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura do
Estado do Rio de Janeiro (SPPPC RJ), criado em 2002, é resultado da iniciativa
de um grupo de gestores públicos de cultura, instalado em variadas funções nas
estruturas municipais (secretarias, fundações subsecretarias, diretorias,
coordenações e assessorias de cultura), que buscavam caminhos de melhor
desempenho na atuação, identificando entre as necessidades prioritárias, a sua
própria capacitação – formação.
A presença de gestores culturais nas
funções municipais é identificada na virada do milênio a partir de variados
contextos: Alguns tem convite direto dos prefeitos para atuar na cultura,
outros são apresentados pela classe de artistas da cidade, outros pela
distribuição partidária de cargos comissionados, outros pela trajetória pessoal
nas artes e cultura, ou por apresentarem destacado papel nas agendas festivas
da cidade ou nos calendários escolares. Há ainda aqueles da “sobra” das
divisões administrativas, fruto dos acordos e composições políticas (muito
constante nas cidades), sob indicação de padrinhos políticos.
Logo após encontro oficial de secretários
municipais de cultura, convocado pelo governo estadual no início de 2001, e seu
nulo resultado no tocante a encaminhamentos concretos, frustrando vários
gestores (foi priorizada agenda de passeios turísticos - gastronômicos na
cidade de Paraty), despertou-se a ideia de novos encontros.
Era o início das trocas entre os
municípios, criando inusitadas condições de dialogo entre os agentes culturais.
No mês de agosto, na cidade de Casimiro de Abreu, vários gestores se reúnem
durante a I Jornada Fluminense de Cultura, retomando o debate iniciado em
Paraty, sobre as primeiras metas conjuntas de ação, com calendário de encontros
e principalmente, com a decisão de buscar alternativas de um possível curso de
capacitação para o setor.
Novo encontro do grupo em outubro, na
cidade de Búzios, é marcado. Um amplo convite para outros secretários e/ou
titulares da área de cultura das demais cidades fluminenses, foi encaminhado
pela direção provisória da Comissão, entre os representantes de 27 municípios
reunidos em Casimiro de Abreu. A motivação de participação nos encontros teve
resposta positiva entre os gestores. Em Búzios, durante três dias, reunidos com
pauta especifica, é elaborado o primeiro documento da Comissão, e ainda um
comunicado oficial a Secretaria de Estado de Cultura ( ela própria sem linhas
definidas ou ações que fossem encaminhadas aos municípios fluminenses). Tomava
forma e nome a rede dos gestores: Comissão Estadual dos Gestores Públicos de
Cultura, a COMCULTURA RJ. A Carta de Búzios (este e demais documentos, na
íntegra www.comcultura.com.br), e a proposta de um curso de
capacitação para os gestores foi o resultado do encontro em Búzios.
Na ocasião, a Secretaria
de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, não dispunha de qualquer ação ou
programa que objetivasse capacitação e formação de gestores de cultura e
tampouco dispunha de orçamento em apoio a tal ação, até porque isto era papel
da academia, e sobre as considerações da Carta de Búzios, não houve resposta ou
desdobramentos. (Paulo
Lisboa, empresário, ex-Presidente da Fundação Cultural de Petrópolis).
O grupo de gestores, oriundo de
diferentes regiões do estado, apresentava cenário comum, com dificuldades e
indagações no tocante à execução de políticas culturais: Desde a necessidade de
presença de políticas de cultura e questões de organização e estrutura (espaço
físico, equipe, orçamento, participação administrativa no corpo executivo), aos
intercâmbios entre as cidades, tudo era debatido. Nas prefeituras, que em sua
maioria absorviam o setor cultural no conjunto de outras unidades
administrativas, principalmente na pasta da educação, tudo era novidade e o
interesse pelo trabalho em rede iniciado pela Comissão de Gestores, era
necessário e bem-vindo. Em 2001, dos 92 municípios do mapa estadual, apenas 14
secretarias municipais de cultura estavam organizadas administrativamente, e 09
fundações municipais de cultura. A rede se amplia e dos encontros, foi
organizada a Comissão Estadual dos Gestores Públicos de Cultura – COMCULTURA
RJ, que apresenta metas prioritárias de atuação, dentre elas a necessidade da
formação e capacitação dos gestores, e ações integradas entre as cidades.
O grupo de gestores, já identificado como
COMCULTURA RJ, se mantém coeso, atuando em paralelo às atividades nas suas
próprias cidades e nos encaminhamentos em rede, criando inédita ação conjunta e
parceira entre os municípios integrantes (trocas de circuitos artísticos, de
informações, e intercâmbios), criando novo canal de comunicação entre os
municípios do interior, a baixada metropolitana e grande Rio, que viviam
marcante exclusão do cenário da capital e elas mesmas, as cidades, sem
definições de políticas públicas de cultura norteadoras de ação, salvo algumas
exceções. A proposta do curso permanece como prioridade das ações iniciais,
culminando com agenda junto à Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ,
no final de 2001.
Em novembro de 2001, tem
início positivo debate com a UERJ, através da Subreitoria de Extensão e Cultura
- SR3, que acolhe afirmativamente a proposta de um curso, sendo imediatamente
elaborado pelo Departamento de Cultura e um pequeno grupo de trabalho dos
gestores de cultura. Tal elaboração leva a primeira sistematização do curso,
surgindo em 2002, em parceira com a Universidade e os gestores de cultura, o
SPPPC RJ. É o início de um programa de qualificação para os gestores de cultura
dos municípios fluminenses, e ainda trabalhadores de cultura e técnicos de
educação, visando contribuir criticamente para o desenvolvimento das políticas
públicas na área da cultura no Estado. (Paulo Bahiense, prof. de
geografia, ex - Coordenador de Cultura da Fundação Municipal de Casimiro de
Abreu, idealizador da proposta do Seminário junto a UERJ).
A presença de um “educador cultural” a
frente da Subreitoria de Extensão e Cultura, Prof. André Lázaro, foi
determinante para a concretização do Seminário, onde as portas da Universidade
foram abertas, para se “pensar” e realizar aquela experiência, nova para
academia e para os próprios gestores. Estes últimos sabiam o que não queriam:
continuar sem capacitação e formação para atuação no setor.
A universidade do Estado
do Rio de Janeiro caminha pela trilha da Extensão, em direção à sociedade da
qual faz parte. Compreendo a importância da transformação do dia a dia, onde a
universidade cumpre o seu papel: criar condições para que todo o conhecimento
nela gerado saia do círculo acadêmico propriamente dito e seja integrado em
todos os níveis sociais. Entendemos que a universidade não tem fronteiras. A
arte está em todos nós: criar condições para que a beleza seja via de
transformação do cotidiano sofrido e difícil de nosso povo é o propósito do
Departamento Cultural e da Sub-reitoria de Extensão e Cultura. Entendendo isto,
estaremos entendendo que a multiplicidade de aspectos com os quais lidamos no
meio acadêmico deixará de ser um fechamento para se tornar a abertura nada
fluida do quere saber. O Seminário com os gestores de cultura em nosso Estado,
consolida esta vocação de nossa Universidade. (André Lazaro,
professor, ex- Sub reitor de Extensão e Cultura UERJ ).
Realizado inicialmente na UERJ Maracanã,
entre março e dezembro, quinzenalmente, às segundas-feiras, sessões pela manhã
e à tarde, o programa inicial em três vertentes temáticas foi aplicado através
das palestras, materializando a idéia do Seminário em tempo recorde: Vertente
I: Cultura e Política Cultural: o conceito de cultura; relações entre estado,
sociedade e cultura; as políticas culturais no Brasil e no exterior; as leis de
incentivo à produção cultural. Vertente II: Cultura e Linguagens: arte e
culturas indígenas, africanas e europeias; folclore e cultura popular; música e
artes cênicas; artes plásticas e visuais; literatura; a mídia; patrimônio
cultural. Vertente III: Cultura e Gestão Cultural: administração da área de
cultura; instituições culturais; espaços de cultura; tensões culturais e
especificidades regionais; ética e cultura.
Numa divisão de trabalho inicial no ano
de abertura do curso, em 2002, a UERJ pensava o seminário e
apresentava oficialmente a maioria dos professores, palestrantes e convidados
para as aulas, bem como o espaço sede para a maior parte dos encontros. A
COMCULTURA operava a logística e a produção geral, informando e mobilizando os
gestores, suprindo as necessidades de produção básica para funcionamento das
aulas, como a busca de outros parceiros, e a viabilização de apoio,
principalmente com verba necessária para o funcionamento do Seminário. O DECULT
não dispunha de recursos. Uma ação de “consórcio” entre as cidades e ainda,
pequena participação da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro – FAPERJ, foi viabilizada pela COMCULTURA, e a soma das tarefas
cumpridas garantiu o êxito daquele primeiro momento.
A parceria estabelecida entre a UERJ e a
COMCULTURA, teve momento solene em São Gonçalo, na Região Metropolitana do
Estado, ocupando numa manha e tarde de setembro, dois espaços da cidade:
Faculdade de Formação de Professores – FFP UERJ e a Galeria de Artes do ICBEU,
com a presença do Subreitor de Extensão e Cultura - UERJ, Prof. André Lazaro, o
prefeito da cidade, vários secretários de educação e cultura, trabalhadores e
técnicos de cultura, professores da UERJ e convidados.
Durante o ano de 2002, o
SPPPC RJ se consolidou como um fórum de discussões políticas culturais e lugar
privilegiado de exercício do apuramento do olhar sobre as manifestações
culturais em sua plena diversidade. Sobre a iniciativa, seria suficiente
destacar a importância da produção cultural no desenvolvimento, em termos de
ciência e tecnologia, do Estado do Rio de Janeiro, campo ainda pouco explorado
pelos gestores, mas com infinitas possibilidades. Por um lado, a Universidade
abriu-se para o estabelecimento de um vínculo permanente com este importante
setor das políticas públicas; por outro, a COMCULTURA RJ mostrou-se atenta à
necessidade de qualificação e aperfeiçoamento de seus integrantes. Nesse
sentido, a proposta do Seminário atendeu a ambas as demandas. (Guilherme Lemos,
coordenador do Seminário, UERJ SR3 Decult ).
A parceria instituída entre a UERJ e a
COMCULTURA RJ, é fator determinante para a instalação da proposta e sua
efetivação, nos anos seguintes: O Seminário teve em 2002 um total de 180
participantes de 50 dos 92 municípios do Rio de Janeiro e outros 20
integrantes, entre representantes da UERJ, de outras instituições públicas,
privadas e alguns profissionais autônomos, além de ouvintes esporádicos. Teve
em 2003 um total de 212 participantes de 51 dos 92 municípios do Rio de Janeiro
e outros 20 integrantes. O número de participantes dos primeiros anos de
trabalho do Seminário, representando várias cidades do estado fluminense,
atestam o interesse pela proposta, e o que gerou de mudanças na condução da
gestão, em várias cidades do estado.
Acredito que a
oportunidade que se criou com a existência do Seminário, foi de extrema
importância para minha função na prefeitura, na medida em que me transformei
numa ponte de acesso a um mundo de informações em diversas áreas culturais para
cidade. Por menor que tenha sido minha atuação como secretária, sinto
gratificação pela oportunidade que todos os interessados na cultura de
Vassouras tiveram ao longo da minha gestão e mudei meu foco de ação na gestão
justamente a partir do Seminário e as trocas que ele promoveu entre as mais
diferentes pessoas e cidades do estado. (Marta Fonseca, arqueóloga, ex -
Secretária Municipal de Cultura – Vassouras).
As palestras, as aulas e contribuições de
textos complementares presentes no Seminário, de variados locais (professores
da UERJ, técnicos e intelectuais, trabalhadores de cultura), produzem resultado
diversificado, criando uma forma não muito acadêmica para o curso, abrindo as
portas da Universidade para outras experiências. Tal formato favorecia ao mesmo
tempo, a presença do público alvo, os gestores de cultura (muitos ainda naquele
primeiro momento, não tinham escolaridade mínima obrigatória que garantisse sua
presença nos cursos padrão da academia). Era uma reflexão da diversidade de
abordagens possíveis ao campo da cultura, uma novidade para todos os
envolvidos. O livro Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro é
a primeira publicação do Seminário, com tiragem de 1.500 exemplares e
lançamento oficial no dia 24 de março de 2003, na Prefeitura Municipal de
Vassouras, primeira sede da COMCULTURA RJ, durante a aula inaugural do ano.
O livro Políticas Públicas de Cultura do
Estado do Rio de Janeiro ultrapassa a condição de documento, com textos
reunidos e as questões abordadas e discutidas ao longo das aulas de 2002, que
interessam a todos aqueles que se ligam ao campo cultural. Organizado em
Comissões, o Seminário conta com a assessoria de uma Comissão Executiva,
composta por docentes e servidores da UERJ e membros representantes da
COMCULTURA RJ e uma Comissão Acadêmica, composta por professores da UERJ e uma
pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, que se tornou parceira no
decorrer do ano de 2003. O trabalho das comissões é discutido e refletido em
encontros periódicos.
Durante o ano de 2003, o SPPPC RJ teve um
desenvolvimento semelhante ao ano anterior, sendo elaborada uma nova vertente
temática para atender à necessidade da elaboração de um banco de dados
centralizado na UERJ, objetivando a disponibilização de informações sobre as
ações e equipamentos culturais entre os municípios. As vertentes passaram a se
denominar módulos, adotando estrutura mais aberta e flexível, dando conta da
abordagem de cada um deles, tanto nas conferências e comunicações, quanto
debates, estudos de caso, relatos de vivências e desenvolvimento de pesquisas,
atendendo às demandas de produzir conhecimento específico e trocas de
experiências na área de gestão pública de cultura.
No Seminário Permanente
de Políticas Públicas de Cultura, fui ajudada em todos os aspectos na minha
atuação como Secretária de Cultura. A obtenção de mais conhecimento e a
minha compreensão clara de que o setor cultural é um segmento prioritário da
administração pública, constituindo-se também num setor de importância
estratégica para o desenvolvimento da nação, foi um olhar que adquiri
participando ali, dos debates e dos outros espaços que o Seminário abria. De
posse dessa consciência fui levada a praticar ações de estruturação do setor de
forma abrangente e democrática. Mudando até meu comportamento em relação
à importância dos coletivos. (Maria Amélia Curvello, artista plástica, ex -
Secretária Municipal de Cultura de Friburgo – RJ).
A variedade de abordagens e a diversidade
das estratégias e recursos de explanação (projeção de slides e vídeos, audição
de CDs, apresentações de dança, dinâmicas de leitura de textos, entre outras),
possibilitaram que o arco de demandas e expectativas dos participantes fosse
atendido. As palestras resultavam em debates a partir da explicitação de
dúvidas e questionamentos.
O público das primeiras turmas era
diversificado: artistas das variadas linguagens de expressão, professores,
animadores culturais, produtores culturais, bibliotecários, empresários e mesmo
funcionários públicos, profissionais de outras áreas (como administradores ou
advogados), e ainda políticos que ocupavam os cargos destinados à pasta da
cultura. No decorrer dos anos seguintes e a linha adotada no Seminário, a
composição da turma apresenta formação mais homogênea, com a presença
predominante de perfil mais cultural, dos participantes.
Eu me interessei pelo Seminário pelo fato
ser gratuito e tendo a UERJ como parceira. Era uma forma de aprender o
gerenciamento da cultura, sem amadorismo. Estar lá mudou a minha articulação.
Percebi que poderia me organizar melhor contando com o apoio e parceria de
outras instituições, entidades, autarquias, através da aproximação com outros
gestores e autoridades diversas, que até então, eram personalidades muito
distantes. Eu abri portas. (Ivan
Cid, músico, ex- presidente da Fundação Cultural da Prefeitura de Itaboraí/RJ).
Um momento especial para o Seminário foi
a participação dos alunos e de alguns integrantes das comissões acadêmica e
executiva no Seminário Cultura para Todos, promovido pelo Ministério da Cultura
na UERJ, em setembro de 2003: o informe do que acontecia no estado para todo
Brasil, por iniciativa dos gestores de cultura, efetivando tal parceria com a
UERJ, foi amplamente divulgado, trazendo visibilidade ímpar para o trabalho
desenvolvido, gerando maior e mais fácil transito entre novos convidados
palestrantes, e novos caminhos de parcerias para ação.
No ano de 2004 o Seminário, além de dar
continuidade à sistemática vivenciada, acrescentou à programação, mesas
redondas onde os próprios participantes expunham e debatiam as políticas
públicas por eles praticadas. Além de salientar a diversidade das práticas,
sinalizaram as lacunas na qualificação dos gestores participantes: ausência de
conhecimentos específicos nas áreas da gestão, dificuldade na elaboração de
projetos, ausência de captação de recursos e técnicas de planejamento,
desconhecimento da legislação cultural, entre outras. Essas lacunas passam a
ser discutidas através de aulas ainda mais direcionadas, com debates tanto de
experiências de políticas bem sucedidas como os casos contrários, com ênfase
nas gestões
municipais.
Na minha formação
acadêmica e mesmo na atuação como gestora cultural na prefeitura da cidade, a
participação no Seminário foi um incentivo para buscar novos
conhecimentos e articulações, como o investimento numa pós graduação e
novas experimentações no campo das artes visuais, atuando nas artes
plásticas. Participar do Seminário me movimentou. (Ana Sobral, artista
plástica e arte educadora, Ex-Superintendente Municipal de Artes
Plásticas - FASG, Prefeitura de São Gonçalo-RJ)
Em 2004 (ano eleitoral nos municípios), o
Seminário teve 121 participantes de 31 municípios. Em 2005, foram 149 inscritos
de 35 municípios. Em 2006, foram 230 inscritos de 32 municípios fluminenses e 2
mineiros. Embora o número de municípios participantes tenha diminuído o número
de secretários municipais aumentou significativamente, trazendo melhora
qualitativa aos debates e conseqüentemente, no retorno às cidades, os titulares
das pastas passam a adotar novas ações em suas gestões. O número de cidades
presentes nestes anos, variando entre 30 a 35 cidades, faz referencia
à soma de secretarias e fundações municipais de cultura distribuídas pelo
estado existentes, onde se destaca o interesse dos titulares das respectivas
pastas, no processo de capacitação e debate propostos pelo seminário.
A partir de 2005, o total de aulas foi
dividido entre os parceiros realizadores, na distribuição de convites para os
palestrantes-convidados para as mesas redondas (práticas de políticas públicas,
conferências sobre as modificações nas políticas públicas de cultura,
patrimônio material e imaterial, debates com membros da COMCULTURA RJ, e aulas
que atinjam diretamente as necessidades de qualificação dos gestores). Também
neste ano, representantes da COMCULTURA RJ, passam a compor a Comissão
Acadêmica, interagindo ainda mais nas decisões conceituais do Seminário, além
do papel protagonista de produção e logística desempenhado deste o primeiro ano.
Neste aspecto, são sensíveis as mudanças de relação entre a academia e os
gestores, uma vez que ao longo dos primeiros anos de ação conjunta, os papeis
de atuação dos atores envolvidos, doutores e mestres da academia e os arte -
educadores, artistas e trabalhadores de cultura da COMCULTURA RJ, tinham
profunda distinção, evidenciado na separação das “tarefas” desempenhadas por um
e outro, representando as lacunas existentes entre os dois lados, o
distanciamento da teoria e da prática, dos saberes convencionais e os
saberes informais.
Ainda em 2005, o Seminário efetiva
convênio de Cooperação Técnica com a Fundação Casa de Rui Barbosa, mais
especificamente com o Setor de Políticas Culturais, com destaque da presença da
pesquisadora e historiadora Lia Calabre, promovendo novo impulso ao projeto,
abrindo espaço para a formulação de linhas de pesquisa e ponte para a vinda de
nomes do cenário nacional das políticas de cultura, dentre outros intelectuais
e pesquisadores. O Seminário passa a priorizar uma programação focada nas
políticas de cultura, firmando-se como uma experiência que atrai o olhar de
outros estados da federação, atraindo gestores, trabalhadores e
agentes de
cultura.
As mesas sobre experiências municipais
são aprimoradas: o relato dos gestores, trazendo não apenas as informações e
histórico das cidades é também um balizador para o próprio Seminário,
detectando carências e necessidades deste ou daquele investimento no campo do
saber e das trocas possíveis. A Comissão acadêmica é ampliada, com participação
de representante da Chefia da Representação Regional do MinC, e reformulada,
com olhar mais atento e afinado às questões das políticas culturais, contando
com a participação de profissionais ligados à área da cultura, de origens
diversas: política, história, literatura, geografia da cultura e educação,
redefinindo ainda seus módulos em: Módulo I Cultura e Política cultural (estado
e cultura: panorama contemporâneo; política cultural: conceito e histórico; as
políticas culturais no Brasil e no exterior; legislação cultural), Módulo II
Gestão cultural (planejamento e ação, administração de instituições culturais,
gerência de atividades culturais, gestão de patrimônio, elaboração e avaliação
de projetos culturais, tensões culturais e especificidades regionais, economia
da cultura), Módulo III Produção, comunicação e marketing (marketing cultural,
pesquisa de mercado, turismo cultural, consumo cultural), Módulo IV
Experiências Municipais (especificidades municipais e práticas administrativas
culturais).
Dois fatos em 2005 ampliam os trabalhos
desenvolvidos no Seminário: a assinatura de convênio entre o Ministério da
Educação, através da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade – SECAD e a COMCULTURA RJ, obtendo financiamento para suas ações,
com verba para palestras e publicações. Essas publicações colocam em dia os
resultados de 2003 a 2006, em dois volumes com o selo Editorial Casa
de Rui Barbosa, numa organização conjunta de pesquisadores que representam a
Casa de Rui Barbosa, a UERJ SR3 e a COMCULTURA RJ. Por ocasião do convênio com
o Ministério Educação, a COMCULTURA RJ, formaliza-se enquanto entidade,
registrando Estatutos e demais documentos pertinentes à condição de pessoa
jurídica, estabelecendo-se como uma associação cultural, sem fins lucrativos,
com direção coletiva e linha de atuação pautada em suas metas de organização
original: uma experiência de gestão compartilhada, envolvendo vários diretores,
distribuídos pelas cidades do Estado.
O outro fato é a presença do Seminário,
já legitimado como um fórum permanente de debate e espaço de pensamento da
cultura no estado, no processo de efetivação das conferencias municipais,
intermunicipal e estadual de cultura, como palco de aglutinação entre os parceiros
da ação, UERJ, a Fundação Casa de Rui Barbosa e a Representação Regional RJ e
ES do Ministério da Cultura, resultando na organização da delegação do estado
do RJ, para I Conferência Nacional de Cultura, em dezembro de 2005, envolvendo
representantes de municípios, do estado, da UERJ e sociedade civil organizada.
Participei de quase
todos os Seminários, desde seu início, e depois fiz outros cursos na área. O
desenvolvimento da malha institucional da cultura no município de Casimiro de
Abreu se deve muito ao fato de ter ido buscar capacitação e ter podido
proporcionar a outras pessoas do quadro funcional a mesma oportunidade. Mudou
meu olhar, mudou a percepção sobre a cultura local, mudou a forma de gerir. A
riqueza dos intercâmbios entre os gestores e os municípios, o conhecimento das
realidades de cada localidade, das expressões culturais próprias de cada
município ou região, era muito importante e uma novidade. E ainda, a auto
estima de muitos de nós, gestores, que aprendemos a olhar para a academia e nos
sentirmos donos e participantes dela, passamos a conversar com o Estado e o
Ministério da Cultura de igual para igual, e não como pedintes. Isto foi muito
bacana para o crescimento social e cidadão de muitas pessoas. (Sônia Cardoso,
pedagoga, ex - Presidente da Fundação Municipal de Cultura de Casimiro de Abreu
– RJ).
Durante os anos seguintes, de 2006, 2007
e 2008, a cultura se estabelece como nova prática no mapa fluminense,
especialmente para o interior e área metropolitana, no tocante à
construção de políticas públicas de cultura, onde a continuidade do SPPPC RJ,
se firma como espaço de reflexão e debate das políticas culturais, sendo
possível localizar as alterações positivas nas estruturas municipais, na
elaboração e formulação das políticas culturais locais, através da organização
de secretarias ou gerências mais específicas para a cultura, investimento em
equipes técnicas, melhoria nos aparelhos de cultura, organização de concursos
públicos (inéditos para o setor), na implantação de planos e conselhos
municipais de cultura, bem como leis de incentivo e legislação mais detalhadas
para cultura. Assim, considerando o tempo de existência do SPPPC RJ e o quadro
anterior dos municípios, antes de sua realização, identificam-se marcantes
alterações no cenário cultural, em função da capacitação e formação dos
gestores de cultura e ainda, agentes culturais de variadas instituições
culturais.
Na ligação estabelecida entre
gestores e trabalhadores de cultura e a academia / UERJ, através do SPPPC
RJ, uma nova relação começou a se construída ao longo dos anos,
considerando as mudanças sentidas, percebidas. No primeiro ano, quando da
implantação de Seminário, um fato pode ser destacado: Um Secretário Municipal
de Cultura (famoso animador cultural de sua região, ligado as culturas
populares ), responsável pelo setor cultural com exímia e criativa destreza,
durantes anos e anos em cidade do interior fluminense, não possuía o curso
primário completo ( uma das etapas do atual ensino fundamental), no seu
currículo escolar.
Apresentando seu nome como participante
do curso, teve sua inscrição negada por um dos doutores integrantes da Comissão
Acadêmica, em função da “ baixa escolaridade” registrada em sua ficha. Depois
de inúmeras conversas e reflexões sobre o “espaço e a localização” da cultura
na academia, sobre as exigências possíveis para estabelecer esta ou
aquela condição de acesso ao curso, e ainda, quais arranjos deveriam ser
propostos e efetivados para que o SPPPC RJ atendesse seu público alvo (inicialmente
gestores e agentes culturais em funções municipais, com ou sem qualquer
diplomação acadêmica, desde o ensino fundamental, à títulos de pós-graduação),
a inscrição do Secretário Municipal de Cultura, sem ter cursado a antiga quarta
série primária, foi aceita.
Nos anos seguintes, a presença de
gestores culturais na Comissão Acadêmica, e mesmo a presença de tais gestores
nas definições do curso (além da logística de produção e divulgação), registra
as novas relações que foram sendo construídas, com diálogos e aberturas
inéditas na e da academia, nos seus ritos e normas internos. Tal cenário abre
reflexão pertinente: Qual lugar da cultura, dentro da academia? Quais os
ajustes oficiais e nas nomenclaturas dos cursos, para situar, nominar e ou
mesmo classificar os cursos/especializações/seminários e outras iniciativas que
tratam da formação de gestores culturais, numa seqüência dos recentes anos onde
a função de gestor cultural, é uma realidade?
Reconhecendo a necessidade da capacitação
e ainda o aprimoramento pessoal para melhor desempenho profissional no campo da
cultura, vários trabalhadores culturais estabelecem novas metas individuais de
aprendizado e formação continuada, a partir de sua presença no SPPPC RJ.
Constatando sensíveis mudanças no quadro geral de várias cidades,
onde cultura & educação & formação, se interligam e se completam, o
processo que originou o seminário e seus desdobramentos, continua ao longo
destes quase dez anos, com resultados positivos.
Em
2009, o SPPPC RJ, é inserido como meta de trabalho e ação do Pontão Rede
Fluminense de Cultura, com foco na capacitação e gestão, priorizando o
fortalecimento do Seminário, a atualização das publicações (registros das
palestras do calendário anual do Seminário), além das outras ações (encontros
regionais de cultura, produção de documentário da cultura fluminense, oficinas
temáticas e estímulo a integração dos Pontos de Culturas, em rede), selando
mais uma parceria fundamental para a continuidade dos trabalhos desenvolvidos
pela rede de gestores. O Ministério da Cultura, ainda que parceiro constante e
vigoroso desde os primeiros anos de atividades, principalmente através da
Representação Regional RJ e ES e a Fundação Casa de Rui Barbosa, formaliza
apoio através de convênio firmado entre a Secretaria de Cultura e
Cidadania-SCC, a COMCULTURA, possibilitando aporte financeiro fundamental para
manutenção e viabilidade das ações, uma vez que boa parte dos gestores
fundadores das ações, ainda atuantes na pauta cultural, não dispõem das
estruturas municipais como apoio base, ajustando as tarefas voluntárias na
comissão dos gestores, com seus próprios cotidianos de trabalho, movimentações
e atividades culturais.
A
ampliação da presença do Ministério da Cultura em 2009, é de suma importância,
não apenas pela promoção de financiamento através do convênio firmado, mas pela
integração que se estabelece entre a COMCULTURA e o Programa Cultura Viva, onde
a ação do trabalho em rede e gestão compartilhada, que alimenta e fomenta o
trabalho em seu conjunto como um todo, gera uma “consolidação e concretude de
ideias” que perpassam as etapas-conceito de sustentabilidade e
materialidade.
Identificar
as realidades locais, e descobrir mecanismos viáveis de adoção de práticas e
atitudes que resultem em ações concretas nos processos determinantes para o
desenvolvimento, tem sido elo singular entre a COMCULTURA, o Ministério da
Cultura, a UERJ, municípios fluminenses, e os demais parceiros onde a cultura
se apresenta como fundamental função-estratégica no mapa das cidades: O
primeiro local da cultura. Com mecanismos informais, cheios de “experimentos”
viabilizando o que antes era utópico, a proposta do SPPPC RJ se efetivou como
realidade, com envergadura e formato de programa, mantendo cruzamentos e pontos
de uma cultura em movimento, pulsante, promissora, onde as palavras chaves:
Parcerias, trocas, somas, tentativas, processos, intercâmbios, protagonismo, e
desenvolvimento, se fundem.
Nos
últimos três, dois anos, as tantas mudanças no contexto das políticas
culturais no Brasil e estados, a partir da nova pauta de ação do Ministério da
Cultura, atendendo uma a uma, as considerações e metas de trabalho da então
rede de gestores criada em 2001, demarca um divisor de águas: A realidade que
motivou e estimulou o trabalho proposto pela COMCULTURA, no início da
década, em especial o debate em torno das políticas culturais, foi
superada em sua totalidade, trazendo com isto uma reavaliação dos trabalhos a
serem impulsionados, daqui para frente.
Após
as conferencias municipais, intermunicipais e estaduais de cultura em 2009, e
ainda, a recentíssima segunda conferencia nacional de cultura (março do
corrente), que apontam de modo unânime a organização e adaptação das
cidades ao Sistema Nacional de Cultura, o investimento na formação dos gestores
e trabalhadores de cultura, e ainda o olhar mais focado e dirigido para o local
( do micro para o macro), a continuação do SPPPC se apresenta como uma das
únicas tarefas da COMCULTURA no estado fluminense, com maior e mais estreita
ligação com as propostas similares em andamento pelo Ministério da Cultura, no
tocante a capacitação de gestores culturais: A capacitação para atuar na gestão
cultural, mais do que nunca, é uma necessidade em função da ampliação da
pauta cultural em todo pais, num circuito que exige condição técnica cada
vez melhor e mais preparada, associando cultura e desenvolvimento, começando
especial e prioritariamente, pelas cidades.
Cleise Campos
Outubro de 2010-Mar Del Plata/Argentina
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_______________________________________________
Texto 3.
História, cultura e gestão: do MEC ao MinC
A cultura é ainda uma forma de
expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja,
admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos
atores sociais se apresentam de forma cifrada, portanto, já com um significado
e uma apreciação valorativa. Um relato de viagem, por exemplo, explora tais
vetores: relatos culturais e históricos. Os contextos social, cultural e
político de viagens fazem de cada narrativa uma memória diferenciada, um olhar
diferente da e na história, do mesmo lugar.
A aceitabilidade do “sentido da
história” (a construção de um edifício racional- mente sustentável no qual
realidade e imagem, dados e representação, origem e destino, objetivo e meta,
base empírica e narrativa façam sentido) é uma questão cultural, que considera
um dos tempos da história, o passado, de onde a memória se estabelece e se
constitui. A história como totalidade do mundo dos homens e das mulheres,
abrangendo o passado, o presente e o futuro, surge então como síntese entre
experiências e expectativas, aprendizados. Mudou o foco: não é mais a
“providência divina” que estabelece o caminhar da história e sua construção
futura, não são apenas os “mandantes reis e governantes” que fazem e escrevem a
história. O termo “sentido” nem sempre foi utilizado, mas sim a referência a
seus atributos essenciais.
“Cultura”, com todo o seu arsenal
simbólico e imaginário, passou a ser relaciona- da a uma totalidade histórica
antes desprezada: como se formaram os mecanismos de dominação e de exploração
entre os homens? Como esses mecanismos (ao nível do cultural) se confrontam, se
difundem e se perpetuam? Assim, os símbolos, as imagens, as mentalidades, as
práticas culturais foram considera- das como lugares de exercícios de poder, de
dominação e de conflitos sociais. Ainda que esse retorno ao histórico cultural
traga um sintoma de cansaço por uma história saturada de estruturas,
hierarquias, modos de produção, sistemas, subsistemas, modelos – enfim, da
“história como um processo sem sujeito” (Eric Hobsbawm), como o operário da
fábrica, a mulher pobre, os vadios, as prostitutas, as feiticeiras, o escravo
urbano, os marginais sociais, os perseguidos religiosos e sexuais, a venda da
alma, camponeses encalacrados em processos, escritores e artistas obscuros, os
massacres étnicos, personagens e fatos de uma história em que a cultura das
sociedades, das pessoas, era excluída, por isso mesmo não se deve perder tal
memória, refletindo sobre o sentido da história e, ainda, associá- la à razão.
Eis, então, o casamento fundamental da
história com a cultura se alimentando, se constituindo: a memória como
substancial instrumento de senti- do, que assume a forma fascinante das
construções culturais, da própria história, das identidades; é a história
cultural.
Estará a memória histórica com seu
potencial de sentido em contradição com uma expectativa de futuro carregada de
sentido que fosse além do factual presente. A história como totalidade do mundo
das pessoas, abrangendo o passado, o presente e o futuro, surge então como
síntese entre experiência e expectativa. O futuro se perfila nos impulsos
normativos da práxis atual da vida concreta, que se nutre da experiência da
vida passada e de sua força transformadora. (MARTINS, 2002)
Se memória é matéria-elemento crucial
do que se chama comumente de identidade, cuja busca é uma das atividades
fundamentais das pessoas, e daí vive- se a “história cultural”, se a cultura,
segundo Marta Fonseca (ex-secretária municipal de Cultura de Vassouras/RJ,
fundadora e diretora da Comcultura RJ), está presente desde quando o homem
lascou a primeira pedra para caçar, ou rolou o primeiro graveto para fazer
fogo, onde não haviam [sic] nem gestores, nem observadores, há um processo
natural de evolução e sobrevivência que independe da consciência e/ou das
intervenções de resgate de passado. Precisamos muito é que os grupos sociais
(aparentemente virgens culturalmente) comecem a ter sentido de autoestima, de
identidade, que sejam protagonistas e inventem a cultura.
Como se pode ensaiar saltos
qualificados para o futuro mesmo com o presente sendo construído no passo a
passo do inédito, pensando a cultura e sua funcionalidade, organicidade, sem
muitos acúmulos de passado sequencial, na linha prevista de presente e futuro?
Salvo algumas experiências no século XX, como na cidade de São Paulo na dé-
cada de 1930, quando da organização do Departamento de Cultura com Mário de
Andrade à frente, que trouxe os primeiros conceitos de gestão cultural para
contribuir no panorama nacional para além das fronteiras paulistanas com
práticas e ideários inovadores, na citação de Albino Rubin:
Mário de Andrade apresentou metas para
estabelecer uma intervenção estatal sistemática abrangendo diferentes áreas da
cultura, pensando a cultura como algo “tão vital como o pão”, propôs uma
definição ampla de cultura, extrapolando as belas artes, considerando por
exemplo as culturas populares, assumiu o patrimônio não só como material,
possuído pelas elites, mas também como algo imaterial e pertinente aos
diferentes estratos da sociedade, dentre outras metas à frente da pasta de
cultura na prefeitura de São Paulo.
E também no Ministério da Educação e da
Saúde, gestão Gustavo Capanema (1934-1945), que contou com a colaboração de
artistas e intelectuais, como Carlos Drummond de Andrade, Candido Portinari e
Oscar Niemeyer, na formulação da política cultural em meio à ditadura Vargas.É
dessa época a criação e organização de várias estruturas nacionais:
Superintendência Nacional de Cinema Educativo, Serviço de Radiodifusão
Educativa, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Serviço
Nacional do Teatro, Instituto Nacional do Livro, Campanha Nacional do Folclore
e Conselho Nacional de Cultura. Tal período é marcado pelo paradoxo de pensar e
elaborar políticas culturais em pleno regime autoritário, situação que deixa
traços substantivos ao longo da história das políticas culturais, abrindo
lacunas e vácuos durantes décadas em que a inexistência de políticas
culturais definidoras para estados e municípios excluiu o restante do país de
qualquer debate, marcando ainda de modo antagônico as práticas autoritárias
vigentes do Estado com políticas culturais. As cidades, células primeiras de
qualquer ação administrativa na elaboração de políticas, foram as que mais
sofreram com esse distanciamento ao longo da história cultural brasileira,
pois, ainda que vários organismos e estruturas tenham sido originados nesse
período, sua abrangência e execução geográfica social foram limitadas a pequeno
eixo do mapa do país.
Logo após a era Vargas, o período
democrático que data de 1945 a 1964, anterior à ditadura militar, traz poucos
ou mesmo negativos resultados das intervenções do Estado brasileiro (exceto o
Sphan e mesmo a criação do Ministério da Educação e da Cultura, em 1953) no
tocante às políticas culturais, mantendo ainda pontual distanciamento das
cidades e estados da federação. Na ditadura, a cultura e suas variadas
linguagens artísticas sofreram direta censura e ainda, de modo
pragmático, do dirigismo para que a cultura fosse instrumento aliado do regime
imposto. Nesse aspecto, figura o papel do Conselho Federal de Cultura, criado
em 1966, pelo qual o regime militar estimula ainda a criação de conselhos e
secretarias estaduais de Cultura, numa correspondência direta com o regime e
seus programas, formato e composição (a existência de tais conselhos com modelo
desse período ainda é realidade em vários estados).
No fim da década seguinte, de 1976 a
1979, com o início da diminuição da violência do regime e suas derrotas nas
eleições legislativas, algumas iniciativas e mesmo ações começam a ser
identificadas na pauta cultural, ainda que embasadas na linha dos interesses da
ditadura: pela primeira vez o país tem um Plano Nacional de Cultura, e
importantes instituições são criadas: Funarte, Conselho Nacional de Cinema,
Radiobras e Fundação Pró-Memória. Destaque-se a criativa e operosa presença de
Aloísio Magalhães e sua rápida passagem pelo setor cultural do MEC: a curta
gestão, abreviada pela morte prematura do gestor, foi facilitada por seu
dinamismo e relações com alguns militares, dando conta de renovar e criar
organismos na estrutura administrativa e preparando a casa para a instalação do
futuro Ministério da Cultura, com a criação do Centro de Referência Cultural,
do Iphan e da Secretaria Nacional de Cultura do MEC, em 1981.É de Aloísio a
seguinte fala sobre política cultural comparada com a figura-símbolo do
estilingue/bodoque:
Devemos pensar no cotidiano de nosso
desenvolvimento humano e cultural, histórico e social, visualizando o movimento
do bodoque, fazendo deste movimento uma atitude constante: é preciso recuar no
passado, pressionando as tiras de borracha para trás, dando-lhe pressão e força
suficiente para o arremesso em direção ao futuro, mirando um alvo no futuro.
Quanto mais nos afastamos do presente em nossa valorização cultural, mais longe
chegaremos no futuro, ou seja, o conhecimento crítico do passado como elemento
fundamental para qualquer projeto ou programa durável no futuro.
Essa atitude envolve os três tempos da
história, de nossa própria vida: o passado, o presente e o futuro. É tratar
passado e presente com peso similar e de fundamental importância para a
construção da história e da memória, proporcionando alimento e energia para a efetivação
de identidades e raízes. O que foi acumulado de passado na história das
políticas culturais do país deve ser alvo de estudo, aprendizado, absorção do
que é positivo e importante, não dispensando memória e identidade.
Permanecendo nesse breve tempo da
história cultural brasileira, volto os olhos para décadas mais recentes que
datam do fim do século XX, em pleno pro- cesso de redemocratização do país
(1985 a 1994), quando é criado o Ministério da Cultura, com o fim do regime
militar. O pós-ditadura não garante tempos dos mais auspiciosos para as
políticas culturais: são dez ministros no espaço de dez anos, ausência de
política estatal em benefício dos interesses do mercado, quando se instala no
Brasil a chamada Lei de Incentivo à Cultura (Lei Sarney), deixando nas mãos da
iniciativa privada (e mesmo de algumas estatais) a de- cisão final do que deve
ser incentivado e financiado, afunilando de modo drás- tico as agendas da verba
pública sob renúncia fiscal nas produções de cultura no eixo Rio-São Paulo,
quase sempre nas mãos dos mesmos beneficiados. As poucas boas notícias passam
despercebidas durante esse processo, como a criação de alguns organismos, como,
por exemplo, a Fundação Palmares. Ampliando o poder de fogo da lei de
incentivo, os dois governos seguintes acentuam a prática: duas reformas e
mudança de nome para Lei Rouanet (segundo secretário da gestão Collor,
responsável pelo desmonte das estruturas do órgão e do próprio ministério,
rebaixado à condição de secretaria), mantendo os interesses do mercado acima de
qualquer política possível, em que o Estado se mantinha propositadamente
ausente.
É nesse período que surge a presença do
produtor cultural, atuando nas frentes de captação de recursos, do realizador e
promotor de eventos, do festeiro de mega-agendas e produções e, ainda, do
agenciador de cultura. Como se a instabilidade de titulares na pasta não
bastasse para o insucesso do ministério, a mudança na gestão Fernando Henrique
não simboliza avanço ou mudança na linha política adotada: Francisco Weffort
permanece durante oito anos e o “marco” dessa quase uma década à frente da
cultura nacional é a publicação de luxuoso livro pelo ministério, intitulado
Cultura É um Bom Negócio, celebrando as leis de incentivos fiscais e endossando
a prática iniciada no fim da ditadura: o mercado dita as regras, o governo
libera o dinheiro sob renúncia fiscal, e os amigos do rei são beneficiados. O
recorte – cópia de tal linha em algumas capitais e estados – é o que se pode
destacar de “modelo de políticas culturais“ nos anos finais do século XX.
Considerando a passagem do autoritarismo para a democracia, fica evidente que
não basta estabelecer como parâmetro a condição republicana de governo, mas sim
a linha administrativa cultural adotada. Na gestão de Luiza Erundina em São
Paulo (1989-1992), sob a batuta da secretária municipal Marilena Chauí,
registram-se medidas para a pasta intituladas “Cidadania Cultural, o Direito à
Cultura“, em que a cultura é base fundamental de desenvolvimento e democracia.
No pacote em questão, a secretária aponta as políticas culturais para a maior
cidade do país:
com uma definição de cultura alargada
de elaboração coletiva pelo prisma democrático com direitos iguais para todos
os cidadãos, sem privilégios ou exclusões; com definição dos sujeitos
sociais como sujeitos históricos, articulando o trabalho cultural e o
trabalho da memória social, combatendo em particular a memória social una, in-
divisa, linear, e como afirmação das contradições, das lutas e dos conflitos
que constituem a história de uma sociedade; garantindo com esta linha de ação
proposta o direito de produzir cultura, seja pela apropriação dos meios
culturais existentes, seja pela invenção de no- vos significados culturais;
direito de participar das decisões quanto ao fazer cultural; direito de
usufruir dos bens da cultura com condições de acesso e uso; direito à
informação sobre os serviços culturais; direito à formação artística e cultural
gratuita; direito a espaços para reflexão, debate e críticas, direito à informação
e à comunicação.
Ou seja: linha oposta àquela traçada
pela cultura nacional vigente.
A pequena síntese pontuando ações de
governo (ainda que participações so- ciais e de movimentos estudantis,
populares, artísticos e intelectuais tenham deixado registros importantes) das
décadas que antecedem o século XXI explicita o cenário das políticas culturais
no Brasil, deixando em grande parte evidente a ausência de políticas nos
estados e cidades, trazendo um gosto de “novo” experimentado pela maioria
desses estados e cidades atualmente vivendo seu tempo de inaugurações. Nesse
aspecto, o governo federal inaugura na gestãoLula um marco divisor na história
brasileira, com a presença do ministro Gilberto Gil trazendo para os estados e
cidades demanda inédita de trabalho: os encontros nacionais, os editais, os
vários programas de cultura viabilizando frentes de trabalho nas linguagens
artísticas, os debates regionais e seminários, a Conferência Nacional de
Cultura, a implantação do Plano Nacional de Cultura e, por fim, as múltiplas
ações do MinC, entre parcerias e medidas transversais com traços de
participação e cooperação singular de vários atores sociais, sociedade civil e
demais membros da União, estados e municípios, numa gestão democrática da
cultura, que impõe novo comportamento ao país.
Aqui destaco um dos passos cruciais
para que tal cenário seja acompanhado afirmativamente na proposição de
políticas culturais nos estados e cidades e para que saltos de projeção futura
sejam possíveis: a qualificação de gestores para a área (numa condição também
inédita e virgem), que se apresenta como urgente necessidade para a garantia de
tal processo. Sem gente apta para atuar na gestão, a própria política cultural
fica comprometida. Pode-se pensar neste tempo presente, envolvendo o mapa do
país numa abrangência nacional, como um tempo de inaugurações da cultura:
formas e metas definidas, estruturas e diretrizes, orçamentos garantidos, gente
qualificada para seu exercício, amplia- ção das políticas para além dos eventos
ou pontuais e esporádicas produções. E onde se qualificam e capacitam os
gestores de cultura?
Boas experiências no Brasil já são
reconhecidas em anos recentes, como, por exemplo, o Programa Multidisciplinar
de Pós-graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia, com o
Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult); o Programa de
Pós-graduação em Comunicação da PUC Minas (MG); o curso de Especialização em
Gestão Cultural na Universidade Federal de Cuiabá (MT); o Seminário Permanente
de Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro (MinC/Uerj/SEC RJ/
Comcultura RJ), o curso de Pós-graduação em História Cultural da UFGRS, e ainda
interessantes fontes de pesquisa nos observatórios: Itaú Cultural (São
Paulo/SP), Diversidade Cultural (Belo
Horizonte/MG) e Políticas Culturais em Revista (Salvador/BH).
Olhando para o século anterior, que
traz registros da história cultural brasileira, enxerga-se quase um
desconhecido de tão distante, como uma visita ao estrangeiro, tamanha ausência
de memória em nossos estados e cidades. A figura do gestor cultural segue sendo
inventada em meio a solidões: falta a ele material-base para estudos,
pesquisas, aprofundamento, referências, sustentabilidade funcional, econômica e
política; falta melhorar e aprimorar as negociações em torno das políticas
culturais junto aos chefes do Executivo, que mantêm a rubrica da cultura na
lanterninha das prioridades orçamentárias, e ainda a difícil relação juntos às
casas legislativas, onde a cultura não tem valor como moeda de troca nos
encaminhamentos das “ordens do dia”; falta a própria sociedade e categorias
específicas de arte e cultura se apodera- rem desse tempo de inaugurações,
participando dos organismos de classe e das representações coletivas. Eis algumas
urgências que se apresentam para a capacitação em gestão na área.
As considerações de Lygia Segalla
registram o tom que aflige, ainda, o quadro presente:
Como pensar uma política de cultura
escapando dos termos que muitas vezes balizam esse debate: a valorização
nostálgica de um tempo perdido ou a sua promoção entusiasmada como bem de
consumo, celebração do mercado, arte turística? O que, de forma compartilhada,
aprendemos a lembrar ou a esquecer sobre nossa história? O que revelam os
silêncios do conhecimento? Como a ideia de história cultural vem sendo
formulada e apropriada na construção de políticas culturais pelos gestores de
cultura? Calça- dos em que campos de saber e pesquisa podemos avançar na
efetivação de políticas culturais? Como esses debates se institucionalizam no
Brasil, definindo conceitos de referência, metodologias particulares de gestão
e de intervenção? Como essas diretrizes se vinculam ao debate internacional?
Completando os questionamentos, cabe
acrescentar: onde devem ser aplica- dos os recursos ou, ainda, o que deve ser
financiado? Qual o papel dos Conselhos de Cultura? Como garantir independência
e autonomia para as estruturas administrativas da cultura, atreladas em grande
parte à educação, nas cidades? Comentamos frequentemente como aprendemos a não
conhecer o cenário cultural brasileiro, que o Brasil é muito grande etc. Há
referências fragmenta- das, linhas de tempo embaralhadas, um ouvir dizer com
poucos encaixes que se ligam, por vezes, a personagens e a enredos de telenovela,
a presença mar- cante desta ou daquela manifestação artística regional
(atrelada à construção histórica de determinado lugar, ou mesmo resistindo na
linha das tradições populares que forjam vários retratos culturais do país, com
os calendários de festas e feriados). Os movimentos, respostas para conhecer
mais de “cultura” e de cultura brasileira, atenuando parte das indagações,
aflições e lacunas neste tempo de inaugurações das políticas culturais no
Brasil, estão sendo apresentados em grande parte pela recente atuação do
Ministério da Cultura e de algumas secretarias estaduais de Cultura que se
estruturam de modo positivo nesse contexto. O tempo presente coloca-se como
ideal para o exercício do pensar e do fazer cultural, ainda que seja preciso
aprender a trocar o pneu com o carro em movimento: os atores protagonistas
desse processo estão na ordem do dia.
Cleise Campos
Abril de 2010 - Porto Alegre-RS
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__________________________________________
Texto 2.
Teatro de Bonecos e os espaços formais e não formais da
educação: Experimentos em arte-educação
“Animar é produzir
ânima, simular vida”, na citação de Balardim (2004), ao discutir a
capacidade humana de dialogar com a própria existência através da representação
teatral. Nesta linha de vida-manipulada, constata-se que o Teatro de Animação
trata-se do Teatro de Bonecos, considerando todo objeto que convive com o homem
e que sem a intervenção deste, não gera nenhum tipo de energia ou expressão.
Assim, a animação acontece quando o ator-manipulador se relaciona com esse
objeto de tal forma a atribuir-lhe vida. “o Boneco/objeto animado não é
senão energia refletida do ator-manipulador” (AMARAL). O objeto projeta
para o exterior do corpo do manipulador a vontade, o pensamento, os sentimentos
e lógicas que este gostaria de compartilhar por si mesmo.
Nas sociedades
primitivas os homens projetavam sentimentos, medos e ideias, em objetos,
máscaras ou imagens, que passavam a ter poderes mágicos, como se fossem elos
entre eles e seus deuses, entre uma realidade física e um mundo sobrenatural O
teatro de bonecos que hoje conhecemos no Ocidente, sofreu forte influencia da
Europa e Oriente, de cunho religioso e sobrenatural, do qual se originou,
mantendo até hoje, ligação com o sobrenatural e com o melhor da tradição
cultural, como o Japão, palco das mais tradicionais artes milenares do teatro
de bonecos, o Bunraku.
No Egito, antes do
palco, a cena acontecia no altar, onde imagens articuladas, contracenavam com
os sacerdotes. E esta herança foi recebida pela Grécia Antiga, com as atalanas,
considerada o berço do teatro de bonecos, com apresentações de conotação
religiosa e cultural. O Império Romano assimilou dos gregos esta faceta
da cultura cênica. A Europa registra a origem dos bonecos clássicos, recheados
de conteúdo cotidiano, linguagem forte e apta para todo público, reflexo das
culturas européias. Na Idade Média, os bonecos eram apresentados em feiras
populares, com o fim de doutrinar nos princípios católicos. Mais adiante,
focado ao imaginário infantil e popular, se amplia pelos continentes.
Destacando algumas das principais referencias ao redor do mundo, o boneco mais
conhecido na Itália foi o Maceus, que antecedeu o Polichinelo. Na Alemanha
destacou-se o Kasper, assim como o Petruska na Rússia, o Wayanag em Java, o
Cristovam na Espanha, o Punch na Inglaterra, Guinol na França. No Brasil
Colonial, teve forte destaque em terras nordestinas, especialmente em
Pernambuco, o cômico e satírico Mamulengo, permanecendo até hoje, como o boneco
“representante” do pais, pelo mundo.
Estes bonecos
marcam a tradição bonequeira de vários países, mantendo entre eles o elo da
irreverência, a espontaneidade, a não-submissão as regras e a comicidade. No
Brasil, a prática titiriteira se mantém nos dias atuais nos folguedos
populares e tradicionais, nas montagens e produções artísticas profissionais,
para variado público, e ainda, presença freqüente nos programas de televisão,
com função de entretenimento, lazer e ainda, educativos.
Montagens com
espetáculos de grupos organizados, principalmente no Sudeste e Sul do Brasil,
agregados a ABTB – Associação Brasileira de Teatro de Bonecos, fazem registros
do movimento bonequeiro brasileiro. Em meados do século XX, o teatro de bonecos
se consolidou fortemente em nosso país, como expressão nas atividades
educacionais, ou ainda, pelos “ titiriteiros livres”, os populares
mamulengueiros do nordeste. Reunindo várias linguagens artísticas (teatro,
dança, musica, artes plásticas, literatura), o TB permanece como genuína
preciosidade da cultura popular, fazendo da arte titiriteira,
uma das expressões mais atraentes de nossa cultura.
Quando o professor
pensa em bonecos, geralmente limita seu pensamento no “teatrinho” (nomenclatura
detestável para uma arte milenar que merece maior respeito), ou no clássico
“teatro de fantoches”, denegrindo-o a uma mera distração ou passa tempo,
restrita a uma das classificações do teatro de bonecos, como é visto pela
comunidade escolar na maioria das vezes, desprezando a ampla gama de
possibilidades e recursos que o teatro de formas animadas disponibiliza para a
educação de todas as idades. Desenvolvendo aspectos educacionais,
principalmente aqueles relacionados à comunicação, a expressão
sensoriol-motora, a leitura e a literatura, o TB contribui na formação do
educando no tocante a percepção visual, auditiva e tátil; a percepção da
sequência de fatos (noção espaço-temporal); coordenação de movimentos;
expressão gestual, oral e plástica; criatividade; imaginação ; memória; socialização
e o vocabulário. É uma atração especial, unindo o lúdico, a arte, à
aprendizagem.
Através de
atividades em sala de aula com o teatro de bonecos, aspectos do desenvolvimento
do alun@, que não são observados durante os trabalhos escolares tradicionais,
podem ser revelados. Há uma comunicação extra, entre bonecos & alun@s que é
estabelecida, onde as atividades educativas e recreativas, podem ser
trabalhadas, de acordo com a capacidade dos alun@s. O TB demonstra
ter um alto valor pedagógico, ao possibilitar desenvolver aprendizagens de
atitudes transformadoras, ser altamente participativo e questionador,
proporcionar recreação e servir como espaço para a expressão de emoções,
impulsos, fobias e conflitos, através das ações impressas espontaneamente nos
bonecos e/ou objetos, ao fazê-los falar, cantar ou brigar.
“Jogos,
dramatização e teatro, ajudam o aluno a construir a sua identidade, poi,
ela poderá desempenhar diversos papéis sociais (mãe/filha, pai/filho,
professor, médico, policial, rei, escravo, senhor de engenho, delegado,
amigos, etc.) e experimentar diferentes sensações e emoções. O boneco
deixa de ser um objeto e torna-se “alguém”, cria vida, tem um papel e uma
identidade, os quais o aluno e professor, podem aprender através do
objeto-boneco (AMARAL, 2008)”
Bonecos na sala de
aula, permitem melhor conhecimento do alun@, sendo possível ajuda-lo no
processo de socialização, fazendo-o sentir-se à vontade, sem inibições,
propiciando um ambiente de conforto e liberdade onde possa expressar suas
ideias e opiniões sem constrangimentos, ao mesmo tempo que brinca.
Entre os principais
objetivos do teatro de bonecos na educação, Ladeiras (1998) enfatiza os bons
resultados da utilização deste instrumento como atividade lúdica na sala de
aula, “ entendendo que para o professor, a atividade é uma técnica
educativa; para o alun@, é um jogo , que educa e
ajuda no convívio social”. Através do esforço da compreensão e do
conflito da participação nas atividades lúdicas, o alun@ cresce, cruza metas e
atinge objetivos, aprende brincando
Citando a escrita
poética de Graciliano Ramos, “a palavra não foi feita para enfeitar, brilhar
como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”, chego ao recorte do
meu trabalho, como educadora/ arte educadora, potencializando transformar a
palavra em vida, como uma tarefa constante, usando para isto, o teatro de
bonecos. Com a arte, esta condição se amplia, dando as palavras poder
ainda maior, buscando novos tipos de transformação da própria vida. A
figura do boneco, é um canal especial para esta exploração. Esta intervenção
humana através dos bonecos, complementando as palavras, provocando “explosões”
que a dimensionam, tem sido a base para minha atuação como arte educadora nos
recentes vinte anos, trabalhando o TB como um instrumento de
investimento/experimento na educação. Tal intervenção e atuação, se espelha, se
molda, nos estudos e leituras de Gramsci, gestando e amadurecendo idéias e
comportamento na assimilação do papel da cultura na educação, no sentido
de promover e estimular mudanças, ampliando o “tamanho” da palavra, como sugere
Graciliano.
Gramsci entendeu que a educação torna-se dimensão
estratégica na transformação social, onde usar a palavra, como “arma” da
arte,da cultura, são pontos fundamentais, a favor da educação: “ As palavras não
podem ser canhões que explodem em silêncio”. Tratando de cultura
& educação, operando para contrapor aquilo que “ é “, ao que “dever
ser”, buscando e investindo a partir daí, propostas de mudanças, o pensamento
Gramsciano sugere trabalhar com o “pessimismo da
inteligência, e o otimismo da vontade”, onde a arte é
instrumento-arma das mais fundamentais.
Gramsci enxergou
que a educação era/é uma dimensão estratégica para transformação da sociedade,
apresentando consistentes propostas para organizar a cultura num mundo de
desigualdades. Por que a educação, a escola assumiram para ele, importância tão
decisiva, e neste contexto, confere a cultura tamanho espaço? Segundo Gramsci,
o trabalho para convencer as classes mais pobres a aceitar o status quo, não
se restringe ao mundo das idéias. Percebendo essa “trama”, Gramsci descobre a
importância de um movimento intelectual e cultural, para difundir novas
concepções de mundo, que elevem a consciência cidadã das massas populares e
produzam novos comportamentos, intelectual e
cultural.
É no âmbito da
reflexão do Estado ampliado que Gramsci questiona as liberdades civis e
políticas do Estado democrático, indicando como um dos caminhos mais
importantes para se trilhar este Estado ampliado, a cultura e a educação,
ou ainda,“ uma educação cultural”. De nada valiam os direitos
conquistados com a ampliação da democracia, como o direito político do cidadão
de escolher seus dirigentes e poder ser dirigente, se as massas tinham
dificuldades para se organizar politicamente, para se expressar com coerência e
de forma unitária, e ainda lhes faltavam elementos conceituais para criticar
seus governantes.
Esse questionamento mostra sua preocupação
em identificar meios para elevar cultural e politicamente as massas. Trata-se
de uma perspectiva que vai muito além da formação para a cidadania. Gramsci
pensa um programa educacional-cultural, procurando identificar métodos e
práticas culturais que propiciem aos trabalhadores sair da condição de
subalternidade. Defende a organização de um “centro unitário de cultura”, cujo
objetivo é a “elaboração unitária de uma consciência coletiva”, envolvendo
a discussão das instituições que atuam na formação de intelectuais, como a
imprensa e, principalmente, a escola.
Nesta linha Gramsciana, com as somas do
conceito de cidadania cultural apresentados pela filósofa Marilena Chauí, sob o
prisma democrático do direito à cultura, através da apropriação dos meios
culturais existentes, pautados na invenção de novos significados culturais,
onde tod@s são sujeitos sociais, culturais e históricos, através do trabalho da
memória social coletiva, a atuação como professora e atriz bonequeira na
companhia Trio de Três (organizado na década de oitenta, no século XX),
trilha na prática deste casamento possível, da Cultura & Educação.
Os temas das aulas-espetáculos e/ou
espetáculos, fogem da linha do entretenimento, puro e simplesmente: as
montagens e adaptações pautam linha arte-educadora, com assuntos da prática
cotidiana da sala de aula, da grade escolar e conceitos da prática da
cidadania, associados aos espetáculos. A intervenção do boneco na
prática pedagógica, sempre exigiu a busca do equilíbrio entre o esforço e a
disciplina, com o prazer e a satisfação. Tentar conduzir sutilmente o alun@
para a aquisição de conhecimentos mais abstratos, misturando tarefas
escolares com dose de brincadeira, facilita no mergulho da arte do
aprendizado e da vida, e ainda, oportuniza a reflexão e o debate que
permeiam a história, ao longo dos séculos, nas lutas estabelecida entre
poderosos e dominados, entre reis e servos, dentro das salas de aulas,
explorando também, outros espaços do aprender.
O projeto “O Trio conta da História”,
especialmente pensado para abordar temas curriculares da disciplina de História
com treze temas de aulas-espetáculos, de 1993 - 2003, percorreu escolas,
faculdades, instituições diversas nas diferentes esferas do poder público,
instituições culturais e educacionais, emissoras de televisão, organizações
alternativas e movimentos livres, na apresentação de espetáculos, performances
e oficinas nos mais variados encontros (congressos, conferencias,
encontros, simpósios, fóruns, seminários, festivais).
A vivência-memória que esta
experiência proporciona/proporcionou, supera a tradicional dicotomia entre
trabalho científico e prática profissional, onde a proposta das
aulas-espetáculos de história, focando temas do currículo escolar e da
vida, são instrumentos reais de aprendizado e investigação, com prazer e
satisfação, alimentando de modo harmônico, com forma e conteúdo, os
pilares da prática docente, na sala de aula, na extensão e na pesquisa.
Como Professora da área, sempre me fascinou a busca-tentativa de aproximar o passado,
mais perto possível do presente, sendo este mesmo, o maior de todos os tempos
no tempo que temos, da História, nas divisões da construção do tempo histórico,
de passado, presente e futuro, que concebemos mundialmente. Só é possível
projetar ou vislumbrar um futuro, em função de ações e atitudes
presentes.
Atitudes presentes não tem outro
local-espaço de acúmulos e construções, a não ser nas constituições e visitas
do passado. É do passado que extraímos o que existe de melhor, sendo o tempo
presente fugidio e breve, e o futuro, uma incógnita. As aulas – espetáculos de
História, objetivam isto: trazer para mais perto do presente, o passado,
reinventando e pensando com olhar ampliado, futuros possíveis.
Atualmente, o
grupo Trio de Três apresenta cinco temas de aulas-espetáculos: Atenas e
Esparta: o que ficou de herança; Feudalismo: senhores feudais e servos;
Renascimento: um viva a arte e a cultura; Escravidão: um passado de vergonha; e
Brasil sem Homofobia, uma questão de cidadania, além de três montagens
livres e duas adaptações com autores nacionais e estrangeiros, nos
espetáculos: Baião de dois; Reciclagem em Cena; Momento de Natal; Os
amores de Dom Perlimplim e Belisa em seu jardim (Garcia Lorca); e Contos e
Escritos (Clarice Lispector e Marina Colasanti ); com bonecos de vara,
marote, luva, marionetes de manipulação direta, bonecos-brinquedos, e sombra. Nestes
anos de atuação, interessante observar o quanto crianças, adolescentes,
jovens e adultos ficam fascinados, vendo que é possível emprestar
voz e corpo, para dar vida a um personagem-brinquedo, e através deste
brinquedo, aprender.
“No
que tange ao Teatro de bonecos, a própria historia que o acompanha milenarmente
o define como uma das mais ricas formas de prática lúdica. Tendo sido utilizado
por crianças e adultos, em Oriente e Ocidente, para trabalhar literatura,
música, expressão corporal, artes plásticas, valores morais e muito mais”
(AMARAL, 1996).
Brincar para
aprender, é preciso. O otimismo da arte é necessário, suavizando o “peso” dos
ritos acadêmicos, da grade curricular e da rigidez dos intelectuais. A formação
de profissionais capacitados para o pleno exercício das praticas lúdicas na
sala de aula (e fora dela), é hoje um dos maiores desafios dentro da educação.
Não pode se pensar em orientação educacional de crianças, adolescentes e
jovens, sem antes haver orientação e preparo do adulto, agente da regência.
Sabe-se que os alun@s estão cada vez mais exigentes, ou ainda, desinteressados
ao extremo. Parte deste cenário deve-se as circunstancias do mundo atual, com
novos e atraentes convites, afastando a escola do educando, e vice-versa. Os
alun@s de hoje só conseguem acreditar nos professores que participam, que se
envolvem, “que sabem transformar suas aulas em trabalho-jogo, seriedade
e prazer ” (ALMEIDA, 2003).
Ensinar abrindo
espaço para debates, aproveitando cada situação como fonte de aprendizagem,
através da arte. Será possível ampliar esta consciência, será possível
dimensionar a relação educador-educando, crescendo em variadas direções,
fortalecendo a árvore do conhecimento? Pontos cruciais à efetivação da arte no
cotidiano da sala de aula, são condições fundamentais para efetivar e
socializar este caminho para o conhecimento, bem como a predisposição para
levar isso adiante, considerando a falta de incentivo e/ou apoio por
parte das próprias escolas, das gestões escolares, dentro das políticas de
educação vigentes, explicitadas justamente pelo “ tamanho” irrelevante
que a cultura e arte ocupam, nos espaços da educação.
A palavra chave
para o educador é “ousadia”. Ser ousado implica desafios constantes, busca e
divisão de conhecimentos. Um sem fim de áreas abstratas e temas polêmicos
podem ser abordados através do Teatro de/com Bonecos, como também, outras
formas e linguagens artísticas, na educação. Arte e prazer: Um presente
atraente, para tempos tão “tensos e desanimados”, na educação formal.
Cleise
Campos
Julho
de 2012 - Rio das Ostras/RJ
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Texto 1.
Referências
de um processo em construção: Programa de Formação Cultural para o Estado do
Rio de Janeiro
A regulamentação do
Programa de Formação e Qualificação Cultural do Estado do Rio de Janeiro -
PFQC, materializa-se no desafio de somar as iniciativas já existentes, e
a consolidação das pesquisas, com as trocas de informações correntes no campo
da formação cultural, inter-relacionando abordagens de compreensão e análise que
contribuam para atualizar a aplicação e ampliação das políticas culturais no
estado fluminense, no tocante as áreas de arte, técnica e gestão, entendendo a
urgência e o contexto estratégico do panorama cultural do Brasil e do Estado do
Rio de Janeiro, nos próximos 10 anos, a partir da efetivação dos Sistemas
Nacional, Estadual, e Municipais de Cultura.
Plano
Estadual de Cultura do Rio de Janeiro
Na apresentação da
Secretaria de Estado de Cultura - SEC RJ, o texto que faz referência à
elaboração do Plano Estadual de Cultura do Rio de Janeiro - PEC RJ, no sitio
oficial, até dezembro de 2013, aborda o contexto das políticas culturais no
estado, reconhecendo que a riqueza cultural do Rio de Janeiro é
indiscutível em todo o mundo, e vai muito além da capital. Num passeio
cultural pelos 92 municípios que formam o mapa fluminense, a SEC RJ destaca
suas diferentes regiões, fazendo citação das culturas africana, caiçara,
indígena e de outros povos que migraram para o Estado, contribuindo para a
mistura que predomina na sua radiografia cultural:
“São
muitas as manifestações populares, como as Pastorinhas de Pádua, a Cavalhada de
Campos dos Goytacazes, o Mineiro Pau de Miracema, o Boi Pintadinho de Italva, o
Caxambu de Porciúncula, o Calango de Vassouras, a Mana-Chica de São Francisco
de Itabapoana, a Ciranda de Paraty, o Maracatu de Resende, além da capoeira,
das folias de reis, do jongo e das quadrilhas. Bandas centenárias como a
Sociedade Musical Beneficente Euterpe Friburguense, a Lyra dos Conspiradores,
de Macaé, e a Fraternidade Cordeirense ainda dão o tom das nossas festas, junto
com corais, grupos de samba e choro, rock, hip-hop e funk. Surgem novos
cineclubes, como o Mate com Angu, de Duque de Caxias, além de vários coletivos
de artes cênicas, visuais e literários. O artesanato mantém muitas famílias e
comunidades que se expressam através da cerâmica, renda, madeira, couro, cestas
e trançados. Nossas festas, religiosas e pagãs, são variadas: a celebração do
13 de Maio no Quilombo São José, em Valença, a Festa do Divino, em Paraty, e a
Noite do Jongo, em Vassouras. Festivais como a FITA (Festa Internacional do
Teatro de Angra dos Reis), o Rio das Ostras Jazz & Blues, o Festival do
Vale do Café, no Vale do Paraíba, e a FLIP, em Paraty.” (Adriana Rattes, 2010
)
Buscando propiciar
melhores condições para que o processo social de criação e fruição da cultura
fluminense seja o mais rico e diverso possível, a SEC RJ, confirma um quadro
visível: na maioria dos municípios do estado constatam-se carências na gestão
pública da cultura, com pouquíssimos recursos humanos, financeiros e materiais,
baixa institucionalidade (poucos municípios têm secretaria exclusiva de
cultura), planejamento inexistente, servidores em quantidade insuficiente e sem
a formação necessária, como também, falta de equipamentos culturais, e a pouca
participação de agentes culturais e artistas locais na gestão da cultura.
Boa parte dos
estados brasileiros começa a estabelecer desde 2002, uma nova pauta de ação em
direta relação com o Ministério da Cultura, na gestão do Ministro Gilberto Gil,
nos dois mandatos do Presidente Lula. O Estado do Rio de Janeiro inicia esta
relação, mais direta e amiúde, a partir de 2007. Potencialmente estimulada pelo
MinC, a SEC RJ adota várias medidas inovadoras, dentre elas o
começo de um diálogo com as cidades, buscando inicialmente junto aos prefeitos,
o compromisso conjunto de fortalecimento da cultura nos seus
municípios. Até chegar ao contexto de elaboração do Plano Estadual de
Cultura, o cenário das políticas culturais no estado fluminense é resultado,
especialmente, dos recentes trinta anos, da relação estado/municípios que
acompanhou o lento processo de construção democrática do Brasil, e mais lento
ainda, o processo de construção das políticas públicas de cultura.
Tanto no Brasil
como nos estados, o conceito de cultura começa a ser efetivado como veículo
condutor de assimilação e de apropriação das políticas públicas, mudando
lentamente, para além das agendas conhecidas e festivas da “cultura do evento”,
das festas e folguedos, calendários religiosos e ritos folclóricos, neste tempo
recente que compreende pouco mais de uma década. A apropriação recentíssima
deste conceito começa a provocar os municípios e os diversos atores do cenário
cultural no estado, nesta sequencia de apropriação e mudanças, onde a
unanimidade da necessidade de formação para melhor atuação no setor é ponto
comum entre todos, tanto no poder público, quanto na esfera privada, nas
organizações não governamentais, e ainda, no movimento livre.
Nas declarações dos
delegados das conferências estaduais e nacional de cultura, no decorrer de
2013, a fala comum apontou para necessidade de formação no setor, como
atesta o pesquisador do Laboratório de Ações Culturais da UFF, Prof.Dr. Luiz
Augusto Rodrigues:
“Cada
vez mais, a implementação das políticas em cultura vem ganhando força e
tentativas de sistematicidade e desenvolvimento qualificado. A que se considerar,
no entanto, que para se ter políticas é necessário que se posicione e se conceitue
a partir de que preceitos as políticas serão norteadas, a formação é, então,
um requisito básico. Tanto do quadro técnico envolvido quanto dos propositores
e gestores responsáveis pela implantação e acompanhamento das políticas
traçadas.” (RODRIGUES, 2010)
Das propostas
oriundas dos municípios, sistematizadas para debate na 3ª CEC RJ, destacamos as
propostas estaduais aprovadas, dentro do segmento de formação, nos quatro eixos norteadores da conferência:
Eixo
1 – Implementação do Sistema nacional de Cultura/ 1.1 Capacitar
gestores de cultura, conselheiros e agentes culturais, mestres e griôs de
cultura popular e tradicional e professores através de programas de formação na
área cultural e cursos promovidos e certificados pela Secretaria de Estado de
Cultura, de Educação e instituições de ensino; 1.2. Aumentar o número de
funcionários da cultura, abrindo concursos públicos criando-se uma gerência de
cultura com tempo de carreira que independa do governo, com perfil de formação e
títulos pertinentes às demandas locais, comtemplando profissionais graduados em
Produção Cultural, dentre outras graduações;
Eixo
2 – Produção Simbólica e Diversidade Cultural /2.20. Organizar
oficinas de capacitação para gestores públicos municipais de cultura e agentes
da sociedade civil; 2.21. Organizar oficinas nas diferentes regiões do estado
que discutam e capacitem gestores e fazedores de cultura acerca da economia
criativa, democratizando o acesso aos saberes e conceitos sobre este campo;
2.23. Realizar concurso público para a Secretaria Estadual de Cultura nos
âmbitos administrativo, técnico e superior de forma a garantir a perenidade nas
políticas públicas de salvaguarda, circulação, fomento, intercâmbio,
desenvolvimento, cidadania e direitos culturais – como apontado no SNC; 2.24.
Ampliar a carga horária de permanência de alunos da educação básica, da rede
estadual de ensino, em atividades artísticas e culturais; oficinas e fóruns de
discussão; 2.25. Ampliar, nas diferentes regiões do estado, dos cursos
técnicos, tecnológicos, de graduação e pós-graduação no campo da cultura na
rede estadual de ensino médio, técnico, profissionalizante e nas universidades
públicas estaduais; 2.29. Desenvolver oficinas de capacitação de profissionais
da educação – parceria Secretaria de Estado de Educação, SEC-RJ e órgãos
gestores municipais - para o curso de História da África e História Indígena,
em cumprimento às Leis 10.639/2011 e 11.648/2008, para tratar de temas como
tolerância religiosa, diversidade cultural e culturas populares e tradicionais;
2.32. Manter, valorizar e expandir as escolas de formação em linguagens
artísticas e culturais existentes no estado com quadros próprios concursados e
infraestrutura adequada ao seu bom funcionamento; 2.33. Organizar oficinas nas
diferentes regiões do estado discutindo e capacitando gestores e fazedores de
cultura acerca da economia criativa, democratizando o acesso aos saberes e
conceitos sobre este campo;
Eixo
3 – Cidadania e Direitos Culturais/ 3.1 Capacitação e qualificação
dos profissionais da área artística, cultural para trabalhar com a pessoa com
deficiência;
Eixo
4 - Cultura e Desenvolvimento/ 4.1. Garantir a formação dos agentes de
cultura desde o ensino básico, inclusive com oficinas de arte extracurriculares,
até sua qualificação e especialização artística; 4.2. Capacitar os gestores
públicos de cultura para a inclusão dos seus municípios nos programas estaduais
e nacionais de fomento à cultura, com a formação devida para lidar com as
especificidades das políticas de preservação e
acesso ao patrimônio material e imaterial.
O Programa Estadual de Formação e Qualificação Cultural do RJ, é uma das peças
integrantes do Sistema Estadual de Cultura do Rio de Janeiro - Projeto
de Lei da Cultura (em tramitação para aprovação na
ALERJ), à saber:
CAPÍTULO II-DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO DO SISTEMA ESTADUAL DE CULTURA
Art. 11 - São instrumentos de gestão do Sistema Estadual de Cultura:
(.....) SEÇÃO III
- Programa de Formação e Qualificação Cultural – PFQ
Art. 44 - Fica autorizada
a criação do Programa de Formação e Qualificação Cultural, com o objetivo de
estimular e fomentar a qualificação de agentes públicos e privados nas áreas
consideradas vitais para o funcionamento do Sistema Estadual de Cultura.
Parágrafo Único - Este
programa será regulamentado em instrumento próprio.”
Do
texto base das Diretrizes e Estratégias do Plano Estadual de Cultura do
RJ, inserido como anexo na Lei de Estado de Cultura, cabe atentar para os
registros específicos para o tema da formação cultural:
EIXO TEMÁTICO 1 – CULTURA
E CIDADANIA
1.1
(Diretriz) PROMOVER A CULTURA COMO UM DIREITO DE TODOS OS CIDADÃOS E AMPLIAR O
ACESSO AOS BENS CULTURAIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Estratégias:
1.1.1
Implementar e estimular ações de ampliação do acesso à formação artística em
níveis de iniciação, profissionalização e excelência, em todas as regiões do
estado.
1.1.4
Implementar ações de incentivo à formação de público para a cultura, visando a
democratização do acesso às mais variadas linguagens artísticas e expressões
culturais.
1.1.6
Garantir às pessoas portadoras de deficiências o acesso às artes e expressões
culturais, contemplando a possibilidade de formação, produção e fruição.
EIXO TEMÁTICO 2 – CULTURA,
DIVERSIDADE, PATRIMÔNIO E MEMORIA
2.1
(Diretriz) VALORIZAR A DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES ARTÍSTICAS E CULTURAIS
Estratégias:
2.1.1
Fomentar ações de valorização da diversidade cultural do estado do Rio de
Janeiro em todas as regiões, estimulando a formação, produção, difusão,
documentação e memória das linguagens artísticas e expressões culturais.
2.2
(Diretriz) FORMULAR E IMPLEMENTAR POLÍTICAS CULTURAIS SETORIAIS
Estratégias:
2.3.3
Difundir técnicas e saberes tradicionais, tendo por objetivo garantir a
transmissão deste conhecimento para as gerações futuras.
2.3.4
Promover ações de educação patrimonial voltadas para a valorização da memória,
das identidades, da diversidade cultural e do meio ambiente.
EIXO TEMÁTICO 3 – CULTURA,
EDUCAÇÃO E JUVENTUDE
3.1
(Diretriz) PROMOVER O APROFUNDAMENTO DO DIÁLOGO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO
Estratégias:
3.1.1
Integrar políticas de cultura e de educação, através de planejamento e ações em
conjunto, visando contribuir para a melhoria do processo educacional e a
formação do indivíduo.
3.1.2
Incentivar a utilização de linguagens artísticas e expressões culturais no
ambiente escolar e nas bibliotecas e museus, estimulando a criatividade, a
capacidade de expressão e a sociabilidade da população infanto-juvenil
fluminense.
3.1.3
Estimular ações de formação artística e cultural voltadas para educadores,
gestores de educação, bibliotecários e museólogos.
3.1.4
Estimular ações culturais que otimizem o uso de equipamentos pelo público
infanto-juvenil, bem como os espaços das escolas para atividades culturais
extracurriculares.
3.1.5
Desenvolver programas, em parceria com a educação, voltados para a valorização
do ensino de história, arte e cultura regionais e locais, em especial das
minorias.
EIXO TEMÁTICO 5 – GESTÃO
DA CULTURA
5.2
(Diretriz) INTENSIFICAR OS ESFORÇOS PARA A MELHORIA DA GESTÃO DA CULTURA
Estratégias:
5.2.3
Investir na formação de gestores públicos da área da cultura.
6.2
(Diretriz) AMPLIAR O ACESSO DOS AGENTES CULTURAIS DO ESTADO AOS RECURSOS
FINANCEIROS DA CULTURA
Estratégias:
6.2.4
Investir na qualificação de agentes culturais habilitando-os a melhorar o
planejamento, a captação e a gestão dos recursos de seus projetos.
A exigência de
formação para atuação no campo cultural é tão recente quanto o processo de
efetivação das politicas culturais no Brasil. Poucos anos antes, por não ser
obrigatória para o exercício da função, por parte da esfera pública, ou do
mercado, a necessidade de formação específica para desempenhar funções na área
da arte e cultura, era inexistente. Este quadro muda em função das dimensões
que a própria cultura passa a estabelecer, nos variados setores da sociedade
(público, privado, alternativos), pelo volume de recursos e investimentos que
começam a ser operados nos novos orçamentos destinados a cultura.
Os próprios
gestores, agentes culturais, artistas, arte-educadores, interessados na sua
formação e capacitação, começam a buscar elementos potenciais de formação e
capacitação, estimulando uma dinâmica dentro deste processo em construção. Em
boa parte dos casos, a iniciativa pela capacitação surgia da atitude dos
próprios gestores, dentre outras experiências, cito o Seminário Permanente
de Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, promovido pela
Comissão dos Gestores de Cultura/Comcultura RJ, em parceria com o Decult-SR3
UERJ, ao longo de dez anos; uma vez que a ausência de uma política de formação
de pessoal qualificado para atuar na organização da cultura, durante este
percurso de tempo recente, permaneceu sem solução, ou mesmo sem iniciativas
específicas dos respectivos governos.
Já
reconhecido o papel fundamental da cultura para o exercício da cidadania,
para a consolidação da democracia, identificando realidades locais, buscando
descobrir mecanismos viáveis de adoção de práticas e atitudes que resultem em
ações concretas nos processos determinantes para o desenvolvimento, e
compreendendo que a própria cultura vivencia um processo de construção, a
partir da efetivação dos seus Planos de Cultura, a formação cultural, com
sequente profissionalização de pessoal para atuação no setor, está em patamar
crescente de exigência, nos diferentes setores da sociedade. Neste
aspecto, formar novos profissionais e capacitar os que já desempenham funções,
viabiliza potencialmente a garantia da valorização das políticas públicas de
cultura no estado, nas cidades que compõem o seu mapa, contribuindo para o
fortalecimento de nossa identidade e pluralidade como vetor fundamental de
desenvolvimento, na riqueza que é a cultura, como bem natural da vida, e de ser
feliz.
Tais considerações
balizam a Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro a proceder na
regulamentação do seu Programa de Formação e Qualificação Cultural,
com linha de ação pautada no tripé técnica, arte, e gestão. A partir de um
diagnóstico com levantamento das ações
formativas da área cultural no estado, identificando as iniciativas existentes
como os cursos e/ou afins, promovidos e/ou apoiados pela SEC, cursos formais
oferecidos na área cultural, e afins nas faculdades e institutos, identificação
de parceiros no poder público
(municipal, estadual e federal), para aplicação de programas/editais de
formação, bem como a avaliação
de formatos, em função do público diversificado (cursos livres; seminários;
oficinas, e os cursos com certificação - carga horária específica por
modalidade EAD-Semi presencial, e/ou), o estado fluminense
potencializa o processo de formação e capacitação do setor.
Sobre o Curso de
Formação para Gestores Públicos e Agentes Culturais do ERJ: A formação e capacitação dos profissionais atuantes nos
mais diversos setores culturais é a forma mais rápida e eficaz de promover bons
resultados para a política de cultura. O Curso de Formação de Gestores Públicos
e Agentes Culturais foi uma das ações iniciais na implantação do Programa de
Formação e Qualificação Cultural do Estado do Rio de Janeiro, orientando o
processo de formação cultural no estado para gestores públicos culturais,
conselheiros municipais de cultura, e agentes culturais, aliando as noções
básicas às tendências mais contemporâneas nesta área, se valendo de
especialistas renomados em seus variados segmentos de atuação, para atender as demandas mais práticas de
aperfeiçoamento.
O Curso, em parceria com o Instituto
Multidisciplinar de Formação Humana com Tecnologias, da UERJ, e
Ministério da Cultura, iniciado em outubro de 2013
a de julho de 2014, com carga horária de 151 horas/Modalidade EAD
(135 à distância e 16 horas presenciais), ofereceu 800 vagas, distribuídas em
23 turmas para todo estado do Rio de Janeiro, com um grupo de renomados
especialistas, e tutores para orientação e acompanhamento dos alunos. Aliando as noções básicas às tendências mais
contemporâneas nesta área, se valendo de especialistas renomados em
seus segmentos de atuação, o percurso de formação foi organizado
para atender as demandas mais práticas de aperfeiçoamento na elaboração e
monitoramento de projetos culturais, mas também para dar solidez ao processo de
organização do trabalho em cultura que obedece a prerrogativas diversas, como a
apropriação de noção dos conteúdos da área, dos debates mais atuais sobre
políticas e gestão cultural no Brasil e em especial, no Estado do Rio de
Janeiro.
Ao longo do
curso, foram realizadas aulas com encontros presenciais em diferentes regiões
do estado, com tutores e especialistas para orientação
e desenvolvimento dos trabalhos desenvolvidos (os chamados Trabalho
de Conclusão de Curso), agregado as tarefas executadas que atestaram 75% de
frequência, para certificação. Um dos alunos concluintes, da Baixada
Fluminense, enfatiza a importância do aprendizado na relação direta da sua
atuação profissional:
“Posso
assegurar que minha atuação na área de cultura tem agora um divisor de águas
- antes e depois do Curso de Formação Cultural dos Gestores Públicos e
Agentes Culturais, que me abriu uma dimensão totalmente nova. Termino o curso
satisfeito e feliz pelo investimento destes meses.”(JOELSON SANTIAGO, 2014).
Com agenda de
encontros para apresentação e discussão do PFQC, a SEC propõe discussões com
representantes de Universidades e Institutos, Municípios, Sistema S, Fóruns de
representação regional e/ou setorial, e a Sociedade Civil do estado fluminense,
e ainda, troca de informações
sobre iniciativas de organização de Programas de Formação
Cultural em outros estados brasileiros e na União.
Como sugestão para o
futuro Conselho Estadual de Cultura (com regulamentação prevista após aprovação
da Lei de Estado de Cultura), as seguintes propostas estão em discussão,
podendo ser, ou não, matéria de regulamentação no Programa de Formação e
Qualificação Cultural: A instalação de
cursos nas regionais do estado priorizando formação e qualificação nas
áreas artística, técnica e de gestão (em especial para gestores públicos,
conselheiros de cultura, artistas, arte-educadores, e animadores culturais); Instalação de Centros Estaduais de
Educação em Artes (parceria com outras unidades administrativas do estado, e/ou
autarquias, em locais e/ou ações já existentes); Ações extracurriculares de artes nas escolas estaduais
(parceria com SEE); Continuidade
na aplicação de oficinas e cursos livres (linguagens artísticas e técnica), em
parceria com prefeituras, Sistema S, e terceiro setor; Convênios, parcerias, e/ou acordos técnicos específicos
com Universidades Públicas, Institutos Federais, e Ministério da Cultura, para
aplicação de cursos de extensão, graduação, especialização e pós-graduação em gestão/produção/políticas
culturais, tendo como base a formação na área de gestão cultural; Publicação de
títulos e periódicos específicos.
O Sistema Nacional
de Cultura e a necessidade de Formação Cultural no Brasil
Este contexto vem
sendo desenhado, especialmente, a partir das agendas que mobilizaram
municípios, estados, e país nas etapas das conferências de cultura, onde a
“radiografia da cultura Brasileira” ficou evidente. A reflexão sobre a 1ª
Conferência Nacional de Cultura, realizada em 2005, apresentada
pela pesquisadora Lia Calabre, do Setor de Políticas Culturais
da Fundação Casa de Rui Barbosa, destaca que:
“A questão
da formação dos profissionais, sejam eles das áreas de gestão ou das linguagens
e práticas artísticas, está presente em praticamente todos os cinco eixos
temáticos na discussão na I Conferência”(CALABRE, 2006).
Na 2ª Conferência
Nacional de Cultura, realizada em 2010, o então Presidente do Conselho de
Estado de Cultura da Bahia, hoje Secretário de Estado de Cultura daquele
estado, Prof. Antônio Albino Rubim, enfatiza:
“A
formação apareceu em várias das diretrizes prioritárias aprovadas pelos
estados, sendo a segunda proposta mais votada por todos os Delegados, na
plenária fina”. Formação em vários níveis, e com diferentes objetivos:
gestores, produtores, técnicos operacionais, artistas.”
(RUBIM,2007)
Na 3ª Conferência
Nacional de Cultura-3ª CNC, realizada em novembro de 2013, a instalação e
desenvolvimento do Programa Nacional de Formação em Cultura, com garantias de
recursos específicos da União, dos estados e municípios, foi um dos principais
destaques, onde novamente a questão da formação no setor ficou entre as
propostas mais votadas por todo Brasil. Do
resultado final das 614 propostas, foram elencadas 20 prioritárias,
deste conjunto, quatro propostas centradas na formação se destacam nos
diferente eixos norteadores, a saber:
Eixo
1 - Implementação do Sistema Nacional de Cultura/Proposta 1.14. Criar,
desenvolver, fortalecer e ampliar as estratégias para a formação e capacitação
em gestão cultural de forma permanente e continuada, envolvendo gestores e
servidores públicos (nos níveis federativos: união, estados, distrito e
municípios) e privados, conselheiros de cultura, artistas, produtores, agentes
culturais, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e demais
integrantes da sociedade civil dos diversos segmentos por meio: a) da
diversificação dos formatos e modelos de formação, contemplando a educação a
distancia EAD, presencial, semi-presencial, continuada, Programa Nacional
de Formação de Gestores Culturais Públicos e Sociedade Civil, cursos de curto,
médio e longo prazo, de nível técnico e superior, extensão, graduação,
pós-graduação strictu sensu e lato sensu, palestras, seminários, fóruns e treinamento,
além da produção e disponibilização de material didático; b) da criação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais e de qualificação profissional para os campos
da política e da gestão cultural e da garantia de atendimento e adequação
das linhas formativas segundo, as especificidades regionais, a demanda de cada
segmento cultural frente à diversidade, pluralidade e singularidades do
universo da cultura; c) da garantia à acessibilidade (artigo 9ª. do
decreto no. 6949, de 25 de agosto de 2009) através da utilização de
metodologias e materiais didáticos específicos, tais como: publicações em
Braille, formatos abertos para leitores de tela, presença de interpretes para
as diversas linguagens e códigos, tecnologias e adequações de infraestrutura.
Eixo
2 - Produção Simbólica e Diversidade Cultural/Proposta 2.11. Investir na
educação continuada formal, no âmbito do ensino técnico e superior
(tecnológico, bacharelado e licenciatura), públicos, incluindo a criação de
cursos nas Instituições de Ensino Superior e Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, em linguagens artísticas, criativas e saberes culturais,
e educação não formal, contemplando as áreas artísticas, criativas e culturais
em amplos aspectos, abrangendo as manifestações locais, contemporâneas e de
povos indígenas, povos e comunidades tradicionais (Conforme decreto
presidencial nº. 6.040, 07/02/2007), de forma descentralizada e com
acessibilidade comunicacional, intelectual e de mobilidade, com intuito de
garantir: a) formação continuada de arte educadores nas diversas áreas do
conhecimento artístico/cultural, para mediar, desenvolver e conduzir conteúdos
e disciplinas artísticas, trabalhando a arte como uma área de conhecimento; b)
investimento em instituições comunitárias, estaduais e federais de ensino
superior tecnológico para o aumento de oferta e interiorização de cursos de
graduação, extensão e pós-graduação nas áreas da arte/cultura, bem como criar e
fomentar escolas livres e pesquisas, através das agências estaduais de fomento,
de pesquisa e extensão, do CNPq e das pesquisas cujo o objeto seja a cultura;
c) incentivo a criação de cursos livres em gestão cultural para gestores,
produtores, artistas e sociedade em geral; d) criar via Ministério da Cultura
de uma plataforma online de recursos educacionais abertos, bem como produzir
materiais didáticos editados com conteúdos referentes às culturas dos povos e
comunidades tradicionais contemplando também as distintas linguagens artísticas
contemporâneas; e) reconhecer as práticas culturais como formadoras de
subjetividades e coletividades, valorizando os conhecimentos dos povos
tradicionais, bem como das manifestações artísticas/culturais contemporâneas,
favorecendo o intercâmbio entre o ensino formal e não formal; f)
Fomentar a formação de agentes culturais via bolsas de estudo, pesquisas e
residências culturais, bem como ampliar, equiparar com as outras áreas do
conhecimento e garantir a participação do campo da cultura no âmbito do
programa “Ciências sem Fronteiras” e a criação do Programa Artes sem
fronteiras;.
Eixo
3 – Cidadania e Direitos Culturais/ Proposta 3.39. Intensificar e fomentar
o reconhecimento de mestres e mestras das culturas populares e tradicionais
(mestres de capoeira, hip hop, quilombolas, indígenas, sábios, afoxés, jongo e
griôs), por meio de certificação da Rede Certific do Ministério da Educação (de
acordo com a Meta 17 do Plano Nacional de Cultura) ou órgãos afins, com ações
atinentes ao IPHAN e ao IBRAM, garantindo recursos financeiros para a
manutenção de suas expressões artísticas e culturais, através dos editais de
premiação da SCDC; intensificando e aprimorando as ações de proteção do
patrimônio material e imaterial, versando sobre estudos, pesquisas e formação,
apoiando estrategicamente esses processos com a aprovação da Lei de Mestres
(Projeto de Lei nº 1.176/2011) e a transformação do Decreto nº 6.040/2007, que
institui a Política Nacional do Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais em lei.
Eixo
4 – Cultura e Desenvolvimento/Proposta 4.21. Fortalecer e fomentar as
cadeias dos setores criativos, promovendo o intercâmbio regional, nacional e
internacional, valorizando os setores da Economia Criativa local, garantindo o
investimento e a infraestrutura de apoio para criação, produção, publicação,
difusão/distribuição de Bens e Serviços Culturais (adaptadas às especificidades
das diferentes Cadeias Produtivas), capacitando os agentes culturais, gerando
condições de trabalho e renda, tendo como base as dimensões da sustentabilidade
(econômica, social, ambiental e cultural), reforçadas por programas de
conscientização e mudança de hábito e consumo/fruição, como também criar
programas de incentivo ao empreendedorismo e à sustentabilidade das cadeias
produtivas do setor cultural, garantindo a acessibilidade, a inclusão.
Como apontado na 3ª
CNC, a necessidade de formação permanece como preocupação dos participantes da
agenda nacional de cultura, representantes de variados setores (público,
privado, terceiro setor, movimento livre, além de pesquisadores, professores),
ressaltando que a política de formação atualmente, é ação estratégica
para a efetivação dos próprios Sistemas de Cultura. As próprias ações do
Ministério da Cultura, principalmente a partir da institucionalização do Plano
Nacional de Cultura-PNC, e do estabelecimento das 53 metas, abre para todo
Brasil um desafio, onde o cumprimento das metas até 2020 implica em pessoal
apto, capacitado, com formação específica na área.
Observando as
etapas, projeções, e metas do PNC, o Ministério da Cultura (organizado em 1985,
com estrutura base oriunda do Ministério da Educação), estabelece uma intensa
pauta de trabalho, com um complicador que se repete ainda nas demais instâncias
do poder público (estadual e municipal), que é sua própria condição estrutural
(física, orçamentária e principalmente, de limitado quantitativo de pessoal),
frente às demandas que são criadas na esfera federal, como nos estados e
municípios. Neste aspecto, cabe ressaltar a importância de uma equipe
condizente, com perfil específico para atuação, em quantidade apropriada para
acompanhar o desenvolvimento das ações, com cargos efetivos para função.
Atualmente, a falta
de pessoal capacitado é um dos fatores de maior impedimento para elaboração e
efetivação de políticas públicas de cultura, e por outro lado, maior
engajamento dos agentes, artistas e produtores culturais, no novo cenário das
políticas culturais, tanto na esfera pública, como na iniciativa privada, e no
terceiro setor.Considerando o contexto geral do setor cultural, com intensas mudanças na última
década (política de editais, aumento de recursos, programas de difusão e
fomento), e a falta de apropriação de conhecimentos para acompanhar o
desenvolvimento e debate do tema, ampliar as condições de formação e capacitação
no setor, tendem a diminuir o distanciamento entre os principais atores do
universo da cultura, com a sua própria condução nos espaços do governo e da
sociedade em geral.
No tocante a
capacitação, o Ministério da Cultura tem proposto uma linha que aborda desde a
elaboração de projetos, à gestão de equipamentos culturais, a ampla discussão
das políticas culturais, como também a inserção nas linguagens artísticas,
patrimônio cultural, e demais áreas afins, trabalhando com técnicas e
aplicações de temas específicos, de modo a consolidar o tripé da formação:
técnica, arte e gestão. Das 53 Metas do PNC, cabe o destaque para 10:
Meta 11) Aumento em 95% no emprego formal do
setor cultural - Esta meta enfatiza
o especial cenário de investimento no setor cultural,
considerando as exigências de praxe dos setores/mercado ( 1º, 2º e 3º setor),
no tocante a formação oficial;
Meta
12) 100% das escolas públicas de Educação básica com a disciplina de Arte no
currículo escolar regular com ênfase em cultura brasileira, linguagens
artísticas e patrimônio cultural – Desde 1996, a Arte é
reconhecida, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), como
disciplina integrante do currículo das escolas e não apenas como uma atividade
educativa. No entanto, nem todas as escolas oferecem esse ensino aos seus
alunos. A disciplina de Arte deve atender às orientações do documento
Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte, elaborado pelo Ministério da
Educação (MEC). Deve também dar ênfase aos conteúdos de cultura brasileira,
linguagens artísticas e patrimônio cultural, incluindo, entre outros temas, a
história indígena, afro-brasileira e africana. Esta meta atende e exigência
legal, destacando a necessidade de mão-de-obra específica;
Meta 13) 20 mil professores de Arte de escolas
públicas com formação continuada, com a criação de mais
de 1,3 milhão de empregos formais no setor cultural. A maioria dos trabalhadores da cultura
não tem emprego formal, com registro em carteira ou mesmo outro tipo de
contratação. Os trabalhadores da
cultura podem ser artistas, técnicos, produtores e muitos outros. As atividades
reconhecidas do setor cultural estão na lista da Relação Anual de Informações
Sociais (RAIS) criada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Para atender este patamar, especialmente proposto para
rede pública de ensino (municipal e estadual), uma mão-de-obra especializada e
devidamente certificada-diplomada, é fato sequente.
Meta 15) Aumento em 150% de cursos técnicos, habilitados pelo
Ministério da Educação (MEC), no campo da Arte e Cultura com proporcional
aumento de vagas. Mesmo que a oferta de cursos na área
cultural tenha sido ampliado nos últimos anos, essa oferta ainda não é
suficiente para a diversidade das áreas do setor cultural com suas
especificidades e necessidades atuais.
Meta 16) Aumento em 200% de vagas de graduação e
pós-graduação nas áreas do conhecimento relacionadas às linguagens
artísticas, patrimônio cultural e demais áreas da
cultura, com aumento proporcional do número de bolsas - Triplicar
as vagas de graduação e pós-graduação nas áreas de arte e cultura. O mercado de
trabalho brasileiro tem aberto cada vez mais espaço para especialistas em
linguagens artísticas, patrimônio cultural e cultura. Para responder a essa
demanda, é preciso que esses profissionais se qualifiquem e que sejam abertas
vagas para formação de profissionais de nível de graduação (bacharelado e
licenciatura) e de pós-graduação, em todas as regiões do Brasil. O país
precisa, também, aumentar a quantidade de pesquisas na área da cultura e, para
isso, é preciso ter um número expressivo de pesquisadores e de bolsas. Além dos
cursos classificados pelo Ministério da Educação (MEC) nas áreas de arte e
cultura, será necessário criar outros que atendam melhor a essa demanda.
Meta 17) 20 mil trabalhadores da cultura com
saberes reconhecidos e certificados pelo Ministério da Educação (MEC) Reconhecer
os saberes de 20 mil trabalhadores de todas as áreas da cultura e dar a eles
certificação profissional. O programa Rede Certific, do Ministério da Educação
(MEC), é uma das iniciativas do Governo Federal para a certificação
profissional dos trabalhadores brasileiros. Por meio desse programa, podem ser
certificadas pessoas que têm conhecimentos muito específicos. Esses
conhecimentos podem ser habilidades, atitudes e competências dos trabalhadores
da cultura e independem da forma como foram adquiridos. Ao reconhecer a
competência do conhecimento adquirido fora das escolas, a certificação
profissional promove a produtividade e atua na inclusão social e profissional.
Por exemplo, mestres da cultura popular e tradicional, como artesãos, rendeiras
e tocadores de tambor, depois de certificados, poderão ser chamados a ensinar
seus conhecimentos nas escolas.
Meta 18) Aumento em 100% no total de pessoas
qualificadas anualmente em cursos, oficinas, fóruns e seminários com
conteúdo de gestão cultural, linguagens artísticas, patrimônio
cultural e demais áreas da cultura - Dobrar o número de
pessoas qualificadas em cursos, oficinas, fóruns e seminários na área cultural.
Esta meta tem como objetivo qualificar artistas, profissionais da cultura e
gestores para a área cultural;
Meta 35) Gestores capacitados em 100% das instituições e
equipamentos culturais apoiados pelo Ministério da Cultura;
Meta 36) Gestores de cultura e conselheiros capacitados
em cursos promovidos ou certificados pelo Ministério da Cultura em 100% das Unidades
da Federação (UF) e 30% dos municípios, dentre os quais, 100% dos que possuem
mais de 100 mil habitantes;
Meta 44) Participação da produção
audiovisual independente brasileira na programação dos canais de televisão, na
seguinte proporção: 25% nos canais da TV aberta; 20% nos canais da TV por
assinatura – A diversidade cultural brasileira pode e deve estar mais presente
na programação televisiva. Para isso, é importante estimular tanto a produção
como a circulação de obras independentes, estabelecendo uma participação mínima
da produção independente brasileira na TV, tanto na TV aberta como na TV por
assinatura.
Com este quadro, a
partir da aprovação do PNC e o cumprimento das metas prioritárias, bem como
todo processo que institucionaliza nas cidades, estados e União as peças
integrantes dos Sistemas de Cultura, vivenciamos na cultura brasileira um
cenário de passagem marcado pelo desafio da formação e profissionalização do
setor, com um processo em construção que envolve toda sociedade, em especial os
participantes do mundo da cultura.
Cleise Campos
Outubro de 2014- São Gonçalo/RJ
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Sugestões de leituras:
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